27/04/2024 - Edição 540

Poder

Brasil se tornou pária internacional, sem aliados nem simpatias

Publicado em 03/07/2020 12:00 -

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Nada ilustra tão claramente a perda de soft power pelo Brasil quanto a resistência crescente na Europa contra o acordo de livre-comércio Mercosul-União Europeia e o desmatamento da Amazônia. Três parlamentos nacionais europeus votaram contra a ratificação. Centenas de ONGs protestam contra a cooperação com a América do Sul, sobretudo por causa do Brasil. Bancos, fundos e empresas querem retirar seus investimentos se os incêndios na região amazônica não diminuírem.

É inegável: no momento, criticar abertamente o Brasil vale a pena. Com isso, se conquistam votos entre eleitores, empresas ganham clientes, e organizações não governamentais angariam doações e atenção. Isso mostra que a imagem do Brasil nunca foi tão ruim como agora – algo que sairá caro para o país.

É uma questão de "poder suave"– ou melhor, da perda dele. Nas décadas desde o retorno à democracia, em 1985, o Brasil pôde acumular uma reserva considerável de soft power – termo cunhado pelo cientista político americano Joseph Nye para designar a influência que um país exerce no mundo sem empregar incentivos econômicos ou poder militar.

O Brasil sempre utilizou seu soft power estrategicamente. Com destreza de negociação e diplomacia, os governos democráticos ampliaram sua influência mundial. Por certo tempo, o país jogou numa liga da política internacional mais elevada do que lhe permitiriam seu poder econômico ou potencial de ameaça: na discussão do clima, no livre comércio, na defesa dos direitos humanos, no combate à pobreza, na política global de saúde, mesmo na crise financeira de 2008, o Brasil sentou-se à mesa de negociações junto com as grandes potências.

Pela capacidade de falar e se entender com todos, o Brasil tinha influência. Por isso, o politólogo Parag Khanna já o via como um dos ganhadores da globalização; todas as potências queriam tê-lo como parceiro, por ser capaz de impulsionar ou restringir o êxito delas. Além disso, o Brasil era uma nação cultural e esportiva admirada em todo o mundo, um cobiçado destino de viagens e de residência para muitos. Também isso constituía o soft power brasileiro.

Mas esses tempos se foram. "Poucos países perderam tanto a reputação como o Brasil", comenta Rubens Ricupero, jurista e ex-embaixador. Sob a ditadura militar, a imagem do país no mundo era igualmente ruim, mas em compensação a economia nacional apresentou crescimento recorde.

O rebaixamento começou com os grandes escândalos de corrupção, que atravessaram toda a América Latina e lançaram uma sombra retroativa sobre os governos Lula e Dilma. A eleição do populista de direita Jair Bolsonaro como presidente acelerou o declínio. Seus permanentes ataques à democracia, sua governança caótica, a persistente crise econômica, e agora, acima de tudo, a má gestão da crise da covid-19, colocando o país no segundo lugar de casos confirmados e mortes: tudo isso transformou o Brasil num pária do mundo. Sem aliados, sem simpatias.

Os custos dessa perda de soft power já se fazem sentir desde já: há poucos dias, 29 bancos e fundos globais enviaram uma carta aberta ao governo brasileiro. Administradores de um total de 3,75 trilhões de dólares em ativos, eles expressaram apreensão pelo aumento do desmatamento na Amazônia e o declínio da política ambiental e de direitos humanos.

Desse modo, os protagonistas financeiros reagiram à pressão de seus acionistas. Para eles, uma política agrária justa, a proteção da floresta tropical, de minorias e indígenas e uma política de gênero são base para seus investimentos no Brasil – senão, vão retirar seu capital.

Serão necessárias décadas para recuperar essa confiança.

Ernesto

O ministro da Relações Exteriores, Ernesto Araújo, está coletando com urgência, em diferentes áreas do Itamaraty, relatório de suas realizações desde 2019.

Vários diplomatas passaram o dia na tarefa de compilação de “dados positivos”.

O pedido foi visto pelos corredores do órgão como uma tentativa do ministro de se blindar da pressão da ala militar pela sua saída.

Araújo conseguiu se cacifar junto ao presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido-RJ) ao alinhar o Itamaraty a um grupo de governantes de direita liderados pelo presidente dos EUA, Donald Trump.

A guinada na política externa, no entanto, encontrou resistências entre militares do Planalto e é questionada por acadêmicos, que preferem uma abordagem mais pragmática, mas tem forte apoio no núcleo ideológico do governo, principalmente entre os seguidores do astrólogo Olavo de Carvalho. 


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