19/04/2024 - Edição 540

Poder

Ministro Gilmar Mendes restaura prisão domiciliar de Fabrício Queiroz e mulher

Publicado em 14/08/2020 12:00 -

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O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu na sexta-feira (14) um habeas corpus para restaurar a prisão domiciliar de Fabrício Queiroz e da mulher, Márcia Aguiar.

Os dois são investigados pelo Ministério Público do Rio por suposta participação no esquema de rachadinha no gabinete do então deputado estadual e atual senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

A decisão de Mendes atende a um pedido da defesa de Queiroz e ocorre um dia após o ministro Félix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça, revogar a prisão domiciliar concedida ao casal.

Na decisão (veja detalhes mais abaixo), Mendes cita que, diante de um quadro de pandemia e do frágil estado de saúde de Queiroz, a prisão domiciliar "se impõe".

“No caso em análise, considerando a fragilidade da saúde do paciente, que foi submetido, recentemente, a duas cirurgias em decorrência de neoplasia maligna e de obstrução de colo vesical, entendo que a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar é medida que se impõe”.

O ministro manteve a determinação para o uso de tornozeleira eletrônica e outras medidas cautelares, como proibição de contato com outros investigados e de sair do país sem prévia autorização judicial. Segundo Gilmar Mendes, as medidas são suficientes para frear eventual prática de delitos.

“Em relação aos riscos de reiteração delitiva e para a garantia de aplicação da lei penal, as medidas de inserção em regime de prisão domiciliar, de monitoramento eletrônico e a proibição de saída do território nacional (arts. 318, II, 319, IX e 320) demonstram-se adequadas e suficientes, já que cumprem tais finalidades com a menor restrição possível à liberdade dos pacientes”.

O casal nem chegou a retornar ao regime fechado, embora a Justiça do Rio tenha expedido mandados de prisão nesta sexta. Fabrício Queiroz chegou a deixar o apartamento onde cumpre domiciliar, pela manhã, acompanhado de um oficial de Justiça para realizar exames médicos.

A restrição para contatos com outros investigados não atinge familiares, como a filha de Queiroz, “tendo em vista a necessidade de se garantir a unidade e o contato familiar”, segundo o ministro.

Para Mendes, não há elementos suficientes que indiquem como o ex-assessor poderia atrapalhar as investigações. Os fatos apresentados pelos investigadores não são atuais e por isso, diz o ministro, não representam “provas inequívocas de tentativas concretas de se furtar à aplicação da lei penal”.

O ministro citou ainda que “não há qualquer elemento indiciário nos autos que permita relacionar a suposta influência sobre milicianos do Rio de Janeiro e a sua influência polícia com tentativas reais de obstrução das investigações”.

“O decreto prisional não indica concretamente como eventual influência política do paciente poderia interferir nas investigações deste processo. Não há sequer especificação de sobre quais pessoas com poder político efetivo o paciente poderia ter influência a ensejar a obstaculização das investigações”, escreveu.

Argumentos do ministro

Ao conceder nova prisão domiciliar, Gilmar Mendes afirmou que há "verossimilhança" nas alegações da defesa que "lançam dúvidas sobre a legalidade da fundamentação" da decisão que levou à prisão preventiva do casal.

"No caso dos autos, verifico que há notável verossimilhança nas alegações dos pacientes que, ao menos em um juízo de cognição sumária, lançam dúvidas sobre a legalidade da fundamentação da decisão que ensejou a decretação da prisão preventiva", diz o ministro.

"Além de recair fundadas dúvidas sobre a contemporaneidade dos fatos invocados para justificar a segregação dos pacientes, a suposta conveniência para fins de instrução criminal e de garantia da ordem pública parecem se referir muito mais a conjecturas, como as de que o paciente teria influência em grupos de milícias e no meio político".

Gilmar Mendes afirma que a decisão de prisão preventiva do casal "parece padecer de ilegalidade" por não ter analisado, no caso concreto, se seria o caso de aplicar outras medidas cautelares menos invasivas.

"Ainda que todas essas alegações dotadas de verossimilhança não fossem procedentes, a decisão atacada parece padecer de ilegalidade por não ter sopesado se, no caso concreto, outras medidas cautelares diversas da prisão não seriam menos invasivas e até mesmo mais adequadas para garantir a regularidade da instrução penal".

Gilmar Mendes também tratou sobre o "grave quadro de saúde" de Queiroz.

