20/04/2024 - Edição 540

Poder

Denúncia contra Alckmin e Serra consolida cerco ao ‘velho’ PSDB paulista

Publicado em 24/07/2020 12:00 -

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O ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) foi denunciado na quinta-feira (23) pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e falsidade ideológica eleitoral. Segundo o Ministério Público de São Paulo, ele recebeu 2 milhões de reais em espécie da Odebrecht durante sua campanha ao Governo estadual em 2010 e mais 9,3 milhões de reais na eleição seguinte, em 2014, quando foi reeleito. A contrapartida dessas doações seriam contratos nas obras do Metrô de São Paulo e do Rodoanel, de acordo com a Polícia Federal. Alckmin já havia sido indiciado (etapa anterior da investigação em que a polícia, ao concluir o inquérito, aponta indícios de autoria) por esses crimes na semana passada pela PF. Ele é o segundo tucano de relevância nacional alvo de denúncia neste mês: em 10 de julho o senador José Serra foi acusado pela força-tarefa da Operação Lava Jato em São Paulo pelo crime de lavagem de dinheiro. Os dois negam qualquer irregularidade.

Assim como no caso de Serra, a denúncia contra Alckmin —que disputou e perdeu duas eleições presidenciais, em 2006 e 2018— teve como base os acordos de delação premiada firmados por executivos e diretores da Odebrecht com a Procuradoria-Geral da República em dezembro de 2016. Ou seja, se passaram mais de três anos (e uma eleição para o Planalto) antes que o Ministério Público apresentasse denúncia contra o ex-governador, o que é motivo de críticas com relação à seletividade e parcialidade da Promotoria estadual e do Ministério Público Federal com relação aos tucanos, especialmente em São Paulo, Estado governado pelo partido por 23 dos últimos 25 anos. A oposição sempre afirmou que havia uma “blindagem” ao partido.

Nas 86 páginas da denúncia constam, além de depoimentos de delatores, planilhas do sistema Drousys e MyWeb Day 2, utilizados pela Odebrecht para controlar o pagamento de propinas. Em algumas delas são sublinhados apelidos que seriam atribuídos a Alckmin e a seus assessores e tesoureiros de campanha, mas não existe menção alguma a contas bancárias em nome do tucano nem extratos bancários ligando os pagamentos a ele. Para os promotores, no entanto, “há uma correlação lógica e objetivamente racional entre a solicitação, o recebimento e o pagamento da vantagem indevida para Geraldo Alckmin”.

O ex-governador saiu dos holofotes e da vida política após a derrota acachapante no pleito de 2018, no qual nem sequer foi ao segundo turno e teve a pior votação da história do PSDB em eleições nacionais dos últimos anos. O fracasso nas urnas também marcou seu rompimento com João Doria, de quem foi padrinho político, a quem acusou de tê-lo traído ao endossar a campanha de Jair Bolsonaro. Após ser eleito para o Palácio dos Bandeirantes, Doria assumiu o papel de renovação do partido e cunhou o termo “novo PSDB”, em oposição ao velho, de Aécio Neves, Serra e Alckmin.

Atualmente Alckmin vinha fazendo participações em programas televisivos focados em saúde —ele é médico de formação—, mas iria coordenar o plano de Governo e a campanha do prefeito Bruno Covas, que disputará as eleições municipais deste ano. Covas anunciou nesta quinta-feira que o ex-governador pediu para se afastar dessas iniciativas para que pudesse cuidar de sua defesa. “Acredito na inocência de Alckmin”, disse o prefeito. A denúncia tem potencial de tornar o ex-governador tóxico para os candidatos do PSDB no pleito e afastá-lo de vez da política.

