19/04/2024 - Edição 540

Poder

Profissionais da saúde denunciam Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional

Publicado em 24/07/2020 12:00 -

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O presidente Jair Bolsonaro foi denunciado no último dia 26 no Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra a humanidade e genocídio devido à sua postura diante da pandemia de covid-19. A representação criminal foi apresentada por uma coalizão de organizações que, juntas, representam mais de um milhão de profissionais da saúde e foi endereçada à procuradora-geral da Corte, Fatou Bensouda.

Bolsonaro já é alvo de outras quatro denúncias no Tribunal, com sede na Holanda – três delas por sua atuação na crise sanitária provocada pelo novo coronavírus e uma por crimes contra a humanidade e atos que levam ao genocídio de comunidades indígenas e tradicionais. A nova denúncia é a primeira feita por profissionais da saúde, que afirmam que o presidente cometeu "falhas graves e mortais na condução da pandemia de covid-19".

O grupo que protocolou a queixa, liderado pela Rede Sindical Brasileira UNISaúde, alega que Bolsonaro coloca os profissionais da saúde e toda a população em risco ao "adotar ações negligentes e irresponsáveis"; defender a hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra a doença; e promover sucessivas aglomerações, nas quais costuma comparecer sem máscara. Além disso, o grupo salienta o fato de o Brasil estar há mais de dois meses sem ministro da Saúde.

No documento de 64 páginas, os profissionais destacam também a postura de "menosprezo, descaso e negacionismo" do presidente, que teve como consequências desastrosas o crescimento da disseminação do vírus e o "total estrangulamento dos serviços de saúde". A representação solicita que a Corte acate o pedido, que peça ao governo federal as informações necessárias e que convoque Bolsonaro a depor.

"O governo Bolsonaro deveria ser considerado culpado por sua insensível atuação frente à pandemia e por recusar-se a proteger os trabalhadores da saúde do Brasil assim como a população brasileira, à qual ele prometeu defender quando se tornou presidente", disse Marcio Monzane, secretário regional da UNI Americas, braço regional da federação internacional sindical UNI Global Union, citado pelo UOL.

Desde o começo da pandemia, Bolsonaro vem negando a gravidade da situação, fato que, aliado à política ambiental, vem deteriorando a imagem do Brasil no cenário internacional. Por diversas vezes, o presidente declarou ser contrários às medidas de isolamento social e chegou a dizer que "ficar em casa é coisa de covarde".

Além disso, promoveu aglomeração ao participar de eventos públicos, cumprimentar apoiadores e circular pelo comércio. Ao conversar com jornalistas após ser diagnosticado com covid-19, tirou a máscara e, na semana passada, após testar positivo para o coronavírus novamente, passeou de moto e conversou com garis sem usar a proteção.  

Bolsonaro é um ferrenho defensor da hidroxicloroquina e da cloroquina chegou a tomar o medicamento ao vivo em uma transmissão na internet, apesar de o uso dos medicamentos antimaláricos no tratamento da covid-19 ser desaconselhado pela Sociedade Brasileira de Infectologia.

Dois ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, deixaram o cargo desde o começo da pandemia por discordarem das medidas propostas pelo governo. Até o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que Bolsonaro considera um aliado, mencionou o Brasil como exemplo negativo no combate à covid-19.

Tribunal de Haia

O Brasil apoiou a criação do Tribunal Penal Internacional, em 1998. Atualmente, a Corte conta com a participação de cerca de 120 Estados e é responsável por julgar indivíduos acusados de crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão.

Em abril, Bolsonaro foi denunciado em Haia pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), que alegam que o presidente praticou crime contra a humanidade ao incentivar ações que aumentam o risco de proliferação da covid-19.

Em junho, o tribunal atendeu pedido protocolado pelo PDT e atualmente analisa denúncia por crime contra humanidade pela postura de Bolsonaro no enfrentamento da pandemia. O PDT argumenta que Bolsonaro tem contrariado recomendações para reduzir o ritmo de contágio, contribuindo, assim, para um colapso do sistema de saúde, e destaca que inúmeras vezes o presidente ignorou a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em 2019, Bolsonaro se tornou alvo de denúncia em Haia acusado de incitação ao genocídio de povos indígenas e crimes contra a humanidade por minar a fiscalização de crimes ambientais na Amazônia. A denúncia foi apresentada pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos e pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – a Comissão Arns, uma entidade civil que reúne juristas e acadêmicos com a finalidade de denunciar violações aos direitos humanos.

