27/04/2024 - Edição 540

Poder

Uma nova aliança contra o gasto social?

Publicado em 21/08/2020 12:00 -

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Depois da derrota de Paulo Guedes no Senado, Jair Bolsonaro acionou não apenas líderes do Centrão mas também Rodrigo Maia para tentar mudar o jogo na Câmara e manter o veto do reajuste a servidores públicos. “Eu não posso governar um país se esse veto não for mantido na Câmara… É impossível governar o Brasil, impossível. É responsabilidade de todo mundo ajudar o Brasil a sair do buraco”, reclamou com apoiadores, na saída do Palácio da Alvorada.

Uma reunião com o presidente da Câmara e as lideranças do Centrão foi marcada para às 11h de quinta (20). Arthur Lira (líder do PP) e Elmar Nascimento (do DEM) se comprometeram a orientar suas bancadas a manter o veto.  Um dos principais pontos de atrito era a bancada da bala: deputados ligados à segurança pública tentaram costurar um acordo para adiar a votação e alterar o projeto, mas isso não aconteceu – Rodrigo Maia convergia muito claramente com o governo nessa matéria.

A equipe econômica afirmou que, derrubado o veto, 70% dos servidores de estados e municípios e 60% dos federais poderiam receber reajustes. Há certo apelo popular em congelar esses salários. A partir de dados do IBGE, a Folha indica que durante a pandemia o setor público registrou aumento de 708 mil vagas, enquanto nove milhões de pessoas no setor privado perderam o emprego – fora os contratos suspensos. Além disso, o rendimento médio dos trabalhadores do setor privado caiu 0,5% e chegou a R$ 2.137, já incluído o auxílio do governo, enquanto no setor público ele subiu 1,5%, alcançando R$ 3.776.

No Twitter, teve milhares de compartilhamentos a hashtag “#traidor”, referindo-se aos senadores que apoiaram o reajuste. O governo, de sua parte, ameaçou punir os “traidores”: seu vice-líder no Senado, Izalci Lucas (PSDB-DF) deve perder o cargo nos próximos dias após ter votado pela derrubada do veto. Outros podem perder cargos e a liberação de emendas parlamentares.

Além do mais, interlocutores do governo disseram que, se os reajustes fossem mantidos nos próximos 18 meses, a prorrogação do auxílio emergencial poderia ser revista. E tal desgaste poderia entrar na conta dos parlamentares. “Essa decisão é muito importante hoje porque o presidente vai eventualmente anunciar uma prorrogação do auxílio emergencial, e esse impacto pode e vai certamente mudar a possibilidade dos valores e do prazo que esse auxílio vai ser prorrogado”, disse o novo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) – que, segundo o Estadão, também trabalhou pelo veto nos bastidores, num “primeiro teste de sua atuação“. Seu bom trânsito com Rodrigo Maia marca uma baita difrença em relação ao antigo líder, Major Vitor Hugo (PSL-GO). 

O empenho do governo gerou resultados: por 316 votos a favor e 165 votos contra, a proibição dos reajustes foi mantida. Um êxito folgado, já que eram necessários 257 votos de deputados para derrubar o ato de Bolsonaro. “Com dezenas de telefonemas, militância virtual, reuniões e pedidos para que deputados estivessem presentes na votação, o Executivo conseguiu sua primeira vitória expressiva neste ano”, resumem os repórteres Natália Portinari e Bruno Góes, no Globo. Segundo líderes ouvidos pelo jornal, o Centrão precisava retribuir as concessões feitas desde que começou seu namoro com o governo Bolsonaro.

Não tem mais

Paulo Guedes disse que era “crime” dirigir aos servidores recursos que deveriam ser gastos na pandemia, mas na verdade o dinheiro já liberado para a saúde está se perdendo no caminho. O governo federal deixou de gastar, no combate à covid-19, R$ 12,9 bilhões que haviam sido liberados por medidas provisórias, porque o prazo de 120 dias expirou sem que elas tivessem sido convertidas em lei.

Esse dinheiro não pode mais ser usado. E o total de verbas desperdiçadas pode crescer ainda mais: outras duas MPs que vencem em setembro (a 967 e a 969) ainda têm gastos não empenhados de R$ 7,7 bilhões no total. Os dados são do boletim semanal do Conselho Nacional de Saúde. “Estamos em uma situação emergencial. Não tem explicação para a demora em gastar”, diz  Francisco Funcia, da comissão de orçamento e financiamento do CNS, à colunista Monica Bergamo, da Folha

O boletim revela ainda que a pasta tem R$ 41,2 bilhões para gastar com a pandemia, mas 33,4% estão parados.

Por que a vitória do governo na Câmara não sinaliza apoio à agenda de Paulo Guedes

A vitória na Câmara após derrota no Senado, no entanto, não sinaliza apoio à agenda do ministro da Economia. Deputados e, principalmente, senadores que costumam votar seguindo orientação do presidente Jair Bolsonaro enviaram um recado ao governo de que esperam o cumprimento de compromissos de olho nas eleições deste ano e de 2022.

No Senado, a rusga é ainda maior por causa da declaração do ministro após a derrubada do veto. Surpreendido com o resultado da votação, Paulo Guedes disparou contra os senadores. Disse que eles cometiam “um crime contra o País” e que era “um péssimo sinal”. “O Senado deu um sinal muito ruim permitindo que os recursos que foram para a crise da saúde possam se transformar em aumento de salário”, afirmou o ministro.

As falas fizeram com que os senadores articulassem um requerimento para chamar o ministro a dar explicações. Autor do requerimento, o líder do PP, senador Esperidão Amin (SC), quer também que Guedes detalhe a conta de que o reajuste poderia causar um rombo de até R$ 120 bilhões no orçamento do governo.

