23/04/2024 - Edição 540

Poder

Revezes de Moro na Justiça abrem caminho para Lula

Publicado em 28/08/2020 12:00 -

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Sergio Moro já foi uma quase unanimidade no país, quando era o herói da Lava-Jato, a operação que mudou a história da luta contra a corrupção no Brasil. Os inimigos, que eram poucos na época em que era juiz em Curitiba – basicamente os afetados por suas decisões -, começaram a aumentar quando ele foi para o governo Jair Bolsonaro e, mais ainda, depois que ele saiu atirando contra o presidente e despertando a ira do bolsonarismo.

Agora, mais do que inimigos, o ex-ministro começa a acumular reveses na Justiça. O último foi na quarta-feira 26, quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que referendou a maioria de suas decisões de primeira instância, absolveu por falta de provas – e por unanimidade – o ex-tesoureiro do PT Paulo Ferreira, que chegou a ficar preso por sete meses, sentenciado por recebimento de caixa dois na eleição de 2010.

Um dia antes, viera, no entanto, o revés mais preocupante: a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal anulou a condenação por Moro do doleiro Paulo Roberto Krug em um processo do escândalo do Banco do Estado do Paraná (Banestado). O placar foi de dois votos favoráveis à anulação, dos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, e dois contrários, de Edson Fachin e Cármen Lúcia. O empate, neste caso, beneficia o réu, que teve a condenação anulada. O ministro Celso de Mello passou por uma cirurgia e está de licença médica.

O problema maior para Moro foi a justificativa de Gilmar e Lewandowski: a de que o então juiz havia sido parcial no caso ao participar da produção de provas (ajudou a coletar depoimentos de delatores) e ter anexado documentos ao processo após as alegações finais da defesa. “Não houve uma mera supervisão dos atos de produção de prova, mas o direcionamento e a contribuição do juiz para o estabelecimento e para o fortalecimento da tese acusatória”, afirmou Gilmar. “Coisas muito estranhas aconteceram em Curitiba”, disse Lewandowski.

Essa mesma Segunda Turma irá avaliar, provavelmente ainda este ano, um recurso do réu mais famoso sentenciado por Moro: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que faz a mesma acusação feita pelo doleiro: que o então juiz agiu com parcialidade ao condená-lo – no caso, no processo envolvendo um tríplex no Guarujá – à prisão, onde ficou por 580 dias.

Se o colegiado entender que Moro é realmente suspeito – e dependendo da extensão dessa decisão –, Lula, que teve a sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro confirmada pelo TRF4 e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), pode até recuperar os seus direitos políticos. Até agora, o processo repete o do doleiro: Cármen e Fachin votaram contra, mas Gilmar e Lewandowski já deram sinais de que podem votar a favor da suspeição. E Celso de Mello também pode não participar da votação – e, se participar, seu voto é uma incógnita.

Para piorar, como mostrou reportagem da revista VEJA, se o STF entender que Moro realmente violou a lei, ele pode ter até a sua inscrição como advogado contestada na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o que seria muito ruim para o ex-juiz, que pretende trabalhar com advocacia, embora também possa ser candidato a presidente da República em 2022.

Enfim, Moro ainda tem muito capital político e muito prestígio, mas claramente ventos fortes sopram contra ele.

Análise

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal submete a reputação de Sergio Moro a um processo de esquartejamento. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski manuseiam as lâminas. Fazem picadinho de sentenças do ex-juiz. Metódicos, preparam o grand finale: a provável anulação da sentença que condenou Lula no caso do tríplex.

No último dia 8 de agosto, a Segundona decidiu retirar a delação do ex-ministro Antonio Palocci da ação penal em que Lula é acusado de receber propina da Odebrecht na forma de um terreno para a construção do Instituto Lula, em São Paulo. Prevaleceu o entendimento segundo o qual Moro enfiou o depoimento de Palocci no processo para criar um fato político às vésperas das eleições presidenciais de 2018, o que evidenciaria uma "quebra da imparcialidade."

Votaram contra Moro Gilmar e Lewandowski. Votou a favor do ex-juiz, o relator da Lava Jato Edson Fachin. Cármen Lúcia e Celso de Mello, os outros dois membros da Segunda Turma, não compareceram à sessão.

Na terça-feira (25), a mesma Segunda Turma anulou sentença de Moro no caso Banestado. Encrenca antiga, pré-Lava Jato. Utilizou-se uma tecnicalidade jurídica para livrar da condenação o doleiro Paulo Roberto Krug. Alegou-se que Moro juntou documentos aos autos depois da apresentação das alegações finais da acusação e da defesa.

Votaram pela anulação, novamente, Gilmar e Lewandowski. Fachin e Cármen Lúcia votaram a favor da preservação da sentença de Moro. Celso de Mello não compareceu. O empate favoreceu o reclamante.

Com o frágil placar de 2 a 2, o supremo colegiado enviou para o beleléu uma sentença que atravessara três instâncias: a Justiça Federal, o TRF-4 e o STJ.

