18/04/2024 - Edição 540

Eles em Nós

Quando foi que começou a dar merda?

Publicado em 17/06/2020 12:00 - Idelber Avelar

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Não sei precisar quando começou a dar merda no Brasil, mas me lembro de quando o país começou a comemorar prisões como se, para a crise política, essas prisões pudessem ser saídas neutras, ou seja, administradas por Entidade Suposta Justiça. Isso aconteceu em meados de 15. Sim, eu sei que a Lava Jato já vinha efetuando prisões desde 14, mas foi depois do estelionato eleitoral que o país realmente se transformou em uma comunidade de paus duros e bocetas molhadas esperando a operação da PF a cada manhã.

Minha posição nesse tema tem se mantido a mesma: nunca escrevi uma linha comemorando a prisão de ninguém e nunca tomei o ato de prisão em si como revelador de nada–diferentemente dos idiotas que sempre tomam a prisão de seus líderes políticos como prova de uma conspiração maligna e sempre tomam a prisão dos líderes políticos dos outros como Expressão da Justiça. Por outro lado, nunca me permiti recriminar as pessoas que estão rindo e zoando da prisão de notórios pilantras. Nesse aspecto, como em muitos outros, sou bastante Live and Let Live.

Mas minha formação nessa casa de mãe Joana chamada Direito sempre me impediu de ter ilusões quanto ao Direito Penal como saída para problemas políticos. Isso sou eu. Ao escrever sobre a Lava Jato (no livro que ainda está inédito), perguntei algo simples: como é possível que na bibliografia lavajatista sobre a Lava Jato (escrita por: 1. jornalistas deslumbrados, 2. delegados semialfabetizados; 3. procuradores messiânicos), todos notem que a Lava Jato antecipou as armadilhas da Mani Pulite na qual se inspira e reconheceu que não tinha respostas a elas, e não concluam que ela teria, então, necessariamente, a mesma sorte que a Mani Pulite? Foi burrice, ignorância, má-fé, messianismo ou deslumbramento? Ou qual combinação dessas coisas?

Como a dicotomização do campo político emburrece, e as pessoas não teriam por que se lembrar do que todo mundo disse quando, registro que minha leitura da LJ nunca teve nada a ver com a petista. Pelo contrário, o campo petista (Jessé Souza, os "blogueiros progressistas", a pelegada do movimento de professores etc.) gritava, para quem quisesse ouvir, em 15 e em 16, que a LJ desapareceria quando Dilma caísse. Aconteceu o contrário: a LJ foi pra cima do pemedebismo, porque só assim, como operação político-jurídico-policial (a expressão que sempre usei para caracterizar a LJ), ela sobrevive. Como todo castigo para corno de político é pouco, foram os deputados petistas, ironia das ironias, os que salvaram Temer no Congresso.

Agora estamos em outro momento. O lavajatismo se aliou ao bolsonarismo, tensionou a corda, rompeu, e agora acossa-o de fora. Este se refugia nos militares e no olavismo, além, claro, da base popular oriunda dos dois partidos mais numerosos do bolsonarismo, o Partido do Boi e o Partido Teocrata. Esses dois, com amplas raízes no Brasil Profundo, continuam em grande medida bolsonaristas e imunes ao lavajatismo, que representa o setor da classe média em processo de ruptura com o mesmo bolsonarismo que ele havia abraçado.

Se a prisão de Queiroz servir para começar a desenrolar o novelo da queda do Minúsculo, é claro que está valendo. Mas, lembremos, se há uma coisa que o Brasil dos últimos seis anos ensina, é que é melhor a gente sempre estar preparado para o pior.

BOM DIA BRASIL

Bom dia, cidadão da única democracia do mundo sem titular na Saúde, na Cultura ou na Educação. É a terra arrasada bolsonarista.

LITERATURA

Isto aqui deu um trabalho do cacete, então façam o favor de usar. Esta lista já conhecida dos que considero os 200 maiores romances ocidentais está revisada com critérios explicitados em uma introdução e, mais importante, contém agora pelo menos 150 links para versões gratuitas das obras, quase todas em português.

Sim, isso mesmo, procurei, selecionei, catei e embuti os links para ebooks e PDFs de boa parte dos 200 romances que selecionei como os melhores do Ocidente. Usem à vontade e circulem o link.

