26/04/2024 - Edição 540

Poder

Abraham Weintraub faz o pior o melhor que pode

Publicado em 12/06/2020 12:00 -

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O presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), devolveu para o Palácio do Planalto a medida provisória que permitia ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, escolher reitores de universidades federais.

Assim que a devolução for publicada no "Diário Oficial da União", a MP perderá a validade. O texto previa que os reitores eventualmente escolhidos por Weintraub ficassem nos cargos apenas durante a pandemia do novo coronavírus. A medida, editada pelo presidente Jair Bolsonaro, dispensava etapas que atualmente são cumpridas nas escolhas de reitores, como a consulta a professores e estudantes e a formação de uma lista com os nomes para o cargo.

Alcolumbre não avisou Bolsonaro de que devolveria o texto. O presidente do Senado tornou a decisão pública por meio de uma rede social.

Ele disse que optou por devolver a MP por dois motivos: por tê-la considerado inconstitucional e para fazer uma defesa das universidades federais que, segundo Alcolumbre, estão desempenhando um papel fundamental nas pesquisas de combate ao coronavírus.

O Congresso tem o poder de devolver uma medida provisória para o governo quando entende que o texto não atende os requisitos previstos em lei.

Alcolumbre disse que, como presidente do Congresso Nacional, não poderia "deixar tramitar proposições que violem a Constituição Federal". Ele acrescentou que o "Parlamento permanece vigilante na defesa das instituições e no avanço da ciência".

Assim que foi publicada, a MP recebeu críticas de entidades ligadas às universidades, que classificaram a medida de antidemocrática. O texto foi alvo de contestações de partidos na Justiça.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também vinha se manifestando contra a medida. Segundo Maia, o texto trata do mesmo tema de uma outra medida provisória, que perdeu a validade na semana passada. Pela lei, o governo não pode editar medidas provisórias sobre o mesmo tema num mesmo ano.

Procurada, a assessoria do Ministério da Educação disse que não vai comentar a decisão de Alcolumbre.

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) disse em nota que o presidente do Senado tomou uma "medida extrema, mas necessária".

"Reafirmou-se o valor elevado e incondicional da autonomia da universidade pública, da ciência e, sobretudo, da democracia brasileira", escreveu a associação.

Repercussão política

Logo após a decisão de Alcolumbre, parlamentares se manifestaram sobre a devolução da MP. Veja o que disseram alguns deles:

Antonio Anastasia (PSD-MG), senador: "Parabéns, presidente Davi Alcolumbre, pela medida corajosa, correta e coerente. Tem nosso apoio. O conteúdo da MP era, de fato, inconstitucional e incabível."

Fabiano Contarato (Rede-ES), senador: "Parabéns, presidente Davi Alcolumbre ! A defesa da nossa CF [Constituição Federal] é o que poderá nos levar a uma pacificação na política e ao reais interesses da população. Educação pública de qualidade é o nosso norte."

Leila Barros (PSB-DF), senadora: "A sensata decisão de devolver a MP 979 é uma vitória da democracia e da educação. A Constituição é clara “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”. A Constituição e a autonomia universitária seguem preservadas."

Plínio Valério (PSDB-AM), senador: "Aconteceu o que eu previ. O Senado devolvendo essa MP, que reitero inconstitucional, inconveniente e desnecessária, acaba poupando o Presidente de um erro histórico."

Bolsonaro intervém na escolha de reitor enquanto mantém diretor de estatal

A Medida Provisória 979, que suspendeu eleições em universidades e institutos federais e permitiu ao ministro da Educação indicar novos reitores durante a pandemia, contrasta com a MP 931 – que autorizou a prorrogação dos mandatos de gestores de estatais.

Em ambos os casos, a escolha de novos administradores de forma presencial está impossibilitada pela crise sanitária. Mas Jair Bolsonaro garantiu a extensão dos mandatos de diretores de empresas e preferiu entregar a Abraham Weintraub o poder de escolher os responsáveis por instituições de ensino.

A MP 979 provocou insatisfação nas universidades e no Congresso Nacional, e tende a ser rejeitada por parlamentares ou derrubada pelo Supremo Tribunal Federal devido à inconstitucionalidade.

Mas, na MP 931, o governo resolveu o problema sem causar barulho. Editada em 30 de março, ela autoriza a prorrogação por sete meses dos mandatos de administradores e membros de conselhos de empresas públicas e de economia mista, sociedades anônimas e limitadas, e cooperativas de crédito.

"Isso é uma contradição", afirmou um reitor de universidade federal à coluna. "Por que não criar um mandato temporário para os atuais reitores, que foram eleitos por suas comunidades acadêmicas?"

Ele afirma que como praticamente não houve interesse sobre o "Future-se" [programa lançado por Weintraub para mudar a forma de financiamento das universidades] e sobre a MP 914 [que alterava o método de escolha de reitores e caducou no Congresso], o governo quis encontrar um caminho para intervenção usando a pandemia como desculpa.

"Isso é uma coisa muito sensível para as universidades. Mexer no processo de escolha dos dirigentes não é uma questão corporativa, mas afeta sua eficiência e seu funcionamento interno", diz.

Outro reitor questiona a constitucionalidade da MP 979, citando o artigo 207 da Constituição Federal, que afirma que "as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial".

"Havia outras opções, como eleição remota, extensão do prazo dos mandatos, entre outros, mas o governo prefere colocar 'dirigentes pro tempore' – que, falando francamente, são apenas interventores. Opta pelo que mais agride. E deixou essa opção pelo conflito ao negar a consulta à comunidade", afirmou.

A Medida Provisória 979 afirma que "não haverá processo de consulta à comunidade, escolar ou acadêmica, ou formação de lista tríplice para a escolha de dirigentes das instituições federais de ensino durante o período da emergência de saúde pública".

"É tão frágil juridicamente essa medida ela tem cara de cortina de fumaça para esconder o desastre na condução do combate à covid-19", afirma.

Análise

A medida provisória que dá poderes ao ministro Abraham Weitraub para escolher reitores de universidades federais durante a pandemia sem consultar a comunidade acadêmica tornou-se uma nova derrota do governo Bolsonaro esperando na fila para acontecer. Jurada de morte, a MP será sepultada no Congresso ou no Supremo, o que conseguir organizar o funeral mais rapidamente.

Assinada por Bolsonaro a pedido de Weintraub, a medida provisória é desnecessária, pois as universidades já se equipavam para realizar a escolha dos seus reitores por meio de videoconferências. Ela é ilegal, pois fere a autonomia universitária, prevista na Constituição.

Deve-se a iniciativa de Weintraub ao excesso de insensatez. O governo já havia tentado bulir com a autonomia universitária por meio de outra medida provisória. Que perdeu o prazo de validade porque os parlamentares decidiram ignorá-la. Embora soubesse que flertava com a derrota, o ministro decidiu teimar.

É como se Weintraub fizesse questão de demonstrar que está decidido a fazer o pior o melhor que pode à frente da pasta da Educação. A teimosia do ministro revela-se um comportamento patológico. Quando se depara com uma parede, bate com a cabeça na expectativa de transformá-la em porta. Ainda não deu resultado.


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