Segundo o MP, os recursos recebido por Alckmin “não foram registrados nas prestações de contas do candidato, que solicitou e recebeu vantagem indevida, paga pelo setor de operações estruturadas da Odebrecht a partir do emprego de métodos ilícitos como uso de ‘doleiros’, com o fim de ocultar a origem dos valores e dificultar a possibilidade de seu rastreio”, diz trecho da denúncia obtida pelo jornal O Estado de S. Paulo. Este departamento da empreiteira ficou conhecido como o setor de propinas. Além do ex-governador, foram foram denunciados o ex-tesoureiro do PSDB Marcos Monteiro, que teria intermediado os repasses em 2014, e um ex-assessor de Alckmin. O responsável por articular os pagamentos em 2010 seria, de acordo com a Promotoria, Adhemar César Ribeiro, cunhado do ex-governador, que não foi alvo de acusação por ter mais de 70 anos, logo os possíveis crimes cometidos por ele estariam prescritos.

Em nota, a defesa de Alckmin informou que “lamenta a denúncia oferecida” e diz que o ex-governador “jamais foi procurado pelas autoridades policiais para se manifestar a respeito dos fatos”. Ainda segundo o texto, “as apressadas conclusões do inquérito são infundadas e não encontram suporte nos fatos. Por isso, confiante na Justiça, responderá aos termos da denúncia, seguro de que não praticou qualquer ilícito, até porque nunca recebeu valores a título de contribuição de campanha eleitoral que não tenham sido devidamente declarados. Nem, tampouco, praticou qualquer ato de corrupção durante mais de 40 anos de vida pública”.

O presidente do diretório estadual do PSDB, Marco Vinholi, endossou o argumento da defesa de Alckmin: “Em seus mais de 40 anos de vida pública, Alckmin manteve uma postura de retidão e respeito à lei sem jamais abrir mão dos princípios éticos e de seu compromisso em servir ao setor público e ao cidadão. Acreditamos na Justiça e temos convicção de que, ao final do processo, os fatos serão devidamente esclarecidos”.

Tucanato precisa higienizar o seu salão de festas

Num intervalo de seis anos, o PSDB desceu da antessala do poder para o inferno. Na sucessão presidencial de 2014, Aécio Neves teve uma derrota com fragrância de vitória. Obteve um segundo lugar com notáveis 51 milhões de votos. Parecia fadado a se eleger presidente na eleição seguinte, em 2018. Mas virou um colecionador de processos criminais. Depois disso, vieram o derretimento moral de José Serra e a corrosão ética de Geraldo Alckmin.

Aquele PSDB que fazia pose de diferente morreu. A formalização da denúncia contra Alckmin, paradigma de honestidade do tucanato, tem o peso de uma lápide. Antes mesmo da emissão de uma sentença condenatória, foi concluída a cerimônia fúnebre daquele partido fundado em 1988 por Franco Montoro, Mario Covas e Fernando Henrique Cardoso a partir de uma dissidência do PMDB. Esse PSDB que perambula pela conjuntura como se nada tivesse sido descoberto não se distingue do lixão em que se transformou o sistema partidário brasileiro.

Nada mais simbólico do que o afastamento de Alckmin da coordenação do programa de governo da campanha à reeleição de Bruno Covas para prefeitura de São Paulo. Alckmin ganhou visibilidade na política quando foi eleito vice-governador na chapa de Mario Covas, em 1994. Ganhou luz própria, tornando-se o político que por mais tempo governou São Paulo.

Alckmin disputou a Presidência pela primeira vez em 2006. Perdeu no segundo turno para um Lula pré-Lava Jato. Voltou às urnas presidenciais em 2018, quando as acusações agora convertidas em denúncia chegaram ao noticiário. Amargou uma humilhante quarta colocação. Agora, convertido pela Lava Jato em aliado tóxico, Alckmin é retirado da vitrine por Bruno Covas, neto do seu mentor.

Com seus três ex-presidenciáveis no caldeirão, o PSDB —ou o que restou do partido— se equipa para comparecer à sucessão de 2022 representado pelo atual governador de São Paulo, João Doria. É difícil levar a sério a preparação de uma festa que começa sem uma faxina do salão de festas. Seria indispensável limpar a sujeira que vaza pelas bordas do tapete, desentortar o abajur e retirar as pessoas indesejáveis que se escondem atrás do sofá. Sem isso, o eleitor terá dificuldade para distinguir os tucanos limpinhos dos que se lambuzaram na festa anterior.


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