16/04/2024 - Edição 540

Poder

Frederick Wassef diz que escondeu Queiroz para ‘proteger’ Bolsonaro

Publicado em 26/06/2020 12:00 -

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Desde a prisão do policial aposentado Fabrício Queiroz, no último dia 18, o advogado Frederick Wassef perdeu o sono. Dono da casa em Atibaia onde o amigo de Jair Bolsonaro e faz-tudo do senador Flávio Bolsonaro foi detido, Wassef passa as noites em claro, trocando mensagens de texto por meio de dois aparelhos celulares dos quais não desgruda por nada. Durante o dia, alterna lampejos de euforia com mergulhos em momentos de depressão, nos quais sua verborragia incontida dá lugar a rápidas pausas — dramáticas, quase cênicas — para respiração. “Entrei em modo guerra. Quando isso acontece, viro o diabo”, disse em entrevista à revista Veja.

Hoje, a guerra dele parece perdida. Ao dar guarida a Queiroz, suspeito de ser laranja da família Bolsonaro, Wassef se viu obrigado a deixar a defesa formal de Flávio Bolsonaro no caso que apura um esquema de rachadinha no antigo gabinete do Zero Um na Assembleia Legislativa do Rio. Viu-se obrigado também a parar de declarar aos quatro cantos que é advogado de Jair Bolsonaro. Agora, quando perguntado sobre o assunto, silencia. A perda dessas credenciais, que lhe garantiam acesso aos palácios e prestígio, foi acompanhada de uma agravante: o risco de ser alcançado por uma medida judicial por tentar coagir ou controlar testemunhas.

A pessoas próximas, Wassef disse que se preparou para receber a visita da polícia. Curiosamente, enquanto essa preocupação o atormentava, chegou a se refugiar num hotel em São Paulo, para, conforme contou a amigos, fugir do assédio da imprensa. Mesmo com toda a exposição decorrente da prisão de Queiroz, o advogado alega que não fez nada de ilegal. Para ele, seu gesto deveria ser objeto de elogio, não de reprimenda. Sua tese é a seguinte: ao providenciar um esconderijo ao ex-policial, ele impediu que Queiroz, que estaria jurado de morte por “forças ocultas”, fosse assassinado. Além de salvar uma vida, evitou que a eventual morte fosse debitada na conta da família Bolsonaro, como uma ação de queima de arquivo. “O MP e a Justiça do Rio deveriam me agradecer por proteger uma testemunha importante.”

Não é fácil acreditar em todas as respostas de Wassef. Ele jura que não é o “anjo” que deu nome à operação que prendeu Queiroz e garante também que não contou aos Bolsonaro sobre o refúgio dado ao ex-policial. Afirma que após a prisão conversou com o presidente e o senador para explicar suas razões. Pediu desculpa pelo “erro”, mas ressaltou que agiu para protegê-los. O advogado não faz uma queixa aberta a seus antigos patrões, mas nos últimos dias foi tomado por reflexões sobre traição e lealdade. Acossado, descobriu-se só. Numa de suas pausas dramáticas, arriscou, num pensamento alto sobre manifestações públicas de apoio que esperava e não recebeu: “Não se deveria virar as costas para antigos aliados”.

O que ele disse

Wassef disse que ofereceu três opções de abrigo a Fabrício de Queiroz – “a casa em Atibaia, uma em São Paulo e outra no litoral” – por se sensibilizar com o ex-assessor de Flávio Bolsonaro pelo tratamento do câncer, uma questão “100% humanitária”.

“Eu fiz uma coisa, em princípio, 100% humanitária. Depois, descobri que ajudei a salvar a vida dele de outra maneira”, disse Wassef, ao revelar que teria descoberto um plano para assassinar Queiroz e colocar a culpa no clã Bolsonaro.

“Passei a ter informações de que Fabrício Queiroz seria assassinado. O que estou falando aqui é absolutamente real. Eu tinha a minha mais absoluta convicção de que ele seria executado no Rio de Janeiro. Além de terem chegado a mim essas informações, eu tive certeza absoluta de que quem estivesse por trás desse homicídio, dessa execução, iria colocar isso na conta da família Bolsonaro. Havia um plano traçado para assassinar Fabrício Queiroz e dizer que foi a família Bolsonaro que o matou em uma suposta queima de arquivo para evitar uma delação”, afirmou o advogado, que se afastou da defesa de Flávio Bolsonaro após a prisão de Queiroz.

Wassef diz ainda que omitiu de Jair e Flávio Bolsonaro que teria oferecido guarida a Queiroz, mas admite que tomou a atitude para defender ambos.

“Eu lhe garanto que eu nunca contei ao presidente Bolsonaro. Quando eu puder dizer os motivos, vocês vão me entender e vão me dar razão. É uma questão de segurança. Fiz para proteger o Flávio. Fiz para me proteger. Fiz para proteger o presidente. Então eu assumi um risco de fazer isso porque eu sei o que é melhor para o filho dele”.

Wassef ainda diz não ter dúvidas que a “operação hollywoodiana” realizada para prender Queiroz “nada mais foi do que uma cortina de fumaça para desviar a atenção do impeachment do governador [do Rio de Janeiro, Wilson Witzel], com a participação especial do governo de São Paulo [João Doria]”.

“Não há dúvida e é público que ambos os governadores permanentemente confrontam o presidente Bolsonaro. Mas não vou entrar em detalhes aqui”, disse Wassef.

Fator Flávio

O senador Flávio Bolsonaro vai se tornando um personagem paradoxal. A cada vitória judicial que ele conquista, fica mais parecido com um culpado. O primogênito do presidente da República revela-se capaz de tudo, menos de apresentar uma defesa consistente o bastante para enfrentar o mérito das acusações que fazem dele uma biografia em processo de decomposição.

Flávio pleiteava no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro duas coisas: foro especial e anulação do processo da rachadinha, com tudo que tem dentro dele —provas e decisões judiciais. Obteve uma vitória parcial. Conseguiu transferir a encrenca da mesa do juiz de primeira instância Flávio Itabaiana para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio, composto por 25 desembargadores. Essa migração é um escárnio.

A defesa de Flávio Bolsonaro alegou que ele tem foro privilegiado, porque era deputado estadual quando os crimes de que é acusado aconteceram. Por dois votos a um, a terceira turma do Tribunal de Justiça deu razão aos advogados do filho do presidente. A decisão é um escárnio porque não encontra respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O ministro Celso de Mello, decano da Suprema Corte, acaba de enviar para a primeira instância, o processo em que Abraham Weintraub é acusado de racismo. Fez isso porque Weintraub não é mais ministro da Educação. Portanto, perdeu a chamada prerrogativa de foro. Flávio Bolsonaro não é mais deputado estadual. Portanto, deveria ser julgado na primeira instância.

A vitória foi parcial porque permanecem intactas, por enquanto, as provas reunidas no processo e as decisões do juiz Itabaiana, incluindo a prisão de Fabrício Queiroz e o mandado que faz da mulher dele, Márcia Oliveira, uma foragida. Mas os advogados de Flávio já anunciaram que irão reiterar o pedido de anulação das provas, agora perante o Órgão Especial do Tribunal. Ali, será sorteado um relator.

Nas mãos do doutor Itabaiana, um juiz que mastiga abelhas, Flávio comia o pão que o Tinhoso amassou. Aos cuidados do futuro relator do Tribunal de Justiça, o Zero Um espera receber brioches. A tenacidade com que Flávio foge das explicações já ofende até o benefício da dúvida.

Análise

A prisão de Queiroz transformou Jair Bolsonaro em adepto do isolamento social. O presidente distanciou-se do próprio filho. Decorridos oito dias, não pronunciou em público uma mísera palavra de solidariedade a Flávio Bolsonaro. Pesquisa Datafolha divulgada na sexta-feira (26) revela que, por enquanto, a estratégia funcionou. O Queiroz-vírus ainda não infectou a imagem de Bolsonaro a ponto de enviar sua Presidência para um respirador.

A quantidade de pessoas que não acreditam no envolvimento de Bolsonaro no caso da rachadinha (46%) é superior ao número de eleitores que apostam que o presidente é cúmplice do primogênito (38%). Entre os que se declaram bolsonaristas, a confiança na isenção do presidente é quase absoluta. Oito em cada dez devotos de Bolsonaro declaram acreditar na inocência do mito.

Foi grande o interesse dos brasileiros pela transferência de Queiroz do cafofo mantido em Atibaia por Frederick Wasseff, ex-advogado dos Bolsonaro, para uma cela no Rio de Janeiro. Disseram ter tomado conhecimento da prisão 75% dos entrevistados. Desse total, 64% acham que Bolsonaro sabia do paradeiro de Queiroz. O próprio presidente falou sobre o tema numa live transmitida na semana passada. Associou a presença do amigo em Atibaia a um tratamento contra o câncer.

A despeito de tudo, a popularidade de Bolsonaro se manteve estável. Sua taxa de aprovação, que era de 33% no final de maio, escorregou para 32%. A reprovação oscilou de 43% para 44%. Bolsonaro vai se consolidando como o presidente de um terço dos brasileiros.

Os dados reforçam a impressão de que a blindagem anti-Queiroz, montada por Bolsonaro de improviso, surtiu efeitos. Além de tomar distância do próprio filho, o presidente exibe um comportamento inusual. Já não dá a mesma atenção ao cercadinho do Alvorada. Ergue a bandeira branca para o Legislativo e o Supremo.

Na live desta quinta-feira, após anunciar a prorrogação do pagamento do vale corona por mais três meses —"R$ 500, R$ 400 e R$ 300"— Bolsonaro pediu a um sanfoneiro que tocasse "Ave Maria" em homenagem aos mortos do coronavírus. Mais um pouco e acaba virando um ex-Bolsonaro.


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