25/04/2024 - Edição 540

Poder

Movimentos negros apresentam 56° pedido de impeachment de Bolsonaro, por negligência com a pandemia

Publicado em 14/08/2020 12:00 -

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A Coalizão Negra por Direitos entra nesta quarta-feira, 12 de agosto, com um pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro por negligência durante a pandemia do coronavírus, que já matou mais de 105.000 brasileiros. É 56° pedido que chega à Câmara de Deputados, apontando crimes de responsabilidade do presidente durante a emergência sanitária, tratada com menosprezo, segundo o grupo, especialmente quando ela atinge a população negra. “As mais de 105.000 mortes por covid-19 têm cor, classe social e se dão em territórios de maioria negra”, afirma o grupo. “Os impactos sociais da pandemia, o desemprego e desamparo por parte do governo atingem sobremaneira os mais pobres. É negra a maioria que depende do auxílio emergencial do Governo para matar a fome de suas famílias e são negros os milhares que tiveram negado o acesso a esse benefício.”

São listados crimes de responsabilidade a partir de ações do presidente, como a falta de monitoramento da pandemia, ao mesmo tempo em que “instou a desobediência civil às medidas de isolamento social e outras para preservação à vida e praticando ele a quebra dos protocolos de proteção”, diz a coalizão. Desde o início da pandemia, o presidente sai sem máscara para passeios externos, e fez pouco caso dos conselhos médicos para prevenir-se da covid-19. A peça destaca a ausência de “atos necessários para a contenção da pandemia, como estabelecido nos parâmetros legais nacionais e internacionais”.

O linguajar do presidente para tratar a pandemia também é mencionado no pedido de impeachment, como evidência de que o presidente banalizou o problema e a vida dos brasileiros. “Em seus posicionamentos públicos Jair Bolsonaro constantemente desconsiderou a letalidade da pandemia: “Muito do que falam é fantasia, isso não é crise (10/3); “O que está errado é a histeria, como se fosse o fim do mundo. Uma nação como o Brasil só estará livre quando certo número de pessoas for infectado e criar anticorpos”(17/3). Também é lembrado o “E daí?”, quando o Brasil chegava a 5.000 mortes em abril, “eu não sou coveiro”, no mesmo mês, e a frase do dia 6 de agosto, na véspera da marca macabra dos 100.000 mortos, quando numa live o presidente disse “A gente lamenta todas as mortes, vamos chegar a 100.000, mas vamos tocar a vida e se safar desse problema.” “Banalizar a vida e minimizar a gravidade da pandemia, fazendo com que o Brasil seja hoje responsável por mais de 13% das mortes mundiais em decorrência de coronavírus, apesar de ser apenas 2% da população global”, diz o grupo.

A coalizão reúne centenas de organizações do movimento negro, e conta ainda com o apoio de outras 600 entidades e instituições do país no pedido de destituição do presidente. Personalidades públicas também assinam o pedido. Dos ativistas Sueli Carneiro e Douglas Belchior, ao cantor Emicida, do rapper Rappin Hood ao filósofo e advogado Silvio Almeida, além do cineasta Fernando Meirelles. Assinam, ainda, Chico Buarque, Nando Reis, e os humoristas Fabio Porchat e Antonio Tebet, entre outros.

O grupo frisa ainda arroubos golpistas como o revelado pela revista Piauí na última edição, ao contar que o presidente tinha planos de usar as Forças Armadas para intervir na autonomia do Supremo Tribunal Federal, que tramitou um pedido de solicitação de seu celular depois da reunião ministerial de 22 de abril. As imagens da reunião se tornaram públicas, depois de o ex-ministro da Justiça Sergio Moro alegar que naquele encontro o presidente sugeriu mudanças na Polícia Federal do Rio de Janeiro. O Supremo abriu um inquérito para apurar os fatos.

O novo pedido de impeachment serve como mais um instrumento de pressão sobre Bolsonaro, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já anunciou que não pretende levar adiante pedidos dessa natureza por entender que o presidente não cometeu crimes. “No caso do presidente Bolsonaro, não tenho elementos para tomar uma decisão agora sobre esse assunto”, afirmou ele em entrevista ao programa Roda Viva da semana passada. “Impeachment é uma coisa que devemos tomar muito cuidado, não pode ser instrumento para solução e crises. Tem que ter um embasamento para essa decisão e não encontro ainda nenhum embasamento legal”, concluiu.