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Como já havia sido afirmado num evento acadêmico pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, no qual advertiu que o alto número de militares na cúpula do Ministério da Saúde em meio à pandemia de covid-19 está associando a imagem das Forças Armadas à ideia de “genocídio”, tornando o País vulnerável a processos em organismos multilaterais.

Nos quatro processos, o presidente é acusado de negligência no combate ao novo coronavírus. As denúncias foram feitas pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), pelo grupo Engenheiros pela Democracia e por uma agremiação partidária – o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Em 2019, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns já havia denunciado Bolsonaro por outro motivo, acusando-o de genocídio contra povos indígenas.

Planejado na década de 1950, quando a ONU criou uma comissão para elaborar seu estatuto, o TPI é uma Corte permanente e independente que julga crimes de genocídio, guerra, agressão e crimes contra a humanidade – tipificados pelo Estatuto de Roma, firmado em 1998. Sediada em Haia, a Corte iniciou suas atividades oficialmente em 2002 e não julga Estados, mas pessoas. Uma vez apresentadas, as denúncias são apreciadas pela procuradoria do TPI, que verifica se elas se inserem na jurisdição da Corte e se estão lastreadas em fatos que justifiquem a abertura de uma investigação. A etapa seguinte avalia a gravidade da denúncia e, se considerar que há base para a abertura de uma investigação oficial, a procuradoria pede autorização a uma câmara integrada por três juízes.

Apesar das denúncias, o risco de Bolsonaro sofrer uma investigação formal no TPI é pequeno. Como afirmam especialistas, dentre eles a juíza Sylvia Steiner, que integrou a Corte entre 2003 e 2016, é difícil diferenciar uma gestão desastrosa no combate à pandemia de covid-19 de uma atitude consciente e deliberada de promover um crime contra a população. Segundo Steiner, como o caso brasileiro se destaca basicamente pela incompetência do governo Bolsonaro, o foro mais adequado não seria o TPI, mas a Corte Interamericana de Direitos Humanos. “É uma questão de responsabilização de políticas de Estado, e não de responsabilidade individual”, afirma.

Se do ponto de vista jurídico as denúncias contra Bolsonaro pela prática de crime contra a humanidade não devem prosperar no TPI, do ponto de vista político elas podem macular ainda mais a imagem externa do País. Por causa de iniciativas desastrosas de Bolsonaro em matéria social, educacional e ambiental, sua administração é tão ruim que, no mês passado, por exemplo, cerca de 30 grandes instituições financeiras mundiais ameaçaram retirar seus investimentos do Brasil caso o governo não mude a política para a Amazônia. Além disso, nos Estados Unidos, Europa e Ásia os principais veículos de comunicação há muito tempo vêm publicando contundentes editoriais contra Bolsonaro, acusando-o de estar convertendo o Brasil numa espécie de pária internacional.

Desde a última década do século 20, um dos conceitos mais importantes na teoria das relações internacionais para descrever a capacidade de um Estado de se firmar no plano mundial é o de soft power. Contrapondo-se ao conceito de hard power, que envolve poderio militar e financeiro, o conceito de poder suave pressupõe valores, ideias, reputação, credibilidade, autoridade moral e respeito a conquistas civilizatórias. Por isso, mesmo que as denúncias contra Bolsonaro no TPI não deem em nada no plano jurídico, no plano político elas corroerão o pouco que o Brasil ainda tem de soft power, desde a ascensão de Bolsonaro ao governo, o que só dificulta a captação de investimentos e conquista de novos mercados num período de crise econômica e escassez de recursos.