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Os critérios são: qualidade (realização estética), influência (legado no cânone) e importância (que pode não ser redutível nem à qualidade nem à influência), combinados, claro, com minhas próprias idiossincrasias pessoais.

Para limitar estas últimas (se eu fizesse uma lista dos 100 melhores romances, 13 ou 14 seriam de James, 12 de Saer), ative-me ao critério de um máximo de 3 menções por autor.

Em geral, nessas listas, o romance europeu, especialmente de línguas inglesa e francesa, costuma estar sobrerrepresentado. Esta lista concede o protagonismo que julgo merecido à América Latina. Dez dos romances listados aqui são brasileiros. Doze são argentinos. Sete são mexicanos, e Colômbia, Peru e Uruguai estão representados por dois títulos cada. Há três romances cubanos.

Nessas listas do cânone romanesco, em geral, as autoras não perfazem mais que 5% a 10% do total (confiram a do Guardian). Esta lista traz 25% de livros escritos por mulheres, o que não é nenhuma maravilha, mas me permitiu incluir gente excepcional que não costuma entrar, como Octavia Butler, Ana Maria Gonçalves, Elena Ferrante e Daphne du Maurier (além das óbvias Austen, Woolf, Georges Eliot e Sand etc.).

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Estou muito feliz com os romances brasileiros que escolhi. São dez: GSV, Brás Cubas, Dom Casmurro, Perto do Coração Selvagem, Crônica da Casa Assassinada, Avalovara, Fogo Morto, Um Defeito de Cor, São Bernardo e Dois Irmãos. Eu já disse isso: se houver Criador com juízo final, devemos apresentar a imensidão de nossa música popular. Mas, se apresentarmos esses 10 romances, não passaremos vergonha.

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Trabalhei com mais cuidado, e mais critérios, o top 25. Se você não tem tempo nem pique para ler 100 romances, leia estes primeiros 25 desses dois prints, e você terá uma ideia bastante boa do melhor que fez a forma romance nestes últimos 450 anos. Com as exceções dos hispanos, todo o top 100 está linkado a excelentes (e gratuitas) traduções ao português.

AREJADA NA CONVERSA

O debate sobre bolsonarismo, dominado por categorias políticas e econômicas (o que não seria problema, se essas categorias não tivessem passado por forte processo de moralização no Brasil), precisava de categorias estéticas. E uma das pessoas que maneja categorias estéticas com mais desenvoltura, rigor e clareza na universidade brasileira é o Prof. Rodrigo Cássio Oliveira, da Federal de Goiás.

Achtung, OJO: "Kitsch" aqui não é categoria moral, é estética. Seus traços: a inadequação, a acumulação, a sinestesia, o meio-termo e o conforto. Está tudo explicadinho no vídeo, com imagens kitsch bem notáveis.

Há todo um campo de conversa sobre o que nos aconteceu politicamente emergindo aqui. Recomendo com ênfase o vídeo.

AJUDA NECESSÁRIA

Escrevo para pedir ajuda. Precisamos levantar algum dinheiro para os Kanamari, é urgente.

Copio a jornalista Elaíze Farias: "Faço parte de uma rede de solidariedade que acaba de lançar uma campanha de arrecadação de fundos para os parentes Kanamari, os primeiros a serem infectados pelo novo coronavírus dentro da Terra Indígena Vale do Javari (Amazonas), no início de junho. Desde então, o contágio vem aumentando.Os Kanamari ainda não possuem apoio institucional de organizações aliadas para ações emergenciais. A maioria deles está vivendo no território. Há apenas uma liderança representando a etnia na cidade de Atalaia do Norte e que faz a intermediação com os parentes nas aldeias, onde a comunicação já é difícil (não há internet e nem sinal de celular; apenas radiofonia e orelhão em algumas delas). As viagens entre as aldeias e a cidade de Atalaia do Norte são apenas fluviais e conta-se o tempo em dias, não em horas [imagine uma viagem necessária para Manaus]. Os Kanamari precisam de suprimentos para pesca e caça, malhadeira, anzol, insumos para seus roçados, combustível para suas pequenas embarcações, gêneros alimentícios emergenciais, como sal, etc. Muitos deles estão doentes e sem condições para o labor diário. Muitas famílias, com medo da covid-19, se refugiaram nas profundezas das matas."

Doem algo, por favor, e circulem o pedido, eu lhes peço. A situação no Vale do Javari é desesperadora. O jpeg traz instruções sobre como doar.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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