Ajeita-se o palco para que Gilmar devolva à Segundona o pedido de suspeição de Moro no caso do tríplex. O ministro aguarda pela melhor oportunidade desde dezembro de 2018, quando pediu vista dos autos. Lula alega que, ao aceitar o cargo de ministro de Bolsonaro, Moro escancarou sua "parcialidade política."

Ao transferir-se da 13ª Vara de Curitiba para a Esplanada, Moro ofereceu material para o sapateado da defesa de Lula. Mas a tolice de trocar 22 anos de magistratura por um ano e quatro meses de subordinação a um presidente precário não anula os achados que levaram Lula à cadeia.

A condenação do tríplex já não diz respeito a Moro. Foi confirmada na segunda instância (TRF-4) e reiterada no terceiro grau (STJ). Os desafetos do ex-juiz costumam alegar que o TRF-4 especializou-se em dizer amém para as decisões de Moro. Bobagem. O tribunal de segunda instância da Lava Jato reformou várias decisões de Moro. Abrandou e elevou penas. Absolveu condenados.

No dia 26, os três magistrados que integram a Oitava Turma do TRF-4 absolveram por unanimidade Paulo Ferreira.

No pedido de suspeição referente ao caso do tríplex, antes que Gilmar Mendes interrompesse o julgamento, Fachin e Cármen Lúcia votaram contra a anulação pleiteada por Lula. Gilmar e Lewandowski devem votar, uma vez mais, a favor da lâmina. Se Celso de Mello, de licença médica, estiver ausente, o empate favorecerá Lula.

No expurgo da delação de Palocci, Moro perdeu uma mão. No cancelamento do veredicto do doleiro do Banestado, tiraram-lhe um pé. Se confirmada, a anulação do veredicto do tríplex apartará a cabeça de Moro do pescoço.

Os algozes do ex-juiz ainda não se deram conta de que presenteiam Moro com o papel de vítima. Até aqui, Moro dedicou-se a atirar contra o próprio pé. Aos pouquinhos, vai ganhando um alvo: os adversários do combate à corrupção.

Para lavar a ficha suja que o separa dos palanques, Lula terá de guerrear pela anulação de outra sentença já referendada em segunda instância: a do sítio de Atibaia.

Bolsonaro chegará a 2022 carregando a bola de ferro dos negócios familiares e cavalgando o centrão, um aglomerado partidário 100% feito de suspeitos, culpados e cúmplices.

Num cenário assim, um ex-juiz ensanguentado e sem cabeça pode ser um candidato inusitado na sucessão. Na pior hipótese, Moro aproveitará a campanha para recompor sua biografia. Na melhor, entrará na briga pela simpatia dos admiradores da Lava Jato.

No final do ano passado, o Datafolha constatou que 81% dos brasileiros consideravam que a operação deveria continuar. A conversão dos líderes do centrão em heróis da resistência e a anulação de sentenças leva melado para o moinho do projeto Moro-2022.

Absolvição de Pirro

Deltan Dallagnol obteve no Conselho Nacional do Ministério Público uma vitória de Pirro. O colegiado decidiu arquivar a reclamação de Lula contra o chefe da Lava Jato de Curitiba no célebre caso do Powerpoint. Entretanto, oito dos 11 conselheiros presentes declararam que o procurador merecia uma punição. Abstiveram-se de abrir contra ele um processo administrativo-disciplinar por considerar que a ação prescreveu.

Mal comparando, Deltan ficou numa posição muito parecida com a do rei Pirro, personagem que obteve um triunfo com gosto de derrota ao prevalecer sobre os romanos na célebre batalha de Ásculo. Pirro amargou tantas baixas em seu Exército que passou à história como autor da seguinte frase: Outra vitória como esta será a minha ruína!

A diferença entre Deltan e Pirro é que o procurador enfrentará nova batalha no CNMP. Tornou-se, por assim dizer, uma derrota esperando na fila para acontecer. Há outras duas representações contra Deltan. Foram retiradas da pauta por decisão do Supremo Tribunal Federal. Quando puder se pronunciar, o conselho deve punir o chefe da força-tarefa de Curitiba, disseram dois conselheiros à coluna.

Na ação mais encrespada, a senadora Kátia Abreu pede que Deltan seja afastado do comando da força-tarefa de Curitiba em nome do interesse público. Sustenta que ele usou o cargo para se promover, lucrando com palestras. Menciona também a tentativa da força-tarefa de Curitiba de abrir uma fundação privada anticorrupção com R$ 2,5 bilhões provenientes de uma punição aplicada pelo governo dos Estados Unidos contra a Petrobras.

Em relação às palestras, embora tenham gerado controvérsia, o CNMP já decidiu que elas são legais. Quanto à fundação —endossada por 13 procuradores de Curitiba— a então procuradora-geral da República Raquel Dodge contestou o acordo junto ao Supremo. A fundação foi desfeita. E a verba recuperada foi redirecionada para cobrir despesas da União.