Genocídio

Desde que Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), relacionou a palavra “genocídio” à atuação do Governo de Jair Bolsonaro diante da covid-19, o debate entrou na pauta pelo andar de cima. Não só no Brasil, mas no mundo. As denúncias de genocídio, tanto dos povos indígenas quanto da população negra, pelo atual Governo, não são novas. Em geral, são tratadas como evocações subalternas, da mesma forma subalterna que essas populações são tratadas historicamente pelas elites brasileiras. Ao desembarcar da boca togada de um ministro do STF, a palavra ganhou outra densidade. E, principalmente, se instalou. Já não é mais uma palavra fantasma, que ao ser dita nada move. Genocídio, pela boca de Gilmar Mendes, deixou de ser uma carta deliberadamente extraviada e chegou ao seu destino.

Em 11 de julho, o ministro afirmou em um debate online: “Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. Não é aceitável que se tenha esse vazio. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do Governo federal, é atribuir a responsabilidade a Estados e municípios. Se for essa a intenção é preciso se fazer alguma coisa. Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”.

Generais como o vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva, que não só pertencem e representam o Governo Bolsonaro, mas também o sustentam e o legitimam, se alvoroçaram porque sentiram o risco real de, em algum momento do futuro próximo, responderem por crimes contra a humanidade. Mesmo entre os que não apoiam Bolsonaro, termos como “hipérbole”, “exagero” e “banalização” foram usados para reduzir a potência da declaração do ministro. A palavra, porém, finalmente encarnada, permanece ativa.

Exatamente porque o genocídio, assim como os demais crimes contra a humanidade, são da maior gravidade é que se torna preciso debater o tema com a máxima seriedade, impedindo que ele seja capturado pela polarização ou pelas conveniências políticas de ocasião. Exatamente porque se trata da morte de pessoas que, num país que já ultrapassa as 80.000 vítimas por covid-19, mesmo com a reconhecida subnotificação, é urgente debater com responsabilidade: há ou não evidências de que o presidente da República e outras autoridades brasileiras possam ter cometido genocídio na resposta à covid-19?

Segundo a jurista Deisy Ventura, coordenadora do doutorado em saúde global e sustentabilidade da Universidade de São Paulo (USP) (e autora do livro Direito e saúde global – o caso da pandemia de gripe A – H1N1), já não estamos no século 20, quando o conceito de genocídio foi criado a partir da necessidade de nomear o crime perpetrado pelo nazismo contra os judeus. O século 21 não é apenas uma convenção temporal, ele trouxe desafios novos, como o enfrentamento das pandemias e da emergência climática. “Há alguns anos, então professora de direito internacional no Instituto de Relações Internacionais da USP, eu precisava constantemente explicar por que havia escolhido estudar uma pandemia no contexto do direito internacional. Hoje, já não é mais preciso explicar. O entendimento é imediato”.

Para ela, há elementos suficientes para investigar o presidente Jair Bolsonaro, assim como outras autoridades do Governo, por crimes contra a humanidade, tanto no Tribunal Penal Internacional como na Justiça brasileira. Diz, ainda, que é essencial para o futuro do Brasil que esse debate aconteça.

Ventura é uma das mais respeitadas autoridades no estudo da relação entre pandemias e direito internacional. É também mestre em direito europeu, doutora em direito internacional pela Universidade Paris 1 e foi professora convidada do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o prestigiado Sciences-Po. Desde que iniciou a pandemia, é uma das articuladores do Projeto Direitos na Pandemia, realizado pelo Centro de Pesquisas e Estudos de Direitos Sanitários da USP e a organização Conectas Direitos Humanos.

Todos os atos e a legislação brasileiras sobre a covid-19 são coletados e classificados em seu impacto sobre os direitos humanos. Isso impõe à jurista um acompanhamento cotidiano e permanente do Diário Oficial da União, onde muito se passa sem que a maioria dos brasileiros perceba.

O advogado argentino Luís Moreno Ocampo, primeiro promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia, Holanda, avalia que seria preciso demonstrar que houve um plano de usar o coronavírus como ferramenta para exterminar toda ou parte da população para que o presidente seja investigado e julgado pela corte internacional que pune tiranos por crimes contra a humanidade. “A lei diz que crimes contra a humanidade pressupõem que tenha ocorrido uma política para cometer um ataque de larga escala ou sistemático. Precisa ter tido um plano”, explicou.