O embate com os senadores só piora a situação do ministro, que está em um de seus momentos mais frágeis no governo. As principais promessas de campanha de Bolsonaro para a economia vêm enfrentando resistências dentro do próprio governo. O Ministério da Economia não conseguiu enviar reformas robustas ao governo e nem mesmo tirar do papel o cronograma de privatizações. Esses impasses culminaram na semana passada na saída de dois secretários da pasta.

Esses dois integrantes se somam a outros cinco que ao longo desses 18 meses de governo se frustaram por não conseguir tocar seus projetos e deixaram a pasta. Neste cenário, a briga com o Senado significa mais uma barreira para a aprovação dessas propostas. Além de as medidas serem impopulares, como a reforma administrativa que mexe na carreira do servidor, elas precisam de apoio dos parlamentares para serem implementadas.

A curto prazo, o ministro depende do Senado para aprovar propostas como as de emenda à Constituição do pacto federativo e a dos gatilhos. As duas são consideradas pela equipe econômicas essenciais para aliviar as contas públicas. A PEC dos gatilhos, por exemplo, permite que o governo acione alguns mecanismos, caso não consiga cumprir a “regra de ouro”. Essa regra o proíbe de fazer dívida para pagar despesas correntes, como salários e aposentadorias. E a PEC permite abrir espaço no orçamento.

Para se ter uma ideia da dimensão, nessa época do ano passado, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia estimou que o orçamento deste ano teria capacidade para investimento (o que “sobra” além do gasto obrigatório) de R$ 35 bilhões. Já essa PEC, segundo estudo do IFI (Instituto Fiscal Independente), tem potencial para abrir um espaço de R$ 40 bilhões no orçamento em 2021 e 2022.

A expectativa é que essa proposta seja fundida à do pacto federativo e outras sugestões do governo. Há ainda a PEC dos Fundos Públicos e a que prevê a extinção de fundos. À Reuters, o líder do governo do Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), admite esse novo texto poderá “oferecer resistência política tendo em vista a proximidade da eleição”.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, por exemplo, não tem feitos esforços para acelerar a tramitação das propostas da agenda econômica. Em março, o ministro enviou um ofício ao presidente da Casa pedindo agilidade, mas os projetos estão com a tramitação praticamente congelada.

Ciente da dificuldade no Congresso, o próprio líder do governo também reconhece a possibilidade de o Executivo enviar a medida impopular acompanhada de um texto que agrade os colegas. Ainda à Reuters, ele ponderou que “o gatilho poderá estar casado com o programa denominado Renda Brasil, que é o programa de solidariedade social que vai representar um grande avanço em relação ao Bolsa Família”.

Parlamentares que estão de olho nas eleições apostam no Renda Brasil tanto pela popularidade de Bolsonaro, que poderia transferir votos, quanto pela possibilidade de reivindicar a paternidade ― à espera de um efeito semelhante ao que o Bolsa Família atrelou ao PT. Eles também contam que o governo cumprirá a promessa de investir em obras. Essas ideia que acenam positivamente aos políticos desagradam o ministro da Economia, por criar novas contas, em um momento em que ele busca onde cortar gastos.

Além do Congresso, onde existem iniciativas de vários parlamentares no sentido de estender o estado de calamidade ou flexibilizar metas fiscais, a pressão vem de integrantes do governo federal. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, chegou a enviar consulta ao TCU (Tribunal de Contas da União) sobre a possibilidade de usar créditos extraordinários para financiar obras.

Ele desistiu da consulta, mas não abandonou o discurso de usar esses empreendimentos para impulsionar a retomada da economia no pós-pandemia. A ideia tem sido abafada, mas nos bastidores a informação é que há uma busca por espaço no orçamento para financiar essas propostas.

A votação dos vetos

Apesar da vertente que caminha em sentido oposto à do ministro Paulo Guedes, a agenda econômica reconquistou um aliado: Rodrigo Maia. O presidente da Câmara foi um dos principais articuladores da votação que manteve o veto ao reajuste de servidores.

Os que defendiam a derrubada do veto argumentavam que o texto impede que estados e municípios concedam qualquer tipo de reajuste ou rerratificação aos servidores que estão na linha de frente do combate ao coronavírus.

Líder do PSB na Casa, o deputado Alessandro Molon (RJ) enfatizou que derrubar o veto não significa imediatamente conceder aumento. “Quem votar a favor do veto estará votando contra qualquer gratificação para profissional de saúde que está lá no front para socorrer sua família e a todos nós”, disse.

Rodrigo Maia, que liderou uma série de reuniões ao longo do dia junto com caciques do Centrão, reconheceu a justificativa do colega, mas afirmou que votar contra o veto significa falta de compromisso com as contas públicas e com o funcionamento da máquina.

“Estamos trabalhando para que a gente consiga na tarde de hoje manter o veto. Não tem nada contra o servidor”, disse. “Não dá para que o setor público não dê sua contribuição”, pontuou.

Após a votação, Maia enalteceu os colegas e minimizou a articulação liderada pelo Planalto. “Não tirando a importância do governo, mas foram os líderes da Câmara que construíram a solução”, disse.

No Senado, o argumento de aliados de Bolsonaro para votar contra indicação do presidente foi semelhante ao de Molon. Além dos profissionais de saúde, o dispositivo previa possibilidade de aumento para outras categorias como professores e policiais. São classes que compõem a base de senadores como Izalci Lucas (PSDB-DF), vice-líder do governo, e Major Olímpio (PSL-SL), que já foi um dos principais soldados do presidente.

“Em todos os países do mundo quem está na guerra é condecorado. Nós estamos tirando [direitos]”, disse Major Olimpio.


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