24/04/2024 - Edição 540

Poder

O Supremo Tribunal Federal tenta exorcizar o fantasma do SNI

Publicado em 14/08/2020 12:00 -

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O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no começo da noite de quinta-feira (13), limites para a atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Por nove votos a um, os ministros decidiram que a troca de informações entre o governo e a agência exige motivação específica e deve levar em conta o interesse público.

O julgamento foi em resposta a uma ação proposta pelo PSB, que foi ao STF após um decreto do presidente Jair Bolsonaro promover mudanças na Agência, aumentando o poder da Abin de acesso a dados de cidadãos. No Congresso, a oposição defendeu que as mudanças criavam uma “Abin paralela”.

Durante o julgamento, os ministros criticaram ações policialescas nas atividades de inteligência. 

“Estamos aqui a cuidar de Abin paralela por uma questão simples: inteligência é atividade sensível e grave do estado, mas está posta na legislação como sendo necessária nos termos por ela delineados. Arapongagem, para usar uma expressão vulgar mas que agora está em dicionário, é aquele que licitamente pratica atividades de grampos e, portanto, de situação irregular, essa atividade não é direito, é crime. Praticado pelo estado, é ilícito gravíssimo”, disse a ministra Carmen Lúcia. 

Já o ministro Edson Fachin afirmou que o compartilhamento de dados de órgãos do governo com a Abin “ativa inúmeras sensibilidades democráticas, incluindo o risco de construção de mecanismos típicos de um Estado policialesco”.

Análise

O fantasma do Serviço Nacional de Informações (SNI) fez o governo Bolsonaro colher mais uma derrota no Supremo. Criado depois do golpe militar de 64 para supervisionar e coordenar as atividades de informações e contrainformações no Brasil e exterior, e extinto em 1990 pelo presidente Fernando Collor, o SNI foi o órgão repressor mais eficiente da ditadura.

“Eu criei um monstro”, reconheceu o general Golbery do Couto e Silva, seu fundador, e ex-ministro dos governos Ernesto Geisel e João Figueiredo. Foi para evitar que algo parecido possa ressurgir que o Supremo decidiu impor limites à atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ela só poderá pedir informações a outros órgãos se “ficar evidenciado o interesse público”.

São 42 os órgãos que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) – entre eles a Polícia Federal, a Receita Federal, o Banco Central e a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça. O Supremo também barrou o envio à Abin de dados como quebra de sigilo e escutas telefônicas, que somente podem ser obtidos com prévia autorização judicial.

“Arapongagem não é direito, é crime. Praticado pelo estado, é ilícito gravíssimo”, disse a ministra Carmen Lúcia, relatora do caso. “Qualquer fornecimento de informação que não cumpra rigores formais do direito contraria a finalidade legítima posta na lei da Abin. […] Não é possível ter como automática a requisição sem que se saiba por que e para quê”.

Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luix Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli acompanharam o voto da ministra. Celso de Mello ausentou-se e Marco Aurélio Mello votou contra. Fachin foi direto ao ponto: “O modelo adotado pelo SNI durante a ditadura não pode, sob nenhuma hipótese ser o mesmo da Abin”.

A Abin é comandada pelo delegado Alexandre Ramagem que cuidou da segurança de Bolsonaro depois da facada em Juiz de Fora. Bolsonaro o nomeou diretor-geral da Polícia Federal. Sua posse acabou suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes. Por pouco, o episódio não provocou uma crise institucional. Bolsonaro chegou a anunciar que fecharia o Supremo. Recuou depois.


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