Declarações de Bolsonaro e ministros sobre mulheres podem custar R$ 15 milhões à União

Declarações do presidente Jair Bolsonaro e de ministros de seu governo com viés “preconceituoso e discriminatório” feitas desde o início de seu mandato em relação às mulheres podem custar R$ 15 milhões à União.

O MPF (Ministério Público Federal), nesta semana, processou a União afirmando que integrantes da cúpula do governo federal foram responsáveis uma série de declarações que “revelam um viés preconceituoso e discriminatório” e que “reforçam estigmas e estimulam a violência”.

O órgão determina, entre outros pedidos, que seja obrigatória a promoção de campanhas de conscientização sobre direitos das mulheres e violência de gênero, como forma de reparação de danos sociais e morais coletivos.

“É desolador constatar a banalização, por parlamentares e autoridades do alto escalão do Poder Executivo – na pessoa do seu atual presidente, senhor Jair Messias Bolsonaro, e ministros – de manifestações de intolerância de gênero, uma vez que as próprias autoridades sequer cogitam a ilegalidade das falas, posturas e atos discriminatórios que tendem a se tornar cotidianos”, dizem procuradores no texto da ação.

A ação pede que a Justiça Federal determine o bloqueio imediato de pelo menos R$ 10 milhões no Orçamento e imponha à União o dever de usar esses recursos na promoção de ações publicitárias para a conscientização do público sobre violência contra meninas e mulheres.

Os conteúdos deverão expor dados sobre a desigualdade de gênero no Brasil e a vulnerabilidade das mulheres à violência, além de reforçar informações sobre seus direitos em diversas áreas como saúde, segurança pública, assistência social e de atendimento humanizado sobre violência de gênero.

Os procuradores pedem ainda que a União seja condenada ao pagamento de R$ 5 milhões ao Fundo de Direitos Difusos, a título de indenização “por danos extrapatrimoniais ou morais coletivos, ou ainda, danos sociais.”

A ação também pede que sejam divulgadas quais políticas públicas estão sendo efetivamente implementadas pelo governo sobre o tema, com base nas diretrizes do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS5), da ONU (Organização das Nações Unidas).

O documento estabelece que até 2030 os países membros devem, em suma, “acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas” e “eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas”.

Ação civil foi ajuizada no dia 5 de agosto na Justiça Federal de São Paulo, que intimou a União a se manifestar. O processo circula na 6ª Vara Cível Federal e ainda não há decisão se será acolhido pela Justiça. 

Procurada, a assessoria da Advocacia-Geral da União (AGU) informou que só se manifestará nos autos.

O documento de 70 páginas lista uma série de manifestações realizadas por Bolsonaro e por outras autoridades que desfavorecem as mulheres. Um dos casos mencionados foi realizado em fevereiro deste ano. Em conversa com jornalistas na saída do Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a jornalista Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S.Paulo, “queria dar o furo a qualquer preço”.  

O mandatário fez a insinuação sexual em referência ao depoimento de Hans River do Rio Nascimento, ex-funcionário de uma agência de disparo de mensagens, à CPMI das Fake News. Aos senadores, Hans River disse que a jornalista “queria um determinado tipo de matéria a troco de sexo”.

A informação é falsa, mas foi replicada como verdadeira nas redes sociais, inclusive por Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado filho do presidente. O jornal mostrou documentos e gravações que desmentem o depoimento de Hans River e mostram que ele tentou chamar a jornalista para sair.

Patrícia é autora de uma série de reportagens que apontam uso de disparos ilegais por WhatsApp na campanha de Bolsonaro nas eleições em 2018.

Outro caso citado refere-se à revogação de uma nota técnica elaborada pela então equipe da Secretaria de Atenção Primária do Ministério da Saúde. A nota recomendava a continuidade de serviços ligados à saúde da mulher, incluindo direitos reprodutivos, em especial, para mulheres vítimas de gravidez não-planejada ou violência sexual durante a pandemia, conforme orientação da OMS (Organização Mundial da Saúde).

