20/04/2024 - Edição 540

Poder

O governo entrega os índios e quilombolas à própria sorte

Publicado em 10/07/2020 12:00 -

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De Bolsonaro não se espere atos de bondade – não é sua praia. Nem mesmo de justiça em certas situações. O coronavírus o pegou, abalando sua saúde de atleta. Mas ele não está nem aí para que a doença contamine os milhares de índios que ainda restam no país.

Ao sancionar o projeto de lei aprovado pelo Congresso, de autoria de 24 deputados do PT, PCdoB, DEM, PSOL e PSB, que cria o Plano Emergencial para Enfrentamento à covid-19 nos Territórios Indígenas, ele vetou os seguintes trechos:

+ trecho do texto que previa que o Governo seja obrigado a fornecer “acesso a água potável”;

+ trecho que previa a distribuição de cestas básicas e “distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e de desinfecção para as aldeias”;

+ trecho que garantia “a oferta emergencial de leitos hospitalares e de terapia intensiva”, e a compra de “ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea”.

+ trecho que obrigava o governo a liberar verba emergencial para a saúde dos indígenas;

+ e trecho que previa a instalação de internet nas aldeias indígenas.

O motivo dos vetos? Tais medidas criariam “despesas obrigatórias” sem demonstrar o “respectivo impacto orçamentário e financeiro, o que seria inconstitucional”.

Ocorre que no final de março, o Supremo Tribunal Federal atendeu a um pedido da Advocacia Geral da União (AGU) e autorizou o governo a descumprir leis orçamentárias para gastar o necessário em medidas de combate à pandemia.

Ao todo, o coronavírus já matou 445 índios e 12.048 foram infectados, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Cerca de 120 ou mais povos já foram afetados pela pandemia. Em socorro deles, o Congresso poderá derrubar os vetos.

O PL

No final de março, o Supremo Tribunal Federal, por meio de decisão do Ministro Alexandre de Moraes, atendeu uma solicitação da Advocacia Geral da União (AGU) e autorizou o Governo a descumprir leis orçamentárias para gastar o necessário em medidas de combate à pandemia. Juliana Damasceno, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), considera que, uma vez reconhecido o estado de calamidade pública frente à crise sanitária, o Governo poderia, sim, incluir em seus gastos as medidas vetadas. “Uma possibilidade é abrir créditos extraordinários, algo que vem sendo feito em outros casos. Ao meu ver, a base legal para aprovar o auxílio emergencial, por exemplo, é a mesma para implementar medidas como essas”, explica.

Ao todo, 445 indígenas já faleceram por covid-19 no país e 12.048 foram infectados, de acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que indica que 124 povos já foram afetados pela pandemia. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde —que não inclui dados dos indígenas que vivem em áreas urbanas— contabiliza apenas 184 óbitos e 8.098 casos confirmados. De acordo com a Apib, a mortalidade pelo coronavírus entre esses povos é de 9,6%, enquanto na população brasileira em geral é de 5,6%. Um estudo da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), em parceria com o Ministério da Saúde, revelou que a prevalência da covid-19 entre a população indígena urbana (5,4%) equivale a cinco vezes a encontrada na população branca (1,1%).

Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), considera os vetos de Bolsonaro uma “aberração em vários níveis”. “Primeiro, o Executivo se omitiu na atenção a essas populações na pandemia, e o Congresso que teve que se mobilizar para propor um plano emergencial. Agora, o presidente responde com 16 vetos, é muito chocante”, comenta ao EL PAÍS. Santilli lembra que os povos tradicionais, em sua grande maioria, vivem em áreas remotas do país e têm maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde.

“Bolsonaro está rasgando o texto Constitucional, que garante direitos básicos, como o acesso à água e saúde e concretiza a institucionalização de sua política genocida. O presidente apenas deixou público e notório que declarou os povos indígenas como seus inimigos”, afirma Dinaman Tuxá, coordenador da Apib. Ele diz que as lideranças continuarão o diálogo com os parlamentares para que o Congresso Nacional derrube os vetos do presidente.

Medidas aprovadas

O texto aprovado pelo Executivo garante equipes multiprofissionais de saúde indígena, qualificadas e treinadas para o combate ao novo coronavírus, que devem disponibilizar locais adequados para a quarentena dos infectados e equipamentos de proteção individual (EPIs) às comunidades; disponibilização de testes de covid-19, medicamentos e equipamentos médicos adequados para o combate à pandemia e garantia de financiamento e construção de casas de campanha para o isolamento de indígenas nas comunidades. O pacote de medidas também garante que o atendimento aos indígenas que não vivem em comunidades ou aldeias deve ser realizado através do SUS, com adaptações na estrutura para respeitar “as especificidades culturais e sociais dos povos”.

O ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso determinou na quarta-feira (8) que o Governo deve adotar cinco medidas para proteger os povos originários e mitigar a letalidade do novo coronavírus entre eles. Barroso institui que o Executivo de Bolsonaro deve criar uma Sala de Situação, uma espécie de gabinete de crise, com participação de comunidades indígenas, da Procuradoria Geral da República (PGR) e da Defensoria Pública da União (DPU), para a gestão das ações de combate à pandemia entre povos indígenas em isolamento ou de contato recente. Os membros deverão ser escolhidos no prazo de 72 horas a partir da ciência da decisão, e a primeira reunião virtual deve ocorrer em até 72 horas depois da indicação dos representantes.

Barroso também determina que o Governo, a partir desse gabinete, elabore em 10 dias, contados a partir da notificação sobre a decisão, um plano de barreiras sanitárias em territórios indígenas. O Governo também terá 30 dias para elaborar um Plano de Enfrentamento da covid-19 para esses povos e estabelecer medidas de contenção e isolamento de invasores em relação a terras indígenas, além de garantir o acesso ao Subsistema Indígena de Saúde, independente da homologação das terras ou reservas indígenas. “Na atual situação, em que há uma pandemia em curso, os povos em isolamento e de contato recente são os mais expostos ao risco de contágio e de extinção”, escreveu Barroso, que solicitou que a questão seja incluída na pauta de julgamentos de agosto do STF, quando o tribunal retornar do recesso.

A AGU informou não haver omissão do Governo federal na adoção de medidas de enfrentamento à pandemia em comunidades indígenas. O órgão também afirmou que medidas de saúde e segurança estão sendo regularmente desempenhadas pelo poder público.


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