Ele evitou avaliar ações específicas de Bolsonaro, como o veto da lei que tornava obrigatório o uso de máscaras em locais públicos. De 2003, quando a corte entrou em funcionamento, a 2012, último ano de seu mandato, Ocampo conduziu investigações do TPI em sete países e pediu ordens de prisão, decretadas pela corte, contra Muamar al Kadafi, o ditador da Líbia morto em 2011, e Omar al-Bashir, o ditador do Sudão deposto e preso em 2019.

Juíza do TPI entre 2003 e 2016, Sylvia Steiner disse que a Corte investiga crimes contra a humanidade "praticados dentro de um contexto de ataque generalizado ou sistemático contra a população civil". Ela cita, por exemplo, o caso de Darfur, no Sudão, em que mais de 2 milhões de pessoas foram forçadas a se deslocar, sendo que 300 mil foram mortas, entre 2003 e 2008, em um conflito marcado por execuções sumárias e estupros.

Por causa desses crimes, o TPI expediu mandado de prisão por genocídio contra o ex-presidente do Sudão Omar Al Bashir. Até hoje, porém, ele não se apresentou à Corte e não pôde ser julgado. "Uma simples política (de saúde), por mais desastrosa que seja, não necessariamente pode ser entendida como um ataque deliberado contra a população civil. É esse elemento contextual muito particular que, à primeira vista, não me parece presente nessa política desastrada que o governo (de Jair Bolsonaro) está levando adiante em relação à pandemia", afirma Steiner.

O entendimento é o mesmo do juiz criminal Marcos Zilli, professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP). "Nos aproximamos de duas décadas de existência do Tribunal Penal Internacional, o que é um período relativamente curto para um órgão jurisdicional internacional que tem a dificílima missão de investigar, processar e julgar os responsáveis pelos mais graves crimes que afetam a consciência internacional", nota ele.

"Os poucos casos até o momento julgados envolvem crimes de guerra e crimes contra a humanidade em contextos muito diversos daquele que se desenha nas representações ofertadas (contra Bolsonaro)", ressaltou.

Gilmar Mendes confirmou ter falado com "o presidente e assessores do incômodo político de uma representação no TPI, tendo em vista as múltiplas questões existentes (gestão da saúde, índios, meio ambiente)". Ele, no entanto, disse que esse é um tema "lateral". "O problema é a própria gestão no Brasil", enfatizou à reportagem.

'Capacidade limitada'

Para Sylvia Steiner, a representação que acusa Bolsonaro de incitação ao genocídio de indígenas, teria, em tese, mais possibilidade de dar início a um investigação pela Procuradoria da Corte, do que as reclamações criminais sobre a atuação de Bolsonaro na pandemia.

Mas, mesmo nesse caso, ela considera improvável que isso ocorra, já que um dos critérios para se iniciar uma investigação no TPI é que fique demonstrada incapacidade ou falta de vontade do sistema de Justiça nacional para apurar e punir eventuais crimes.

Dessa forma, nota Steiner, a Corte costuma voltar sua atenção a casos de extrema gravidade, em países com instituições de Justiça mais precárias que as brasileiras. "Acho muito difícil que o Tribunal, com a capacidade limitada que tem, vá se ocupar dessas representações (contra Bolsonaro)", disse Steiner.

"O Tribunal não tem condições de investigar todas as situações que ocorram no mundo inteiro. Há desastres humanitários ocorrendo em outras partes do mundo, em lugares totalmente desestruturados e, portanto, a atenção do Tribunal é última esperança de populações que estão desesperadas", reforça.

Lideranças indígenas e organizações da sociedade civil têm acusado o governo Bolsonaro de negligência na proteção desses povos durante a pandemia de coronavírus e alertam para a possibilidade de comunidades isoladas serem dizimadas caso a covid-19 chegue a elas.

Diante desses argumentos, o ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou no início de julho, em decisão liminar, que o governo adote uma série de medidas para proteger os indígenas na pandemia.

Brasil pode ser investigado em outra corte internacional

Embora considerem difícil que Bolsonaro seja investigado pelo TPI, os juristas ouvidos pela reportagem dizem que o Brasil pode vir a ser responsabilizado na Corte Interamericana de Direitos Humanos pela atuação do governo federal na pandemia.

