29/03/2024 - Edição 540

Poder

No inquérito da PF, Bolsonaro tornou-se prisioneiro de sua inverdade

Publicado em 26/06/2020 12:00 -

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No trecho predileto de Bolsonaro, o Evangelho de João anota: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." No inquérito sobre a tentativa de transformar a Polícia Federal em aparato político, o capitão tornou-se prisioneiro de uma inverdade. A partir de esclarecimentos prestados pelo general Augusto Heleno, amigo do presidente e ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, descobriu-se que Bolsonaro opera num mundo em que há duas verdades: a dele e a verdadeira.

Heleno informou à Polícia Federal que "não houve óbices ou embaraços" para a realização de substituições na equipe de segurança de Bolsonaro no Rio de Janeiro. Confirmou que houve três trocas. Com isso, virou farelo o argumento que Bolsonaro vinha esgrimindo de que se dirigia a Heleno, não a Sergio Moro, quando cobrou, na reunião ministerial de 22 de abril, mudanças na "segurança" do Rio de Janeiro.

Ficou entendido que Bolsonaro falava mesmo sobre Polícia Federal quando disse que não iria esperar pelo surgimento de "sacanagem" contra sua família e amigos para trocar o comando da "segurança" no Rio. "Se não puder trocar, troca o chefe dele. Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira", disse o presidente na fatídica reunião.

Bolsonaro se considera um bom presidente, acha que merece respeito. A Polícia Federal passou a considerar que ele merece um bom interrogatório. Nos próximos dias, o presidente passará por constrangimentos. A delegada federal Christina Correa Machado submeterá Bolsonaro a um interrogatório de suspeito clássico. Falta saber se o presidente será constrangido pessoalmente ou por escrito.

Guardadas as proporções, isso já tinha acontecido com Michel Temer, que também foi interrogado pela PF no exercício da Presidência. Esperava-se que Bolsonaro fugisse desse figurino. Mas o Brasil parece condenado a ser o mais antigo país do futuro do mundo.

Ministros enrolados

As mensagens de WhatsApp do celular de Sergio Moro deixarão o ministro Luiz Eduardo Ramos exposto no processo que investiga, no STF, a interferência de Jair Bolsonaro na Polícia Federal.

No dia 12 de maio, ao prestar depoimento a investigadores da Polícia Federal, o general disse “que desconhece que o presidente teria ou gostaria de ser informado sobre operações da Polícia Federal no Rio de Janeiro, tema este que também não foi tratado entre o depoente e o ex-ministro Sergio Moro”.

No WhatsApp, no entanto, Ramos mandou mensagens a Moro apelando para que o então chefe da Justiça tratando justamente do tema e intercedendo a favor de Bolsonaro, quando pede a Moro que “tenha sensibilidade com as preocupações de Bolsonaro no Rio”.

Pela conversa de Ramos, que trocou de celular nesta semana, tudo ficaria bem se Moro liberasse a PF do Rio a Bolsonaro.

Outro ministro enrolado nas novas mensagens é Heleno. No caso dele, o fato de ter dito no depoimento que não se lembrava de muitas coisas questionadas pelos investigadores sobre a interferência presidencial na PF livra de contradições com as mensagens do WhatsApp de Moro.


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