24/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O Busão dos Bolsominions Arrependidos

Publicado em 17/06/2020 12:00 - Rodrigo Amém

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Você já deve ter recebido, via redes sociais, aqueles vídeos dos arrependidos da direita. Gente que apoiou a eleição deste governo e agora se declara dissidente. Você conhece os tipos. Aquela galera exótica que, nas melhores hipóteses, compartilhava o sofá do programa da Luciana Gimenez com o então deputado Jair Bolsonaro. Na pior, também.

O formato é típico, cada um dos personagens retratados é exibido em dois momentos: primeiro apoiando o candidato à presidente. Depois, meses mais tarde, questionando a índole, competência ou inteligência do presidente eleito. O vídeo viralizou por conta de um certo Schadenfreude político. "Olha só essa gente toda que quebrou a cara apoiando esse tosco."

Mas do que se arrependem, exatamente?

Do que se arrepende Lobão, que saiu do ostracismo cultural para lançar livros, e ser entrevistado em programas como o Roda Viva, como se fosse um personagem de relevância política no cenário nacional?

Do que se arrependeu Joice Hasselman, que era uma jornalista apagada, com acusações de plágio de textos de colegas, para um mandato de Deputada Federal com uma das maiores votações da história da Câmara?

Qual é o ressentimento de Janaina Paschoal, que de carreira modesta na academia ganhou status de liderança política em Brasília?

E o que dizer de Arthur Moledo do Val, Youtuber que virou deputado estadual e planeja se candidatar a prefeito da cidade de São Paulo? E Alexandre Frota, ator pornô aposentado transformado em parlamentar e comentarista político? E Kim Kataguiri? E Fernando Holiday? Que rusga que estes surfistas da onda reacionária nutrem contra o capitão do navio? 

Não se trata de um vídeo de arrependidos, mas de uma lista de apostadores contemplados. Para eles, Bolsonaro sempre foi isso: um veículo. Um ônibus barulhento rumo à praia badalada dos ricos e famosos. Uma vez instalados na areia, vão maldizer o transporte que os levou até o glamour. Mas não significa, necessariamente, que não repetiriam a viagem, se necessário fosse.

Mesmo entre os dissidentes que, aparentemente, caíram em desgraça, são inegáveis as benesses obtidas pelo governo que agora amaldiçoam. O PSL, por exemplo, deixou de ser uma legenda ridícula para ser uma legenda ridícula com representatividade. E mesmo o inexplicável ex-juiz federal Sérgio Moro abandonou o barco com pinta de próximo presidenciável do Brasil reacionário. 

Quem se arrependeu mesmo de ter apoiado Bolsonaro, quem perdeu direitos, quem viu seu voto utilizado para promoção de práticas facistóides, quem teve a morte de parentes desdenhada com uma frieza sociopática, quem sofre diariamente com a incompetência do governo que ajudou a eleger: esse arrependido não tem porque declarar tal frustração publicamente. Há um motivo para que crimes como o abuso sexual e o estelionato sejam subnotificados. Vivemos uma cultura que responsabiliza vítimas. Quem é traído, é "corno". Quem é lesado, é "otário". Quem é estuprada, "tava querendo". O mesmo acontece com eleitores, culpabilizados pelos fracassos de seus candidatos eleitos. Somos uma terra de cidadãos envergonhados e políticos sem-vergonha.

Daí, toda vez que me deparo com o tal vídeo dos "arrependidos", não vejo enganados, ultrajados, redimidos. Vejo ratos gordos pulando do naufrágio em busca de novas embarcações. Todos reclamando de barriga cheia.

Leia outros artigos da coluna: Meia Pala Bas

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *