20/04/2024 - Edição 540

Poder

Em campanha, Bolsonaro prioriza redutos do PT

Publicado em 21/08/2020 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Em ritmo de campanha, Jair Bolsonaro passou a tratar o Nordeste como uma extensão dos jardins do Alvorada. Entre os dias 31 de julho e 17 de agosto, ele visitou a região três vezes. Foi à Bahia, Piauí e Sergipe. Esteve também uma vez na região Norte, no Pará.

Nesta sexta (21), Bolsonaro deve voar para o Rio Grande do Norte. Assim, no curto intervalo de 22 dias, o capitão terá desfilado suas pretensões reeleitorais cinco vezes aos eleitores das duas regiões mais petistas do país. As incursões coincidem com a alta da popularidade de Bolsonaro.

Deve-se a melhoria dos índices de Bolsonaro nas pesquisas sobretudo ao vale corona de R$ 600 que o governo paga desde abril aos brasileiros que enfrentam a pandemia em situação de vulnerabilidade. O presidente associa o socorro emergencial a uma agenda de inaugurações de obras e proselitismo político.

Entregou uma usina termoelétrica na cidade de Barra dos Coqueiros (SE). Inaugurou um sistema de abastecimento de água em Campo Alegre de Lourdes (BA). Visitou o Parque Nacional da Serra da Capivara (PI). Entregou a primeira parte da obra de modernização do porto de Belém (PA). Entregará títulos de legalização de terras no Vale do Açu (RN). Visitará obras hídricas.

Na campanha presidencial de 2018, Bolsonaro jurou que não disputaria um segundo mandato. Depois da posse reafirmou que a reeleição tem sido "péssima" para o país, pois os governantes "se endividam, fazem barbaridade, dão cambalhota" para se reeleger. Mas se absteve de pegar em lanças pelo fim da reeleição.

Bolsonaro alega que não cabe a ele, mas ao Congresso promover uma reforma que apague a reeleição do ordenamento jurídico. Político que não ambiciona o Poder vira alvo. Mas político que só ambiciona o Poder arrisca-se a errar o alvo. Sobretudo quando não percebe que a única ambição verdadeiramente útil na antessala de uma crise econômica é a ambição de trabalhar

A subida no índice de popularidade de Jair Bolsonaro, captada pelo Datafolha, fez duas vítimas. A primeira foi a agenda liberal do ministro Paulo Guedes, que está definitivamente ameaçada pelos pendores populistas do presidente. A segunda vítima é o PT. Eleito graças ao impulso que recebeu do antipetismo, maior força eleitoral de 2018, Bolsonaro realiza uma incursão inédita pelo universo político do PT. Cavalgando o corona vírus de R$ 600, o presidente invade a última cidadela do petismo: os bolsões de pobreza situados nas regiões Norte e Nordeste e nas periferias das grandes cidades.

O índice de aprovação do presidente subiu cinco pontos em dois meses: foi de 32% para 37%. A taxa de reprovação despencou dez pontos: de 44% para 34%. Até onde a vista alcança, duas novidades tiveram influência: entre os eleitores mais abonados, a moderação de Bolsonaro, adotada a partir da prisão de Fabrício Queiroz, em 18 de junho; entre os mais pobres, que compõem a maioria, pesou o bolso, fornido com o coronavírus.

Está entendido que o governo não dispõe de caixa para manter o benefício de R$ 600. O custo é de R$ 50 bilhões mensais. Mas a criação do Renda Brasil, irmão mais gordo do Bolsa Família, tornou-se incontornável para Bolsonaro. De resto, o presidente está obcecado pela ideia de colocar em pé o programa de obras Pró-Brasil, primo pobre do petista Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC. Como já declarou o primogênito Flávio Bolsonaro, Guedes terá que "arrumar um dinheirinho" se quiser permanecer no governo.

A movimentação de Bolsonaro reforça a ideia de que, em política, nada se perde e nada se transforma —tudo se adapta. Em maio de 2012, Bolsonaro se referiu à clientela do Bolsa Família como "voto de cabresto do governo" petista. Em outubro de 2014, ele tachou o programa de criminoso. Declarou: "Você vê meninas no Nordeste… bate a mão na barriga, grávida, e fala o seguinte: […] Esse aqui vai ser uma geladeira, esse aqui vai ser uma máquina de lavar." Agora, Bolsonaro saboreia a perspectiva de conduzir o "cabresto" que condenava nos adversários.

Hegemonia do PT e cláusula de barreira são empecilhos para unificar a esquerda

“Não há unidade entre a esquerda. Cada um está cuidando da sua própria vida.” O diagnóstico feito pelo presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Carlos Siqueira, é uma síntese da frustrada tentativa de seis legendas de se integrarem e unificarem os discursos anti-Jair Bolsonaro nas eleições municipais deste ano. Há cerca de três meses, esse grupo que tem feito um trabalho quase uníssono no Congresso Nacional como oposição ao presidente intensificou as conversas para dividirem os palanques nas 92 maiores cidades brasileiras, que é onde há a possibilidade de haver segundo turno. Nacionalmente, as negociações foram encerradas há duas semanas. “Temos convergências de pensamentos, mas na hora da disputa eleitoral, encontramos dificuldade nessa unidade”, avalia a presidenta do PCdoB, Luciana Santos.

Entre as razões estão a falta de interesse do Partido dos Trabalhadores em abrir mão de sua hegemonia na oposição, disputas políticas internas em cada município e a preocupação dos partidos menores em ter uma base de sustentação para 2022, quando a cláusula de barreira, mecanismo que traça uma quantidade mínima de votos para continuar existindo como legenda, será elevada. As conversas estavam sendo feitas por dirigentes de PT, PSB, PDT, PCdoB, PSOL e REDE.

Estimulado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o principal antagonista de Jair Bolsonaro, o PT decidiu que precisa ter o máximo de candidaturas possíveis para poder se defender. “O PT precisa ter voz. Falar de seu legado, das experiências que já teve nas gestões municipais, se defender dos ataques”, diz a presidente da legenda, a deputada federal Gleisi Hoffmann. Nesta eleição, deverá lançar candidatos em 1.531 dos 5.570 municípios brasileiros. Juntas, essas cidades representam 60% da população nacional. Em 2016, último pleito municipal, foram 993 cabeças de chapa. “O grande problema do PT é a cultura hegemônica dele. O PT só pensa em seus candidatos”, reclamou o presidente do PDT, Carlos Lupi.

Entre as 26 capitais onde as prefeituras estarão em disputa, já há pré-candidaturas petistas encaminhadas em 23 delas. Há dúvidas sobre o pleito em São Luís, capital do Estado comandado por Flavio Dino (PCdoB). E em apenas duas capitais o partido concordou em se aliar a outros grupos: Belém com Edmilson Rodrigues (PSOL) e Porto Alegre com Manuela D'Ávila (PCdoB), que foi vice na chapa presidencial do partido em 2018.

Três casos locais servem para exemplificar as tentativas frustradas de união. Em Recife, os diretórios estadual e municipal da legenda decidiram se aliar com o PSB, que lançou a pré-candidatura de João Campos. Mas a direção nacional interveio e determinou que o nome deveria ser o de Marília Arraes, prima em segundo grau de Campos e que disputa com ele o legado familiar deixado pelos ex-governadores Miguel Arraes e Eduardo Campos. No Rio de Janeiro, os petistas estavam inclinados a se juntar à candidatura de Marcelo Freixo (PSOL). Quando este desistiu de disputar por não se sentir seguro com a almejada unidade da esquerda, três outras legendas seguiram unidas (REDE, PSB e PDT), mas o PT lançou Benedita da Silva, ainda sem apoio externo. E em São Paulo, os petistas lançaram Jilmar Tatto, apesar de parte da base defender o apoio a Guilherme Boulos (PSOL) ou a Orlando Silva (PCdoB). Em entrevista ao site EL PAÍS, Tatto avaliou como natural a escolha do partido e disse que o primeiro turno serve justamente para apresentar propostas, não impedindo união no teste das urnas final.

Nem mesmo em um dos casos “bem-sucedidos” de união citado por Gleisi, ela se concretizou com toda a esquerda. Em Porto Alegre, o PSOL anunciou a pré-candidatura de Fernanda Melchiona e o PDT, a de Juliana Brizola. A REDE ainda avalia qual dessas duas últimas apoiará. “Desde 2013 as forças de direita tentam fazer a desconstrução do PT, de preferência a anulação do partido. Numa frente, é mais difícil fazer a defesa individualizada”, diz Gleisi ao explicar o motivo pelo qual não deu sequência às conversas para a formação de uma frente de esquerda. Ela reclama diretamente do processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, o chamando de golpe, e da prisão de Lula, que trata como uma detenção política.

“No fim, acaba sendo aquela velha máxima. Nos momentos decisivos para o país, o PT ficou sempre na contramão da história”, diz Siqueira, do PSB. Ele cita os posicionamentos contrários dos petistas à Constituinte de 1988, ao governo de integração promovido por Itamar Franco, em 1992, e à aprovação do Plano Real, em 1994. “Não cobramos nada do PT, gostaríamos que entendessem da gravidade do momento e unificasse a esquerda”, queixou-se Siqueira.

