24/04/2024 - Edição 540

Poder

Veja as contradições que Bolsonaro precisará esclarecer em depoimento sobre interferência na PF

Publicado em 03/07/2020 12:00 -

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O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou na quinta-feira (2) ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer recomendando que o presidente Jair Bolsonaro preste depoimento à Polícia Federal (PF), desde que possa escolher se responderá às perguntas por escrito ou pessoalmente. Se a opção for a segunda, Aras afirmou que caberia ao presidente escolher horário e local. O PGR também lembrou que Bolsonaro também pode permanecer em silêncio diante dos investigadores.

No depoimento que deve prestar em breve, o presidente terá que explicar as contradições entre seus argumentos de defesa e as provas colhidas no inquérito que apura sua suposta interferência na PF. Elas fragilizam a versão dele para os fatos. A investigação foi aberta a partir de acusações do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro. Quando anunciou sua demissão do cargo, em abril, Moro disse que Bolsonaro tentou interferir na corporação ao demitir o diretor-geral e cobrar a troca no comando da Superintendência no Rio de Janeiro. Veja o que o presidente precisará esclarecer.

No dia 15 de maio, o presidente declarou que estava preocupado com a segurança de seus familiares ao falar na reunião ministerial do dia 22 de abril sobre problemas na segurança e que queria trocar a equipe.

“A interferência não é nesse contexto da inteligência, não. É na segurança familiar. É bem claro”, disse Bolsonaro.

O inquérito da PF registra, no entanto, um ofício do Gabinete de Segurança Institucional apontando que nunca houve “óbices ou embaraços" para troca na segurança. Informou ainda que o chefe da segurança pessoal do presidente no Rio foi trocado em março, um mês antes da reunião gravada em vídeo.

Relatórios

O presidente reclamou, na mesma reunião do dia 22 de abril, que não tinha informações das áreas de inteligência, citando a PF e outros órgãos.

“Não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações. Eu tenho as… as inteligências das Forças Armadas que não tenho informações”, disse.

No inquérito da PF, há dados apresentados pelo diretor da Abin mostrando que presidente e ministérios receberam 1.272 relatórios de inteligência em 2019 e 2020. A PF enviou 65 relatórios desse tipo.

Produtividade

Em agosto de 2019, Bolsonaro declarou publicamente que estava insatisfeito com a produção da Superintendência da PF no Rio.

“Todos os ministérios são passíveis de mudança. Vou mudar, por exemplo, o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Motivos? Gestão e produtividade”, pontuou.

Dados da produtividade da PF mostram, porém, que a Superintendência fluminense havia melhorado seu índice produtivo em 2019 e atingiu sua melhor performance em julho daquele ano, um mês antes de Bolsonaro anunciar a troca.

Motivação

Bolsonaro declarou em maio deste ano que não estava preocupado com a PF, nem nunca esteve. Ele chegou a dizer que a a corporação nunca investigou ninguém de sua família. Mas procuradores obtiveram cópia de inquérito que tramitou no Rio e investigou suspeitas de lavagem de dinheiro do senador Flávio Bolsonaro. O caso foi arquivado pela PF após a realização de poucas diligências, sem quebras de sigilo.

Alexandre de Moraes prorroga inquérito das fake news no STF

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes prorrogou por mais 180 dias as investigações que acontecem no chamado inquérito das fakes news, que apura notícias falsas e ameaças contra os ministros da Corte. 

A decisão consta em um despacho proferido por Moraes na quarta-feira (1º), dia em que começou o recesso das atividades do Judiciário. Inicialmente, as investigações deveriam durar até o dia 15 de julho.

“Considerando a necessidade de prosseguimento das investigações e a proximidade do recesso, nos termos previstos no art. 10 do Código de Processo Penal, prorrogo por mais 180 (cento e oitenta) dias, a partir do encerramento do prazo anterior (15 de julho), o presente inquérito”, diz o documento. 

Análise

Vistas separadamente, as aflições ético-jurídicas dos membros do clã Bolsonaro são infecções decorrentes da falta de higiene política. Juntas, as agonias do pai e dos seus três filhos com mandatos eletivos compõem uma espécie de pandemia familiar na qual os membros da dinastia contagiam-se uns aos outros.

Investigado no Supremo, Jair Bolsonaro pede para ser interrogado por escrito. Esquadrinhado na primeira instância num caso de rachadinha estadual, o senador Flávio Bolsonaro busca refúgio no foro privilegiado. Às voltas com uma rachadinha municipal, o vereador Carlos Bolsonaro perde o privilégio e desce para mesa de um juiz de primeiro grau.

Se tudo isso fosse pouco, o deputado Eduardo Bolsonaro achou que seria uma boa ideia anunciar que vem aí um "momento de ruptura" institucional. Falta apenas definir quando virá. Até Augusto Aras notou que não pegou bem. Abriu na Procuradoria uma investigação para apurar se houve atentado contra a democracia.

O que há de comum nos quatro casos é que nenhum deles precisava ter acontecido. Bolsonaro não precisava empurrar Sergio Moro para fora do governo. Ao converter o ministro em delator expôs o plano de intervir na PF para evitar o surgimento de "sacanagem" contra o primogênito e o amigo Fabrício Queiroz.

Flávio não precisava ter empurrado sua rachadinha para dentro da Presidência do pai. Bastaria ter levantado o tapete do seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio em dezembro de 2018, quando as manchetes começaram a perguntar: "Onde está o Queiroz?" Doeria, mas o estrago político seria menor.

Carlos não precisava repetir o irmão mais velho. Se adotasse para si os princípios morais que cobra dos adversários, teria dito em casa que assombrar a folha salarial do gabinete de vereador com parentes da ex-mulher do seu pai não pegaria bem.

Quanto a Eduardo, suposto ideólogo do clã Bolsonaro, ele não precisava fornecer ao procurador-geral da República evidências do déficit que carrega entre as orelhas. Complicou-se ao tentar expressar com palavras uma ideologia cuja principal característica é a ausência de ideias.

Desde a chegada da pandemia do coronavírus, Bolsonaro vive assombrado pela sensação de que a ruína econômica pode acabar com o seu governo. Livrou-se de dois ministros da Saúde; ornamentou aglomerações golpistas, uma delas na frente do QG do Exército; expulsou da Esplanada o ex-juiz da Lava Jato; e trocou um desastre por um currículo fake na Educação.

Quando parecia que estava fora de controle, o capitão resolveu trocar a teatralidade radical pela cenografia da moderação. Parece ter notado que a primeira-família encontra-se plugada num respirador judicial. Ainda não se sabe qual será a dimensão do estrago a ser produzido pela pandemia que se abateu sobre o clã presidencial. Mas o súbito comedimento de Bolsonaro indica que pode não ser uma gripezinha.


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