A despeito disso, informaram os conselheiros que conversaram com a coluna, o risco de afastamento de Deltan é real. A perspectiva de punição ficou evidente durante a sessão que o CNMP realizou no dia 25.

Lula no ataque

O ex-presidente Lula  chamou de “vergonha” a decisão do CNMP. A queixa foi protocolada em 2016, mas o julgamento do caso foi adiado dezenas de vezes.

A ação de Lula trata de uma coletiva de imprensa dada por Dallagnol em 14 de setembro de 2016. Na ocasião, o procurador usou a plataforma PowerPoint para acusar o petista de liderar um esquema criminoso na empresa Petrobras. Para Lula, houve abuso de poder na forma como as acusações foram feitas.

“Hoje percebi como um Conselho que foi criado enquanto eu era presidente, acreditando que poderia moralizar a Justiça, terminou por desmoralizá-la”, escreveu Lula, referindo-se à Emenda Constitucional 45, de 2004, do Congresso Nacional. “A decisão do CNMP, que sabe que Dallagnol é culpado, embora não tenha tido coragem de inocentá-lo, será uma página que ficará para a história como vergonha para o Ministério Público.”

Decisão do CNMP reforça ação no STF, diz defesa

O advogado do ex-presidente, Cristiano Zanin, afirmou que a decisão do CNMP reforça o teor de uma ação movida no Supremo Tribunal Federal, contra os procuradores da Operação Lava Jato.

Para o advogado, apesar de os conselheiros não terem acatado o pedido de Lula, eles reconheceram que havia fundamentos para a abertura de um processo contra Dallagnol, e só não deram seguimento ao procedimento porque o caso prescreveu. Portanto, as alegações dadas na sessão podem servir para aumentar a munição da ação no STF.

“O Conselho reconheceu, e por isso aplicou votos nesse sentido, que houve uso político da estrutura do Ministério Público. Então, é um cenário que, ao meu ver, acaba por reforçar tudo o que nós estamos dizendo na defesa do ex-presidente Lula ao longo do tempo, e também reforça a suspeição dos procuradores da Lava Jato de Curitiba, nos processos relativos a Lula. Essa suspeição também está em discussão no Supremo Tribunal Federal, por meio de um habeas corpus que nós protocolamos no ano passado, e que poderá ser julgado a qualquer momento”, disse o advogado.

CNMP reforça tese de que Lava Jato age politicamente

Após aprovar o arquivamento da ação sobre o Powerpoint, o conselho decidiu levar a voto um segundo pedido formulado pela defesa de Lula. Seis dos 11 membros que compõem atualmente o CNMP proibiram os procuradores da Lava Jato de "utilizar instalações, equipamentos e recursos do MP para fins de divulgação de atividades políticas ou político-partidárias."

Na prática, a maioria do CNMP deu razão à tese petista segundo a qual a força-tarefa se move politicamente. Estima-se que pelo menos esses seis conselheiros estão decididos a levar o escalpo de Deltan à bandeja. Deixaram isso claro ao enxergar um viés político que o Judiciário não viu quando condenou a grossa maioria dos denunciados pela Procuradoria na maior operação anticorrupção já realizada no país.

A situação de Deltan é reveladora do ponto a que chegou a Lava Jato. No momento, torcem para que a cabeça do chefe da força-tarefa de Curitiba seja apartada do pescoço personagens como Jair Bolsonaro, o procurador-geral Augusto Aras; os parlamentares enrolados do centrão, os encrencados do petismo; o tucanato; os advogados da oligarquia empresarial pilhada com a mão na cumbuca da Petrobras; e as togas que integram a ala anti-Lava Jato do Supremo Tribunal Federal. Contra um exército tão eclético, não há Pirro que resista.

15 anos depois, Genoino e Delúbio também são inocentados no caso “mensalão”

A 3ª turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF 1), em Brasília, inocentou o ex-presidente do PT, José Genoino e o ex-tesoureiro do partido, Delúbio Soares dos crimes de falsidade ideológica na ação penal relativa ao chamado Mensalão.

A sentença foi proferida no último dia 18, quinze anos do início do processo, que é um desdobramento do caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Ambos haviam sido acusados de simular empréstimo junto ao Banco de Minas Gerais (BMG). A outra denúncia, a de gestão temerária, também foi rejeitada. Os réus foram condenados em 2012 pela juíza Camila Franco Velano, da 4ª Vara Federal de Minas Gerais, a quatro anos de reclusão.

Em mais um recurso ajuizado pela defesa de Genoino, o TRF-1 finalmente reconheceu inocência dos petistas.

“A Terceira Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração e, de ofício, decretou a extinção da punibilidade de José Genoino Neto, Delúbio Soares de Castro, Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de Mello Paz, pelo crime tipificado no art. 299 do Código Penal, com fulcro nos artigos 107, IV, 109, V, 110 caput e § 1º, todos do Código Penal, combinado com o artigo 61 do Código de Processo Penal, ficando prejudicados os recursos especiais e extraordinários interpostos por esses réus, nos termos do voto do relator”, diz trecho do acórdão.


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