16/04/2024 - Edição 540

Campo Grande

Flexibilizações do isolamento decretadas por Marquinhos Trad impulsionaram casos de covid em Campo Grande, dizem especialistas

Publicado em 01/07/2020 12:00 -

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Campo Grande iniciou o mês de junho com 312 casos positivos do novo coronavírus. No último dia 30, o número era de 2.168, um aumento de 594% em 30 dias.

O secretário estadual de Saúde, Geraldo Resende, adverte que esse crescimento exponencial vai fazer com que sejam necessários leitos clínicos de terapia intensiva (UTIs) em um número muito maior do que o sistema de saúde pode oferecer a população.

Para especialistas em epidemiologia, os números chegaram a esse patamar graças as sucessivas flexibilizações das normas de isolamento decretadas pelo prefeito Marquinhos Trad (PSD).

“Todo e qualquer movimento. Toda e qualquer atividade que aglomere pessoas, que aproxime pessoas em um espaço relativamente pequeno, fechado ou não, poderá contribuir de forma marcante ou não para a transmissão do vírus naquele conjunto de pessoas, caso exista alguma pessoa infectada”, alerta o médico infectologista Rivaldo Venâncio da Cunha, coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz.

O pesquisador da Fiocruz e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Júlio Croda, disse que antes de flexibilizar as restrições deveria ter havido mais estudo e planejamento.

“Poderiam ser melhor planejadas as flexibilizações. Vimos, semana a semana, uma flexibilização dessas medidas sem uma análise epidemiológica do aumento da taxa de contágio e de uma projeção adequada em termos de utilização de leitos de terapia intensiva”, comentou.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), são três os critérios analisados para a adoção de medidas de flexibilização.

O primeiro é estar com percentual de positividade dos testes abaixo de 5% e em uma curva decrescente. O boletim epidemiológico da secretaria municipal de Saúde de Campo Grande (Sesau), mostra que no dia 29 de junho a cidade tinha 7% de exames positivos nos testes feitos no drive thru.

Outro critério é a demanda de leitos hospitalares. A oferta tem que ser maior que o número de pacientes que precisem desse cuidado. Segundo a secretaria estadual de Saúde (SES), a capacidade ocupada de leitos de UTI do Sistema Único de Saúde (SUS) é de 67%. Com 80% a situação já é considerada crítica.

E último critério é o conhecimento da cadeia de transmissão, ou seja, identificar todas as pessoas que tiveram contato com o doente, para saber de quem ele pegou o novo coronavírus, algo impossível, segundo Rivaldo Venâncio, quando a quantidade de casos é alta.

“Ou seja, as premissas para que as flexibilizações sejam dadas com maior segurança, a meu ver, ainda não estão dadas”, enfatizou o coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz.

Na contramão das orientações dos especialistas, o prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad, decretou várias flexibilizações nos últimos 15 dias. Nesse período, os números de casos confirmados de covid-19 na cidade dispararam. Somente na semana passada, foram 833, mais que o dobro do registrado desde o início da pandemia.

Entre as medidas que ajudam a piorar os índices já baixos, de cerca de 41% no isolamento social estão:

– Aumento da capacidade de funcionamento das academias de 30% para 60% da lotação;

– Permissão da circulação de ônibus interestaduais na rodoviária;

– Aumento de passageiros em pé nos ônibus articulados;

– Funcionamento dos restaurantes self-services e a permissão para prova de roupas no comércio.

“A tomada de decisão é diária. O fato de dar um passo à frente, um passo atrás, isso faz parte da estratégia de quem está monitorando diariamente os números”, disse o secretário municipal de Saúde, José Mauro Filho.

No dia 24 de junho, Marquinhos Trad ampliou o toque de recolher para tirar as pessoas das ruas, mas 48 horas depois, flexibilizou a própria determinação.

O novo decreto deu uma hora a mais para que as pessoas “curtissem à noite”. Passou a valer não mais das 22h, mas sim, das 23h às 5h.

“Nós nos reunimos com a equipe técnica e os epidemiologistas, os cientistas e os infectologistas afirmaram a nós que, sendo 22h ou 23h, esse tempo de 60 minutos não seria tempo precípuo para disseminação do coronavírus”, explicou o prefeito.

A última flexibilização foi naquela que é considerada a “única vacina” existente contra o novo coronavírus: as máscaras de proteção.

Em alguns casos, como na prática de atividades físicas, dentro de academias e, nos veículos, o item passou a ser apenas recomendado e não obrigatório. Em restaurantes e praças de alimentação nem é exigido.

No último dia 30, Campo Grande voltou a ter mais casos que Dourados, que é considerada o epicentro da doença em Mato Grosso do Sul. Foram 140 na capital e 49 no município do sul do estado.

“Essa escalada de números de novos casos, ela poderá vir acompanhada de escala de mortes. Como nós observamos em outras regiões do país e em outras regiões do mundo”, alertou médico infectologista Rivaldo Venâncio.

Outro especialista, Júlio Croda, reforça esse aviso. “Se mantiver esse ritmo, no mês de julho não haverá mais vaga em terapia intensiva para atender os pacientes com covid, assim como aconteceu com Cuiabá e todo o estado de Mato Grosso, nosso vizinho”.

Em contrapartida, o prefeito de Campo Grande espera que as projeções dos especialistas não se concretizem. “Uma previsão que esperamos que não aconteça, até porque eles são cientistas e não futurólogos. Todavia, nós estamos extremamente cautelosos e precavidos”.

O secretário municipal de Saúde diz que a cidade tem se preparado para evitar uma situação crítica. “Campo Grande tem se preparado para que isso não ocorra em relação a um colapso de leitos. Nós estamos desde o início de fevereiro contratualizando leitos, tanto na rede pública, na rede filantrópica e na rede privada”, disse.

Ao falar se sabia que era o responsável pela questão dos leitos, caso ocorra uma falta dessas unidades com o colapso no sistema de saúde, Trad disse que “todas as decisões tomadas pela prefeitura de Campo Grande são baseadas na ciência e têm a responsabilidade de técnicos qualificados e competentes”.

O pesquisador da Fiocruz e professor da UFMS, Julio Croda, por sua vez, afirmou que responsabilidade por essa questão é do gestor público. “Tem de ficar claro para o gestor que isso é responsabilidade dele. Se faltar leito de terapia intensiva por conta de uma decisão inadequada da manutenção dos serviços não essenciais não abertos. O que nós temos aí, do ponto de vista científico e técnico, nós podemos responsabilizar o gestor, porque o gestor sabia que iriam faltar leitos de UTI e mesmo assim não tomou as medidas necessárias”, concluiu.

Leito de UTI é fundamental

Edgard das Neves Pereira, de 51 anos, contraiu a covid-19, teve o quadro de saúde agravado e se recuperou somente depois de passar um longo tempo internado em um leito de UTI. Ele destaca a importância de ter disponibilidade desse tipo de leito para atender aos pacientes.

“O importante de todo o tratamento foi ter leito de UTI disponível. Eu fiquei 21 dias em coma e mais 6 dias em observação. Foi muito importante. Eu me sinto até um privilegiado, porque fui um dos primeiros, logo no começo da pandemia. Eu tive a sorte de ter leitos disponíveis..Se não tivesse esse leito eu teria morrido”, afirmou.


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