Caso essa investigação seja aberta, poderia levar a julgamento e condenação do Estado brasileiro, mas não contra Bolsonaro pessoalmente.

"Essa condução desastrada, descoordenada, irresponsável dessa crise (do coronavírus) é um fator de violação massiva contra direitos fundamentais, o direito à saúde, o direito à vida. Já existe material suficiente para que se ofereça uma denúncia junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (órgão que analisa se denúncias devem ser julgadas na Corte). Disso não tenho a menor dúvida", afirma Steiner.

Contrariando evidências científicas, Bolsonaro e seu governo têm se oposto às políticas estaduais e municipais de distanciamento social.

Além disso, o Ministério da Saúde, por determinação do presidente, tem promovido o uso da cloroquina no tratamento de covid-19, apesar dos possíveis efeitos colaterais graves que a substância pode provocar e de não haver comprovação de sua eficácia contra a doença.

Representações no TPI passarão por filtro inicial

O TPI, em funcionamento desde 2002, teve sua criação estabelecida pelo Estatuto de Roma, de 1998, que conta com apoio de 123 países, entre eles o Brasil.

Enquanto a Corte Internacional de Justiça, conhecida como Corte de Haia, é responsável por julgar disputas entre países, o TPI é encarregado de julgar apenas indivíduos acusados de quatro crimes graves: crimes contra a humanidade, genocídio, crimes de guerra e, desde 2018, crimes de agressão — em que políticos e militares podem ser responsabilizados por invasões ou ataques de grandes proporções.

Todas as representações criminais feitas ao TPI são analisadas pela Procuradoria da Corte, órgão responsável por realizar investigações de forma independente.

A representação que acusa Bolsonaro de crimes contra povos indígenas foi apresentada em 2019 pela Comissão Arns e o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos.

Já as que pedem investigações por sua atuação na pandemia chegaram à Procuradoria entre abril e junho, apresentadas pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, pelo PDT e por José Manoel Ferreira Gonçalves, coordenador do grupo Engenheiros pela Democracia.

As quatro ainda passarão por um filtro inicial da Procuradoria, processo que pode ser demorado dado o grande volume de representações que chegam ao órgão.

Segundo o último relatório anual da Procuradoria, divulgado em dezembro, foram apresentadas 795 reclamações criminais entre novembro de 2018 e outubro de 2019.

Esse filtro já descarta casos em que os crimes denunciados claramente não são de competência do Tribunal. Se a representação passar dessa etapa, ela ainda será submetida a um exame preliminar, em que a Procuradoria avaliará a presença dos elementos necessários à instauração de uma investigação formal, explica o professor da USP Marcos Zilli.

Nesse momento, é analisado, por exemplo, se os crimes noticiados ocorreram nos limites territoriais de um país signatário do Estatuto de Roma ou se os supostos responsáveis são cidadãos de um desses países.

Antes de abrir uma investigação, a Procuradoria também verifica a gravidade dos crimes apontados na representação e se há omissão da Justiça nacional em apurar esses delitos.

Direito de imagem ReutersImage caption Omar Bashir, presidente do Sudão até abril de 2019 é acusado de homicídio, extermínio, tortura e estupros na região de Darfur

Casos se arrastam por anos

"Não há prazo estabelecido de duração e, infelizmente, em alguns casos a apuração preliminar pode levar alguns anos", ressalta Zilli.

O professor cita como exemplo o caso da Nigéria, em que desde 2010 a Procuradoria analisa se abrirá ou não uma investigação contra seita islamista Boko Haram e as forças de segurança nigerianas por crimes de guerra.

Já no caso da Venezuela, o órgão realiza uma apuração preliminar desde fevereiro de 2018 para decidir se haverá uma investigação contra o regime de Nicolás Maduro por crimes contra humanidade.

Zilli ressalta que as fases de investigação e julgamento também são demoradas. "Os casos, é bom lembrar, são extremamente complexos. Via de regra envolvem centenas, senão milhares de documentos, assim como exigem a oitiva de dezenas de vítimas e testemunhas que, note-se, não residem no país sede do Tribunal que é a Holanda. Há, portanto, um esforço imenso de logística e de energia humana, sem contar, obviamente, o uso de recursos tecnológicos", detalha.


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