A nota técnica do ministério foi deturpada pelo presidente Jair Bolsonaro. Em 3 de junho, ele chamou o documento de “minuta de portaria apócrifa sobre aborto que circulou hoje pela internet”. Em seguida, funcionários da secretaria que elaboraram a nota foram exonerados pelo ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello. 

O MPF também cita o presidente, que ao responder questionamentos de jornalistas sobre a preservação da Amazônia em 2019, afirmou que, “na cabeça dos europeus”, a Amazônia não pertence ao Brasil e comparou o País a uma virgem que “todo tarado quer”.

Em outra ocasião, também citada na ação, Bolsonaro criticou a possibilidade de o Brasil se tornar um local de turismo para homossexuais e disse: “Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade.”

“O homem é o líder do casamento”

Com relação às falas dos ministros de Bolsonaro, a ação destaca quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou em uma palestra que Brigitte Macron, primeira-dama da França, era “feia mesmo” ao se referir a uma manifestação de Bolsonaro no mesmo sentido em uma rede social.

Ressalta, também, quando a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, afirmou que acredita que “a mulher deve ser submissa” dentro da doutrina cristã e que “nós entendemos que um casamento entre homem e mulher, o homem é o líder do casamento”. 

Em palestra durante seminário sobre Globalismo, realizado no Itamaraty, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse ter “preocupação com a demonização da sexualidade masculina” e que “hoje um homem olhar para uma mulher já é tentativa de estupro.”

Os procuradores também citam a fala do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, no aniversário de 13 anos da Lei Maria da Penha, em 2019. Na ocasião, ele afirmou que os homens são violentos porque se sentem intimidados e não aceitam que as mulheres são melhores.

A ação diz que tais comentários são “traços de uma cultura que ainda subjuga a mulher, com potencial de instigar variados grupos a lançarem sobre a própria vítima a culpa por ser alvo de violência criminosos sexuais”

Retórica discriminatória demanda atenção às políticas públicas

O cenário de violência contra mulher no Brasil é de superlativos. Segundo o Atlas da Violência de 2019, 4.963 brasileiras foram mortas em 2017, considerado o maior registro em dez anos. 

No mesmo período, a taxa de assassinato de mulheres negras cresceu quase 30%, enquanto a de mulheres não negras subiu 4,5%. Entre 2012 e 2017, aumentou 28,7% o número de assassinatos de mulheres na própria residência por arma de fogo.

Já as estimativas de casos de estupro no Brasil variam entre 300 mil a 500 mil por ano, devido à subnotificação. Em 2018, segundo dados do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o País atingiu o recorde de registros. Foram 66 mil vítimas, o equivalente a 180 por dia ― maior número deste tipo de crime desde que o relatório começou a ser feito, em 2007.

Durante a pandemia do novo coronavírus, os atendimentos da Polícia Militar a mulheres vítimas de violência aumentaram 44,9% só no estado de São Paulo, segundo pesquisa do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

MAIS SOBRE VIOLÊNCIA E PANDEMIA

Na avaliação de especialistas em violência doméstica e contra a mulher ouvidas, devido ao amplo alcance, discursos como estas de representantes do Executivo têm um impacto simbólico que dificulta a concretização de mudanças necessárias na sociedade brasileira para combater esse tipo de violação. 

“Essas declarações são super sexistas porque estão vinculadas a uma sociedade profundamente patriarcal e racista e elas interferem não só no senso comum como criam uma resistência às políticas destinadas às mulheres. Cria uma resistência ao combate à violência contra as mulheres. Cria uma resistência à credibilidade das mulheres, às denúncias quando elas vão numa delegacia”, afirma a professora de sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Lourdes Maria Bandeira, uma das responsáveis pela elaboração da Lei do Feminicídio e integrante do consórcio que criou a Lei Maria da Penha.

A especialista também critica a minimização desse tipo de conduta. “O uso desse discurso, mesmo que do ponto de vista da brincadeiras, de querer ser lúdico, é um desserviço às mulheres brasileiras”, aponta.


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