29/03/2024 - Edição 540

Poder

Steve Bannon se soma à galeria de presidiários de estimação da família Bolsonaro

Publicado em 21/08/2020 12:00 -

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Durante a campanha eleitoral, Trump prometeu que construiria um “muro gigante e lindo” para proteger os americanos dos imigrantes mexicanos. Mais que isso: prometeu que os americanos não gastariam um tostão e, sabe se lá como, faria o governo mexicano pagar por cada centavo da construção. Claro que nada disso aconteceu. O governo mexicano não vai pagar nada, e Trump não conseguiu apoio do Congresso americano para a construção desse monumento ao fascismo.

Foi aí que os extremistas de direita resolveram organizar uma vaquinha online para levantar grana para a construção do muro. Steve Bannon, o guru da extrema direita internacional, ex-conselheiro e ex-estrategista chefe da Casa Branca, juntou-se ao veterano da Força Aérea Brian Kolfage para criar a campanha de doações. A ideia soou genial para os apoiadores mais fanáticos de Trump. Batizada de “We Build The Wall” (Nós construímos o muro), os alt-right abraçaram a campanha e conseguiram juntar 25 milhões de dólares, o equivalente a R$ 124 milhões. O muro foi orçado em 5 bilhões de dólares, um valor que seria inatingível, mas parece que havia outros interesses além do muro.

Eis que ambos foram presos nesta sexta-feira, 20 de agosto, após uma investigação do Departamento de Justiça dos EUA. Steve Bannon teria surrupiado mais de 1 milhão de dólares em doação para bancar despesas pessoais. Já Kolgafe roubou da vaquinha mais de 350 mil dólares. Bannon e seu colega semearam o ódio entre os americanos e conseguiram fazer uma bela colheita para a suas contas bancárias. Milhares de americanos, aterrorizados pela campanha massiva de fake news contra imigrantes, idealizada por Bannon, encheram o chapéu dos picaretas de dinheiro.

Steve Bannon sempre foi conhecido pela delinquência. Os motivos que o levaram à prisão não espantam, já que faturar com ódio é uma especialidade sua. Ele é o idealizador do Breitbart News, um site de notícias com viés de extrema direita especializado em fabricar mentiras. Antes de virar o braço direito de Trump, ele ajudou a pavimentar o caminho da sua eleição.

O Breitbart foi o site responsável por viralizar o que ficou conhecido como Pizzagate – uma fake news que afirmava categoricamente que Hillary Clinton, então adversária de Trump, comandava uma rede de pedofilia que costumava praticar orgias com crianças nos fundos de uma pizzaria em Washington. Essa foi a trajetória de Bannon até virar um dos principais estrategistas do presidente dos EUA.

O americano também está por trás de outra conhecida malandragem: a Cambridge Analytica, a consultora de análise de dados fundada por ele e que contribuiu para a campanha de Trump, violando a privacidade de milhões de usuários do Facebook e criando mecanismos para influenciar seus votos. É esse o nível da delinquência que o guru da extrema direita americana exportou para o Brasil e para o resto do mundo. É uma turma que está disposta a tudo, até atuar à margem da lei, para difundir sua ideologia doentia e, de quebra, faturar uma grana. Bannon é o homem que forneceu o know-how para o bolsonaristas fabricarem as suas próprias mamadeiras de piroca.

Depois que brigou com Trump, Bannon pôde se dedicar ainda mais à missão de difundir a sua seita de extrema direita. O ultranacionalista católico acredita estar à frente de uma delirante luta em defesa da cultura judaico-cristão no Ocidente. Fundou até uma escola para políticos aprenderem a resgatar os “‘valores cristãos originários’.

A família Bolsonaro foi adotada para representar as ideias de Bannon na América do Sul. Em entrevista à Folha, Bannon culpou o “marxismo cultural” pela investigação da rachadinha de Flávio Bolsonaro – e certamente lançará mão do mesmo delírio para justificar a sua prisão, pedida por aquele movimento marxista-leninista chamado Departamento de Justiça dos EUA.

Eduardo Bolsonaro, o filho mais americanizado do presidente, virou o pupilo de Bannon no Brasil. Ele foi nomeado pelo americano como líder do The Movement na América Latina, o movimento ultraconservador dedicado a espalhar ódio contra minorias e pavimentar o caminho para derrubar governos e eleger extremistas de direita pelo mundo. E aqui cabe a pergunta: Eduardo Bolsonaro recebeu algum dinheiro de Bannon para comandar ações do movimento na América Latina?

As ligações de Bannon com o bolsonarismo permanecem estreitas. Há dois meses, bolsonaristas articularam para oferecer um cargo no Itamaraty para Gerald Brant, diretor de uma empresa de investimentos em Wall Street e ligado ao guru americano. Foi Brant que organizou um evento em homenagem a Olavo de Carvalho em Wall Street em março do ano passado. Nele estiveram presentes Eduardo Bolsonaro e, claro, Steve Bannon. Os participantes do evento usavam bonés com a frase “Make Brazil Great Again”.