"Soma-se ainda a todas essas circunstâncias o grave quadro de saúde do paciente que deve ser compreendido dentro de um contexto de crise de saúde que afeta fortemente o sistema prisional".

E deixou claro que estava apenas analisando se há requisitos para a prisão, sem fazer juízo de valor sobre as acusações sobre o casal.

"Reitere-se, para todos os efeitos, que se cuida aqui de analisar tão somente a existência dos requisitos legais, previstos no Código de Processo Penal, para a prisão preventiva, de natureza cautelar, e não de emitir juízos de valor sobre o ilícito-típico eventualmente cometido".

A decisão derrubada

Segundo Fischer, na decisão de quinta-feira (13), embora haja informações sobre o quadro de saúde de Queiroz, os dados referem-se ao passado, e não ao momento atual. Portanto, o ministro do STJ disse entender que não ficou comprovado o "quadro debilitado" que justificaria o relaxamento da prisão.

Para o ministro, os elementos mostram que o casal “articulou e trabalhou arduamente, em todas as frentes, para impedir a produção de provas e/ou realizar a adulteração/destruição destas."

Fischer disse que “são inúmeros os trechos que, em tese, identificam uma verdadeira organização, com divisão de tarefas e até mesmo certa estrutura hierárquica (os pacientes obedeciam a diretrizes de pessoa indigitada de “ANJO”, um “superior hierárquico”)."

Ao Supremo, a defesa de Queiroz afirmou que a prisão é ilegal porque foi determinada pela primeira instância, mas o caso da rachadinha foi deslocado para a segunda instância, que seria o foro adequado para investigar Flavio Bolsonaro.

Os advogados sustentam ainda que o MP do Rio fez uma interpretação equivocada de mensagens trocadas pelo casal e negam que os dois estivessem foragidos ou tentaram atrapalhar a investigação sobre a rachadinha.

Esposa de Queiroz pode ser enxaqueca para Bolsonaro

A pressão sobre aquele que é apontado pelo Ministério Público do Rio como operador do desvio de salários do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, é ruim para o presidente da República. Não tanto por Queiroz, personagem leal a Jair, seu faz-tudo por tantos anos e companheiro de pesca, que diante de uma "pica do tamanho de um cometa" é capaz de ficar mudo como um bonequinho de Tony Montana. Mas por que a pressão também inclui sua esposa, Márcia Oliveira de Aguiar.

E não há garantia que ela ostente o mesmo desprendimento de trocar sua liberdade pelo sono da primeira-família. Vale lembrar que Márcia estava foragida da Justiça quando foi beneficiada com a prisão domiciliar. O motivo não foi sua condição de saúde, mas a avaliação de Noronha de que ela precisava cuidar do marido durante a pandemia.

E ela pode aceitar falar o que sabe para proteger a si mesmo ou à filha, Nathália, também envolvida no esquema de "rachadinhas".

Márcia depositou R$ 17 mil na conta de Michelle Bolsonaro, segundo informou o jornal Folha de S.Paulo. E a quebra de sigilo bancário de Queiroz mostra que ele colocou mais R$ 72 mil, entre 2011 e 2018, como revelou a revista Crusoé.

O Coaf havia apontado, em 2018, um depósito de R$ 24 mil de Queiroz para a primeira-dama. Jair prontamente disse que isso era parte da devolução de um empréstimo de R$ 40 mil que ele fez ao amigo de longa data. Porém, nunca comprovou isso. E xingou os jornalistas que pediram comprovantes da transação.

A investigação do MP-RJ descobriu, por exemplo, que Flávio usou R$ 86.779,43 em dinheiro vivo para comprar salas comerciais. Segundo seu depoimento aos promotores que apuram o caso, o senador pediu os valores emprestados para o pai e um dos irmãos – que não especificou quem – para tanto. A informação foi revelada pelo jornal O Globo. Márcia pode indicar que o esquema não se restringia a Flávio, mas incluía outros Bolsonaros.

Os repasses, transferências e pagamentos são um exemplo, mas não o único de dúvidas que seriam sanadas por ela. Márcia de Aguiar poderia falar sobre as relações do gabinete de Flávio Bolsonaro com o falecido Adriano da Nóbrega, chefe do grupo de matadores de aluguel Escritório do Crime, e com os milicianos da Zona Oeste do Rio. Ou dos dias em que o então deputado federal, Jair Bolsonaro, ia despachar no gabinete do filho, na Assembleia.

