25/04/2024 - Edição 540

Poder

Os três pastores de Bolsonaro

Publicado em 31/07/2020 12:00 -

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Há uma máxima nas igrejas protestantes brasileiras, sejam as tradicionais, pentecostais ou neopentecostais: pastor é autoridade e deve ser tratado com a maior deferência. Quanto mais a igreja é considerada evangélica ou renovada, mais poder o pastor tem em relação à vida das ovelhas. A doutrina é claramente equivocada. O pastor deve ser tratado com respeito, por ser autoridade espiritual, mas ele está ali para servir à comunidade. A Reforma de Lutero, inclusive, quis reduzir a distância entre o sacerdote e os fiéis para se diferenciar da Igreja Católica. Mas no Brasil as denominações mais novas se afastam do princípio. Muitas vezes, ele é idolatrado como em um pequeno reinado.

O presidente Jair Bolsonaro é católico, mas não se furta em agradar uma das principais bases de apoio do seu governo, os líderes evangélicos. Sim, digo líderes e não fiéis porque são eles que sinalizam para as comunidades em quem votar nas eleições, o que é respeitado pela maioria do rebanho. E já são três os pastores do presidente em seu governo: a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, o ministro da Justiça, André Mendonça, e o ministro da Educação, Milton Ribeiro.

Damares Alves já pregou sobre seu encontro espiritual com Jesus no “pé de goiabeira”, André Mendonça ministrou que Deus faz “testes de integridade” para nos preparar, definindo Bolsonaro como “profeta”, e Milton Ribeiro defendeu no púlpito que crianças “devem sentir dor” ao serem corrigidas e educadas. Enquanto a imprensa retrata essas falas em suas páginas, causando espanto na parcela mais progressista da sociedade brasileira, Bolsonaro continua no seu projeto de sinalizar para os evangélicos que, no seu governo, os “valores” são outros. 

Nunca se viu em Brasília um governo com tantos pastores no primeiro escalão. Nunca se viu um governo com tantos pastores. Mas o que mais impressiona são as diferenças de linhagens dos pastores de Bolsonaro. Damares foi ordenada na Quadrangular, uma denominação extremamente carismática, ou seja pentecostal. Mendonça é da Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília, que, apesar de ser nascida em uma linha mais tradicional, se descolou e tem um viés mais progressista, sendo um meio termo. Já Ribeiro é Reverendo da Igreja Presbiteriana de Santos, essa sim clássica e tradicional, dentre as inúmeras denominações no país.

Bolsonaro não consegue atingir a ala progressista, mas ela é minoria ante o pensamento dominante conservador nas igrejas protestantes como um todo. O pequeno grupo progressista, o líder da extrema-direita brasileira já perdeu, mas ela não será protagonista nas eleições. Nessa mescla de vertentes da igreja brasileira, Bolsonaro vai construindo um grande reinado no que diz respeito ao apoio ao seu governo. E, espera ter o apoio dele nas próximas eleições. No último Censo, em 2010, os evangélicos eram 42,3 milhões e representavam 22,2% da população brasileira. Muitos dos membros veem no pastor a voz de Deus, essa mesma voz que tem se misturado com a política. 

É por isso que se torna cada vez mais importante o julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do caso que pretende incluir o “abuso de poder religioso” como motivo para a cassação de mandatos políticos, punição hoje restrita ao abuso de poder econômico e político. O processo voltará à pauta no início do mês de agosto, ou seja, em poucos dias. Há duas tendências no TSE, a que se preocupa com o surgimento de uma nova categorização de abuso eleitoral e outra que defende ser imperativo a imposição de limites eleitorais às atividades eclesiásticas.

Não dá para saber qual tese sairá vitoriosa, mas uma coisa é fácil de prever: a não ser que aconteça um milagre, dificilmente os líderes evangélicos serão conquistados pelo centro ou pela esquerda brasileira no próximo pleito presidencial. Além dos três pastores e tudo o que eles representarão na próxima eleição, Bolsonaro buscou perdoar dívidas milionárias de denominações evangélicas e sinalizou com subsídio na conta de luz para templos religiosos de grande porte. Ou o TSE impõe algum limite aos pastores nas campanhas, até para respeitar a lei que proíbe propaganda eleitoral em igrejas, ou será um festival de apoios de púlpitos a Bolsonaro, que tanto sonha com a reeleição. Está nas mãos da mais alta corte eleitoral a decisão se a disputa de 2022 será travada nos templos ou nos palanques, como tem que ser em um país laico.

Bolsonaro e seu esforço pela Universal 

Jair Bolsonaro deu impulso a um lobby assumindo o risco de criar uma crise nas relações com Angola.

Ele pediu a interferência do presidente João Lourenço na disputa local da Igreja Universal do Reino de Deus, uma sociedade angolana de direito privado. Lourenço respondeu-lhe na semana passada: “(O caso) terá o tratamento cabível na Justiça”.

A Universal enfrenta um cisma em Angola. Mês passado, 85 templos foram assumidos por pastores angolanos em rebelião contra a liderança brasileira. Há sete meses, 320 deles justificaram a separação com denúncias de delitos da hierarquia brasileira. As investigações seguem.

Rupturas fazem parte da paisagem da Universal nos EUA, Reino Unido, Bélgica e Zâmbia. Ela emergiu no Rio no vigor do movimento evangélico, que cresceu 540% em três décadas, para 42,2 milhões (Censo de 2010). Floresceu no televangelismo da teologia da prosperidade, num amálgama de interesses entre igreja, partido, banco e rede de rádio e televisão.

Aportou em Angola há 28 anos, na expansão africana iniciada por Marcelo Crivella, prefeito do Rio, coordenador do partido Republicanos e visto como herdeiro do tio, Edir Macedo, líder nos negócios da igreja. Candidato à reeleição, trouxe ao partido da Universal um par de filhos de Bolsonaro. O pai, sem partido, hesita na adesão por incerteza sobre a reação de outras alas evangélicas como a Assembleia de Deus.

Bolsonaro usou o cargo e o Itamaraty para intervir no cisma da Universal. Justificou a Lourenço sua “preocupação” — legítima —com 65 brasileiros. Mas foi além. Tomou parte na briga da sociedade privada angolana. Classificou a disputa nos templos como “invasões” e qualificou dissidentes como “ex-membros” da igreja.

Inflou um lobby em Brasília, que já prepara uma comitiva do Senado a Luanda em defesa dos interesses da Universal. Desta vez, ao usar organismos de Estado para defender negócios de aliados, Bolsonaro pôs em risco um legado diplomático de 45 anos na África, consolidado pelo Itamaraty no regime militar, quando o Brasil foi o primeiro a reconhecer a independência de Angola.


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