Bannon é o principal arquiteto da construção do sentimento antipolítica, antiestado e anticiência que tomou conta do mundo nos últimos anos. O guru e consultor internacional do bolsonarismo foi preso preventivamente suspeito de ter roubado dinheiro de americanos enfeitiçados pelo seu discurso extremista, construído na base de mentiras e no fomento ao ódio contra tudo o que se considere uma ameaça aos valores judaico-cristãos. O guru do bolsonarismo teve de pagar uma fiança de 5 milhões de dólares para sair da cadeia.

A família Bolsonaro, responsável por implantar o soft power idealizado por Bannon no Brasil, até agora não se pronunciou sobre a prisão do seu guru. É mais um bandido de estimação próximo da família Bolsonaro da qual ela fingirá ser distante. Além de Queiroz, o mais próximo da família, temos também os ex-presidiários Roberto Jefferson, Oswaldo Eustáquio e Sarah Winter — esses dois últimos contaram até com a defesa da Advocacia Geral da União. Dessa vez, o peixe é grande e mora longe. Não deu para largar o comparsas brasileiros feridos na estrada, mas o Bannon, pelo jeito, vai dar, sim.

Análise

Steve Bannon foi preso. A acusação é de ter passado a perna em doadores de uma campanha pela expansão daquele muro vergonhoso entre os Estados Unidos e o México.

Ele e três associados teriam desviado parte dos recursos arrecadados para uso pessoal. Uma espécie de "rachadinha" que não envolve dinheiro público, como sua similar brasileira, que ficou famosa pelas mãos de Fabrício Queiroz. Mas que trabalha como a mesma filosofia: se é do coletivo, é nosso.

Não à toa, Bannon é conselheiro da família Bolsonaro e uma de suas referências políticas. Contribuiu na redação do primeiro discurso do presidente brasileiro proferido na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro passado, em Nova York. O tom do texto foi tão nacionalista que o próprio Trump, que falou a seguir, pareceu moderado.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) já havia dito, em 2018, que Bannon – de quem é fã – iria ajudar na campanha de seu pai à Presidência. Com ações na internet, claro. Já, em março do ano passado, durante a turnê de Jair pela capital dos Estados Unidos, Bannon sentou-se à sua esquerda em um jantar com nomes do conservadorismo na casa do embaixador do Brasil. Do lado direito, estava Olavo de Carvalho. Mais do que um gesto de respeito aos dois, isso atestava as influências do mandato presidencial.

Não deixa de ser irônico que uma parcela dos norte-americanos que defende um muro entre o seu país e o México tenha sido roubada por aqueles que a convenceram – de forma absurda e preconceituosa – que um muro ia evitar exatamente a chegada de "ladrões".

Vamos lembrar o que o então Donald Trump disse sobre a obra antes de ser eleito: "Quando o México manda seu povo aos Estados Unidos, eles mandam pessoas que têm um monte de problemas e trazem estes problemas para nós. Eles trazem as drogas, trazem o crime, são estupradores. E alguns deles, eu confesso, são boas pessoas. Eu iria construir um muro. E ninguém mais entraria ilegalmente. Eu faria o México pagar por isso".

Esse tipo de discurso, que choca a racionalidade, era diariamente distribuído pelo Breibart News, site de desinformação e de fake news alinhado à extrema direita, editado por Bannon. Nele, o estrategista sempre buscou formas de moldar os debates na esfera pública, trazendo-os para o seu campo ideológico. Guerra cultural, como vemos também por aqui. O ecossistema do ódio nos Estados Unidos, que teve no Breibert um farol, foi laboratório para vários outros países, inclusive o nosso.

Bannon também atuou na Cambridge Analytica, empresa envolvida no escândalo do roubo de dados de milhões de usuários do Facebook, utilizados posteriormente na manipulação do debate público. Saiu de lá em 2016 para trabalhar exatamente na campanha de Trump, pautando a escolha dos temas abordados e construindo discursos usados pelo então candidato.

Era uma das pessoas mais próximas ao atual presidente, cuidando de sua estratégia política, até sua demissão em agosto de 2017. Desde então, Trump se distanciou dele – mas não de sua linha ideológica ou de suas técnicas de "convencimento".

Depois disso, Bannon criou "O Movimento", organização para promover grupos políticos nacionalistas e a extrema direita fora dos Estados Unidos. 

Hoje, discute-se o real poder de Bannon tanto na eleição de Trump quanto durante os primeiros anos de seu mandato. Há quem diga que o melhor marketing que ele fazia era de si mesmo. Mas é inegável o prestígio e, portanto, a influência que conta com grupos da alt-right americana e ultranacionalistas em todo o mundo, inclusive por aqui.

Para nós, fica mais uma vez a impressão de que as companhias da primeira-família e suas referências ideológicas não são as melhores. Sejam em Rio das Pedras, seja na terra do Tio Sam.


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