Ex-assessores de Flávio sacaram ao menos R$ 7,2 milhões

Ex-assessores de Flávio Bolsonaro investigados pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ) sacaram, em dinheiro vivo, pelo menos R$ 7,2 milhões. O valor sacado em espécie corresponde a 60% do que os servidores receberam dos cofres públicos fluminenses e é um indício de que havia um esquema de devolução de parte dos salários, a “rachadinha”, no gabinete. 

As retiradas dos assessores coincidiram com períodos nos quais, segundo o MP do Rio, Flávio pagou despesas usando dinheiro em espécie. O cálculo considera 24 ex-funcionários do atual senador quando ele era deputado estadual no Rio e exclui valores sacados pelo ex-assessor Fabrício Queiroz – que, segundo os promotores, seria o operador do suposto esquema. Tanto a defesa de Flávio como a de Queiroz, por meio de notas, negaram irregularidades.

O principal caso apontado pelos investigadores até agora é o da compra de dois imóveis em Copacabana, na zona sul do Rio, em dezembro de 2012. O parlamentar, segundo suspeita o MP, teria pagado, ‘por fora’, R$ 638,4 mil ao vendedor, enquanto os registros oficiais da compra mostram o valor de R$ 310 mil – pagos regularmente. O então deputado estadual também usou R$ 86,7 mil em dinheiro na compra de 12 salas comerciais, em 2008.

“Essa prática de subfaturamento de registros imobiliários na compra possibilita a simulação de ganhos de capital em patamares expressivos na ocasião da revenda, razão pela qual é instrumento corriqueiramente utilizado para lavagem de capitais já catalogado pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras)e pelos principais organismos internacionais”, diz a Promotoria na investigação.

O uso de dinheiro em espécie é tido como uma forma clássica de lavagem de dinheiro, já que nele o repasse dos valores é direto e não deixa rastros no sistema financeiro. Nas operações envolvendo Flávio, o objetivo, para os promotores, seria encobrir a “rachadinha”. 

Grupos

A soma dos saques foi feita com base em documentos do Ministério Público do Rio apresentados à Justiça em diferentes etapas da investigação que envolve o filho do presidente da República.

Os assessores pertencem a três grupos, conforme a separação da própria Promotoria: 12 são ligados a Queiroz por graus de parentesco ou vizinhança; dez são familiares de Ana Cristina Siqueira Valle, segunda ex-mulher de Jair Bolsonaro; e dois são parentes do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, morto em fevereiro na Bahia.

Dos dez parentes de Ana Cristina citados nos documentos, seis retiravam em dinheiro mais de 90% do que recebiam. A cidade, no Sul Fluminense, fica a cerca de duas horas e meia de carro da Alerj, onde deveriam, em tese, trabalhar. Flávio sempre alegou que eles não precisavam estar presencialmente no Palácio Tiradentes, sede da Alerj, para exercer as funções.

Os assessores do núcleo ligado a Queiroz mantinham com mais frequência outra prática, além dos saques: a de transferir ou depositar diretamente para ele os próprios salários. Nathália Melo de Queiroz, que também trabalhou no gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, repassou ao pai R$ 633 mil dos R$ 774 mil que recebeu da Alerj. Marcia Oliveira de Aguiar depositou na conta do marido R$ 445 mil do R$ 1,2 milhão que recebeu e sacou em dinheiro vivo R$ 423 mil.

Ao pedir a prisão preventiva de Queiroz e Márcia, em junho deste ano, o MP destacou uma página da caderneta mantida pela mulher do ex-assessor. Nela, uma anotação registra R$ 174 mil que o casal teria recebido em dinheiro – de origem não identificada. Com essa quantia, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro teria arcado com as despesas do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, durante tratamento de um câncer.

Defesas

A defesa do senador Flávio Bolsonaro afirmou que todas as suas operações financeiras citadas na investigação do MP do Rio ocorreram dentro da lei. “Todas as operações financeiras do senador Flávio Bolsonaro e de seus familiares estão dentro da lei. As informações sobre as compras e vendas de imóveis foram detalhadas junto ao Ministério Público e todas os esclarecimentos já foram dados”, diz a nota de Flávio.

O advogado Paulo Emílio Catta Preta, que representa a família Queiroz, disse que o saque em dinheiro vivo “não é atividade irregular e não representa, sequer de modo indiciário, que tenham sido repassados a Fabrício Queiroz, ao invés de terem sido gastos com custeio de despesas dos próprios sacadores.”

Procurados, os advogados da família de Ana Cristina Siqueira Valle não responderam até a conclusão desta edição.


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