Sobre as críticas de que o PT prefere manter essa característica hegemônica a defender a bandeira de toda esquerda, Gleisi diz que as alianças encaminhadas nas duas capitais (Porto Alegre e Belém) demonstram que o partido estaria aberto ao diálogo. E cita ainda a necessidade de todas as legendas se reforçarem em 2020 para colher os frutos em 2022. “É a oportunidade de reafirmar a sua legenda, de proteger-se. Não é o nosso caso, mas têm partidos que podem sumir, caso não superem a cláusula de barreira”.

Na prática, esse mecanismo deverá reduzir a quantidade de partidos políticos porque: 1 – só terá acesso ao fundo partidário e ao tempo de TV as siglas que receberem 2% dos votos válidos nacionalmente para deputado federal em um terço das unidades da federação, sendo um mínimo de 1% em cada uma delas; ou 2 – tiverem elegido ao menos 11 deputados federais distribuídos em nove unidades. “Com a proibição das coligações para vereadores e a elevada cláusula de barreira é natural que os partidos tenham suas candidaturas para afirmar seu lugar político, sua identidade e a defender a sua sobrevivência”, avaliou a comunista Luciana Santos.

Repetição de 2018

Sem essa integração, há quem entenda que o PT insistirá na polarização contra bolsonaristas como uma antessala de 2022. E o resultado pode ser que, em duas ou três eleições seguidas, o cidadão acabe tendo de escolher mais por exclusão do que por adesão a determinada ideia ou plataforma política. “A polarização para o PT é muito boa. Bolsonaro e PT são um melhor amigo do outro do ponto de vista de manter o status quo”, diz o cientista político Leandro Consentino, professor do Insper. “Tanto o PT quanto Bolsonaro enxergam um no outro o inimigo capaz de aglutinar suas hostes”, acrescenta o cientista político Valdir Pucci, doutor pela Universidade de Brasília.

O porta-voz nacional da Rede, Pedro Ivo Batista, diz que o ideal era haver uma união entre os partidos progressista já em um primeiro turno. Mas, como as características de eleições municipais são distintas das nacionais, quando os temas macros ficam em evidência, dificilmente isso ocorrerá na grande maioria das cidades. “O Brasil nunca teve um governo neofascista como esse. O ideal era unir mais para poder evitar esse perigo de forças totalitárias. Corremos o risco de perdermos a eleição agora como perdemos em 2018”, disse Batista.

Presidente do PSOL, Juliano Medeiros, discorda da tese de que neste ano haverá uma prévia de 2022. Entende que servirá como um termômetro, indicará tendências. “O fortalecimento da oposição e um enfraquecimento eleitoral do bolsonarismo, por exemplo, não garantem a derrota da extrema direita em 2022, mas aponta um cenário mais favorável para as forças populares”, analisa. Dos seis dirigentes partidários consultados pela reportagem, apenas ele contemporizou a divisão na esquerda. Disse, por exemplo, que é papel do PT tentar manter sua hegemonia e das demais siglas progressistas de buscarem seus espaços, desde que se mantenha o diálogo respeitoso. Disse ainda que a ideia de frente ampla tem crescido aos poucos, já que não pode ser imposta de cima para baixo.

A expectativa entre os representantes desse campo político é que a frustrada unificação no primeiro turno seja possível ocorrer na segunda etapa da eleição. Resta saber o que ainda estará em disputa.

Lula afirma que é possível o PT não ter candidato à presidência em 2022

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou na quinta-feira (20), em entrevista ao canal da TV Democracia, pela internet, considerar “plenamente possível que o PT não tenha candidato à Presidência” em 2022.

O comentário surgiu após Lula ser perguntado sobre a situação da Argentina, na qual a ex-presidente Cristina Kirchner aceitou ser vice na chapa de Alberto Fernández e venceu as eleições.

“É plenamente possível que o PT não tenha candidato à Presidência. O PT pode ter candidato a vice. O PT pode ser candidato a outra coisa. Isso é plenamente possível”, afirmou.

Mas Lula também disse que o PT é “o maior partido de esquerda da América Latina”.

“É preciso ter um candidato (de esquerda) que tenha habilidade de tratar os partidos com o respeito que os partidos merecem. Não adianta querer brigar com o PT. Não podem querer que o PT abra mão dessa grandeza que o povo lhe deu (nas urnas) a troco de nada. Ou apresenta um candidato maior do que o PT ou não tem chance. As pessoas falam: ‘Olha, eu tenho uma pesquisa que mostra que no segundo turno tem (candidato com) mais voto que o Lula’. Ok, mas, para passar para o segundo turno, tem que passar antes pelo primeiro”, disse Lula.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *