24/04/2024 - Edição 540

Entrevista

Elizeu Dionízio – Vereador em Campo Grande (MS)

Publicado em 24/10/2014 12:00 -

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O vereador Elizeu Dionízio (SD-MS) disputou uma vaga para a Câmara Federal por Mato Grosso do Sul nas últimas eleições. Não se elegeu, mas obteve quase 40 mil votos. Com pouco mais de um ano e meio em seu primeiro mandato, o jovem vereador se firma como uma liderança entre os evangélicos. Membro da Igreja Assembleia de Deus, defende as causas que, crê, são abraçadas pela totalidade de seus companheiros de fé. Algumas são polêmicas, especialmente quando se trata dos direitos civis dos LGBT.

 

Por Victor Barone

O senhor teve uma votação expressiva nas eleições o que o classifica como uma nova liderança política entre o grupo que majoritariamente o apoia: a comunidade evangélica. Como o senhor avalia a presença desta fatia importante da sociedade brasileira no processo político?

A politica ela é o reflexo da sociedade e a sociedade brasileira vem passando por transformações. A Bíblia nos fala do sofrimento do povo na busca por Deus, e o nosso povo vem sofrendo. Por consequência disso, o provo cristão, evangélicos e católicos, vem crescendo. A pessoa, com uma necessidade pessoal, busca a igreja como amparo. Como este público vem crescendo, necessariamente cresce também a sua representação política. Fico feliz de poder representar este setor que vem tomando os espaços políticos. Me diga um malefício que o publico cristão possa trazer a sociedade? Pregamos o amor, o bem, a comunhão entre todos, os princípios que a sociedade de forma geral preconiza como conduta social. Creio que isso não vai parar por aí. Nos espaços do legislativo temos visto o crescimento das bancada cristã e da família. Sou um jovem de 32 anos, sem linhagem política, e tributo minha boa votação a Deus e a nossa comunidade da Assembleia de Deus.

Há quem questione a participação religiosa na política pelo temor de que regras de comportamento com base na fé, que deveriam ser restritas aos grupos que comungam destas crenças, sejam impostas à totalidade da sociedade.

Como democrata que sou, acho que o princípio da democracia é o contraditório. Você pode achar pessoas que discordam que médicos, advogados, maçons, funcionários públicos participem da política. A discussão democrática é assim. Tem um lado e o contraponto. As pessoas que pensam desta forma fazem parte do contexto democrático. Não concordo, pois acredito que lugar de advogado, médico, católico, evangélico, espírita, maçom é onde eles quiserem ir, contanto que se organizem. Se você tiver um grupo social organizado, você consegue fazer o que bem entender. Uma sociedade organizada alcança o objetivo que quiser. Assim funciona a democracia. Hoje, os evangélicos, por serem uma massa crescente na sociedade brasileira, têm se organizado para defender seus interesses e princípios dentro do poder público.

Há uma área de conflito muito clara entre as bancadas cristãs e outros setores da sociedade que defendem pautas como o aborto, os direitos civis para pessoas do mesmo sexo, a descriminalização das drogas, entre outros temas. Até que ponto o senhor considera que os direitos específicos de determinados setores da sociedade devem ser passíveis de discussão com base na fé?

Direito é a palavra que reflete todo este contexto. O meu direito acaba onde começa o seu, e o seu acaba onde começa o meu. A discussão, muitas vezes, é deturpada por agentes. Mas, conceitualmente você não tem como deturpar. A discussão sobre a união estável de pessoas do mesmo sexo, por exemplo. Os cristãos lutam para que não sejam privados de seus direitos religiosos, dentro de suas instituições. Hoje já existe o reconhecimento de que se pode ir a um cartório e registrar a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Este direito já foi adquirido. A briga deles agora é para entrar em nossas igrejas e receber as bênçãos.

Hoje já existe o reconhecimento de que se pode ir a um cartório e registrar a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Este direito já foi adquirido. A briga deles agora é para entrar em nossas igrejas e receber as bênçãos.

Mas esta não é a reivindicação. O Projeto de Lei dos deputados Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Érika Kokay (PT-DF) não se refere ao casamento religioso, mas ao casamento civil igualitário.

Se não há esta intenção então não há discussão. Não se pode afrontar nossas condutas e princípios. O preconceito é muito mais deles do que nosso. O reconhecimento de direitos é salutar e necessário.

Qual sua posição a respeito do pedido de concessão do titulo de utilidade pública municipal para a Associação das Travestis e Transexuais de Mato Grosso do Sul (ATMS), negado diversas vezes na Câmara Municipal de Campo Grande devido à ação da bancada evangélica e católica?

O que é que se exige de uma entidade do terceiro setor que peça o título? Qual a função do título? É dar a condição de receber recurso municipal para que se possa exercer função de reconhecimento e necessidade social. As ações deles estão na área da educação, com orientação sexual e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Você consegue ver este trabalho sendo feito pelo poder público?

Sim, mas o poder público não dá conta sozinho. Por isso a participação do terceiro setor.

Nesta legislatura nós já demos voto contrário a alguma instituições que queriam fazer ações que já eram englobadas pelo poder público, e não houve polêmica. Quando se nega a concessão para a ATMS se cria um conflito. Você não combate um preconceito com outro.

Mas há entidades religiosas que já receberam o título. Que trabalho uma entidade religiosa pode exercer para merecer um titulo de utilidade pública que já não seja feito pelo poder público?

Quantas clínicas de recuperação de dependentes químicos públicas existem hoje em Mato Grosso do Sul? Hoje temos propaganda nacional, estadual e municipal sobre doenças sexualmente transmissíveis. Temos ações do poder público nos três âmbitos do executivo sobre orientação sexual. Temos ações na saúde sobre promiscuidade. Ações fortes e com muito incentivo. Quanto é investido pelo poder público para os dependentes químicos? Hoje, quem faz o trabalho de recuperação de dependentes químicos no Brasil é a instituição religiosa. E há no senado um projeto de lei que diz que, independente da instituição que faça este trabalho, ela não possa mais falar de fé. Minha pergunta é: se eu faço um trabalho destes sem recurso público porque não posso falar de fé?

Quanto é investido pelo poder público para os dependentes químicos? Hoje, quem faz o trabalho de recuperação de dependentes químicos no Brasil é a instituição religiosa.

Uma coisa é fazer a recuperação do dependente químico, o que e fantástico, outra é fazer proselitismo religioso com dependentes químicos.

Isso não acontece. A palavra vem consentida. Você não consegue pegar uma fé e imputar em alguém. Mas você entra em uma escola e tem hora para entrar, sair, hora do recreio, do lanche, hora de cantar o hino. Dentro de uma instituição há sim o horário do culto. Mas dizer que o culto vai impor uma condição religiosa à pessoa…

Não há situações em que se atribui, por exemplo, a dependência química à própria falta de fé ou a fé em outra religião?

Não. Eu não conheço nenhuma instituição que tenha esta conduta.

Qual a sua posição sobre as propostas de descriminalização de algumas drogas?

Fico pensando o que leva uma pessoa a discutir este tema. É reconhecer a ineficiência do poder público, é aceitar que nós perdemos a guerra? Não creio que a liberação vá diminuir a criminalidade e o consumo. Qual o benefício então? A pessoa que propõe isso nunca esteve na ponta. Nunca recebeu uma ligação às 2h da manhã de uma mãe pedindo ajuda.

Qual sua posição sobre a Parada LGBT?

Qual o benefício social? Quais os custos para o serviço público, por exemplo, que há na marcha gay e na marcha evangélica? Quando acaba a marcha evangélica você não tem nenhum atendimento em posto de saúde, não damos ônus ao pode público, pois ninguém sai de lá bêbado, drogado ou exercendo conduta que possa trazer problemas. Nem efetivo de polícia é necessário, pois não há briga ou discussão. Dentro da marcha gay, e não digo que seja fato continuo, já aconteceu em Campo Grande de pessoas que buscaram o serviço de saúde, gerando ônus. Teve um caso de uma pessoa que chegou ao posto de saúde com um objeto inserido no corpo. Pararam um centro cirúrgico para fazer o procedimento. Gerou ônus ou não? Além destes ônus ainda querem recurso para realizar o evento?

Mas o senhor não acha que este exemplo generaliza um comportamento para a totalidade de uma comunidade?

Eu, de fato, tenho limitação em entender uma marcha que é feita com recurso publico e não traga benefício social a não ser o de expressão, que é de direito e deve ser respeitado. Mas este direito não pode ser extrapolado. Toda vez que tem marcha gay há casos de ônus para a saúde ou para a segurança. Uma pastelaria já foi depredada pelo fato dos donos serem evangélicos. Quer dizer que por ser evangélico já leva a pecha de homofóbico?

A criança vai para a escola para receber instrução, informação e não para ser incentivada em sua sexualidade.

A recíproca também é verdadeira. Não se pode atribuir a pecha de drogado, promíscuo ou violento a toda comunidade LGBT.

Sim. Tenho amigos homossexuais e que fazem um trabalho social lindo e ajudam no meu trabalho social também. Recebi apoio de parte deste segmento. Existem excessos. Não concordo, por exemplo, com o pastor que chutou a santa. Mas, não podemos, por conta destes excessos, dizer que todos os evangélicos são homofóbicos e todos os homossexuais promíscuos. Ninguém concorda com ditadura, seja ela religiosa ou gay. Cada um com seu direito.

A grande questão é em relação aos direitos civis, a tentativa de limitar os direitos de determinado grupo com base na fé.

O ser humano é forjado no seu caráter e personalidade desde pequeno. Quando você se torna homem no sentido social e responsável pelos seus atos você tem a sua conduta e princípios. Minhas condutas são baseadas nos princípios cristãos. O que eu não posso é tomar uma decisão somente com base na religião e não baseada no direito. Temos que fazer isso andar junto embora meu ponto de vista do direito esteja apoiado sobre meu principio cristão.

Recentemente a Câmara Municipal de Campo Grande foi palco para um debate acirrado sobre a questão da Quinta Gospel (evento idealizado para a música gospel). É papel do poder público colocar dinheiro em eventos religiosos específicos. E, se coloca, este evento não deveria contemplar todas as religiões?

Acredito que é papel do poder público colocar dinheiro na cultura. O que é evento é religioso? Por ser música gospel o evento passa a ser religioso? Hoje a música gospel, no que pese ela representar um segmento religioso, é cultura.

Mas se é cultura deve ser aberta a todas as religiões. Se o poder público vai financiar a vinda de um grupo evangélico, tem que permitir espaço para outras representações religiosas.

Concordo. Só não pode ser no mesmo evento. Temos o carnaval, que é cultura brasileira, financiada pelo poder público. Temos festa de Santo Antônio e São João, que são festas católicas, financiado pelo poder pública. Temos a Noite da Seresta, que é cultura.

Mas o senhor está misturando cultura com religião.

Não estou. A matriz de avaliação de quem é contra os evangélicos é que mistura as coisas.

Se vier o projeto Noite da Música Afrodescendente, não terei como dar um parecer contrário na CCJ. Agora, o meu voto no plenário ele é por representação. Votaria contra.

Como resolver a situação específica da Quinta Gospel? Tem que ter um dia para cada religião?

Não. Tem que ter um dia para o movimento que buscar o espaço. O público gospel e cristão se organizou, transformou a música gospel em cultura, reconhecido até pela presidente Dilma. A Quinta Gospel foi formatada para tocar música cristã. Gospel é o evangelho e evangelho só tem um, o de Cristo. Esta música tem um dia especifico. Músicas de matriz afrodescendente, eu entendo que o carnaval de certa forma já contempla. Mas, se criar fazer um dia especifico para isso, que busquem o espaço.

O senhor votaria a favor?

Não. Não represento este segmento. Mas o segmento tem o direito de pleitear. É a questão da representação.

Mas o senhor, como vereador, não deveria representar toda a sociedade?

Concordo. Tenho que olhar tecnicamente na Comissão de Constituição e Justiça, da qual sou membro. Se vier o projeto Noite da Música Afrodescendente, não terei como dar um parecer contrário. Agora, o meu voto no plenário ele é por representação. Temos uma discussão de representação sim, e não podemos nos furtar disso. Não comunga dos anseios do público que me colocou aqui, então eu voto contra.

Qual a sua opinião sobre políticas de orientação sexual nas escolas?

Existe na área da educação uma cartilha que quer fazer a orientação sexual de nossas crianças. Sou contra, não importa se esta cartilha fale se sexualidade hetero ou homo. A criança vai para a escola para receber instrução, informação e não para ser incentivada em sua sexualidade. Não concordo com esta vontade de ensinar nossas crianças sobre assuntos.  Sexualidade é a mãe e o pai que ensinam. Escola ensina instrução técnica. Princípios e valores são com os pais.

Por outro lado temos índices explosivos de gravidez na adolescência e de doenças sexualmente transmissíveis entre jovens. Orientação sexual e medidas como as máquinas de preservativos nas escolas secundárias não ajudariam a mitigar este cenário?

Há um ditado social que não pode ser aplicado na discussão parlamentar. Ele diz o seguinte: se não podemos vencer o inimigo nos unamos a ele. Eu não aceito isso. . Este discurso não pode caber em uma discussão séria. Não conseguimos ganhar do crime, vamos nos aliar a ele? Não conseguimos ganhar das drogas, vamos liberá-las?

Mas sexo não é crime.

Não. São exemplos. Quando eu falo destes exemplos estou exemplificando a conduta não o fato. O poder público está perdendo a guerra e a discussão sobre a sexualidade, então vamos aceitar a promiscuidade? Não concordo. Temos que arranjar meios e ferramentas para redirecionar a educação de nossos jovens para que esta promiscuidade diminua, até por que ela não traz benefício social nenhum. Hoje a promiscuidade impera. O ser humano perdeu seus valores e princípios. Não é moralismo não. Qualquer pessoa com o mínimo de juízo sabe que estamos perdendo as rédeas. As nossas crianças não vão para as escolas para receberem camisinha, mas para receberem instrução. Temos, sim, que ter uma educação de qualidade, pois sem isso sociedade nenhuma evolui. É preciso resgatar o sistema educacional para construirmos cidadãos de bem que, com seu juízo formado e livre arbítrio, possam decidir que condutas tomar. Aí vem o deputado federal Jean Wyllys dizer que o pedófilo contribui em muito para o desenvolvimento sexual das crianças. Este cara tinha que estar preso.

O deputado Jean Wyllys não disse isso.

Disse. Vamos procurar na internet. E aí vem falar que a gente incita algumas ações? Quem está incitando é ele, ele está falando de um crime. Não quero que minha filha seja abusada por um pedófilo para que ela tenha sua vida sexual iniciada.

(Nota da redação: a rádio CBN, veículo no qual o deputado Jean Willys teria feito a declaração citada pelo vereador Elizeu Dionízio, negou a existência de tal conteúdo. Veja aqui. O próprio deputado nega que tenha feito esta declaração. Veja aqui)

Ouça a entrevista na íntegra


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