26/04/2024 - Edição 540

Poder

Problema da Educação é Bolsonaro, não Weintraub

Publicado em 05/06/2020 12:00 -

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O ministro da Educação, Abraham Weintraub, atacou o Partido Comunista Chinês em documento entregue à Polícia Federal na quinta, 4, no inquérito que apura suposto crime de racismo. Segundo o ministro, as publicações questionadas na investigação eram críticas ao governo chinês, uma ‘ditadura comunista que despreza os princípios que regem uma democracia liberal’, e não ao povo do País. O documento foi obtido pela reportagem do Estadão.

“Não é possível que se afirme que a postagem se dirigiu a um povo. […] O povo brasileiro tem representantes eleitos, que formalmente agem em seu nome. O povo chinês não tem nada parecido, infelizmente. O que quer que o PCC (Partido Comunista Chinês) faça não pode ser tido como expressão da vontade popular chinesa, uma ditadura comunista de partido único que despreza os princípios que regem uma democracia liberal e o Estado de Direito, campeã de violações aos direitos humanos, o que inclui até mesmo genocídio em décadas passadas”, escreveu Weintraub.

O ministro é investigado por racismo após publicar um tuíte em que insinuou que a China vai sair ‘fortalecida da crise causada pelo coronavírus, apoiada por seus ‘aliados no Brasil’. A publicação usou uma imagem de personagens da Turma da Mônica ambientada na Muralha da China e substituiu a letra “r” pelo “l”, para fazer referência ao modo de falar do personagem Cebolinha, o que foi visto como insulto aos chineses.

No depoimento, Weintraub não respondeu às perguntas dos policiais, entregando uma declaração por escrito. O ministro disse que a imputação de crime decorre de ‘interpretação extensiva’ baseada em ‘sensibilidades de determinados grupos sociais’. O ministro disse que o uso da linguagem e da imagem dos personagens de quadrinhos foi para dar ‘humor’ à sua publicação, que buscava questionar o papel do Partido Comunista Chinês na pandemia do novo coronavírus.

“Não se pode imputar um crime nessas circunstâncias, sob pena de se revogar um princípio e direito maior constitucional, que é a liberdade de expressão”, escreveu o ministro, que negou ter praticado racismo com a postagem. “Onde está a discriminação ou preconceito? Há apenas referência a um governo, sem qual a mensagem seria impossível, e uso de humor, que não contém elementos para tipificação social”.

O pedido de investigação partiu do vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros ao vislumbrar que o ministro da Educação ‘teria veiculado e posteriormente apagado manifestação depreciativa, com a utilização de elementos alusivos à procedência do povo chinês, no perfil que mantém na rede social Twitter’.

Após a manifestação de Weintraub, a Embaixada da China no Brasil repudiou sua publicação. “Deliberadamente elaboradas, tais declarações são completamente absurdas e desprezíveis, que têm cunho fortemente racista e objetivos indizíveis, tendo causado influências negativas no desenvolvimento saudável das relações bilaterais China-Brasil”, diz a nota divulgada no Twitter da Embaixada. O comunicado afirma ainda que “o lado chinês manifesta forte indignação e repúdio a esse tipo de atitude”.

Na esteira da trégua que está sendo construída por interlocutores de Jair Bolsonaro com os demais poderes, integrantes do Palácio do Planalto fizeram chegar a ministros do STF, do STJ e representantes do Parlamento que o ministro da Educação está de saída do governo.

Na versão palaciana, o ministro da Educação, abatido pelos ataques que vem sofrendo dentro e fora do governo, teria decidido pedir demissão do ministério, movimento que não foi, na versão das fontes ouvidas pela reportagem, refutado pelo presidente.

Recentemente, um dos que criticaram o chefe da Educação foi o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre. Em conversa com Bolsonaro, ele disse que as declarações do ministro contra o STF e sobre a noite dos cristais, que provocaram revolta na comunidade judaica, teriam degradado a capacidade de interlocução política do ministro com o Parlamento.

Chefe da Educação, Weintraub não teria vida fácil se tentasse fazer avançar pautas do governo no setor dentro do Congresso, o que teria sido definidor para a decisão do próprio ministro.

Fontes dizem que a saída deve se dar até o fim de semana. Em se tratando de governo Bolsonaro, porém tudo é sempre imprevisível. A conferir.

Análise

Pela segunda vez em menos de uma semana, o Abraham Weintraub expôs o país a um duplo constrangimento. Primeiro ao constatar que o ministro da Educação teve de atender a intimações da polícia. Segundo ao verificar que Weintraub foi chamado a depor sobre encrencas que não têm nada a ver com Educação, o tema que deveria mobilizá-lo.

No primeiro depoimento, na sexta-feira passada, Weintraub preferiu ficar em silêncio para não se autoincriminar no caso que apura as ofensas que proferiu na reunião ministerial de 22 de abril, quando disse que, se pudesse, prenderia os "vagabundos do STF."

No segundo depoimento, ocorrido na quinta-feira, Weintraub continuou em silêncio. Mas entregou uma defesa por escrito, negando o caráter racista de uma postagem em que associou os chineses ao personagem de gibi Cebolinha, ironizando-os por trocar o 'R' pelo 'L'.

Nos dois casos, o ministro Weintraub revelou-se um personagem sem nexo. No primeiro, porque, depois de chamar magistrados de vagabundos e de dizer que Brasília é um cancro de corrupção, o ministro passou a recepcionar os apadrinhados do corrupto centrão no fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, principal cofre do seu ministério. No segundo, porque um ministro que não domina adequadamente o português não deveria ironizar um chinês que consegue se expressar na língua de Camões.

A movimentação do ministro Weintraub mostra que o Brasil tem um problema na área da Educação. Alguns acham que o problema é o ministro Weintraub. Se estivessem certos, a solução seria simples. Bastariam dois golpes de esferográfica. Mas estão enganados.

O problema da Educação se chama Jair Bolsonaro. Em algum momento, o presidente pode até afastar Weintraub, porque o ministro se inviabilizou com o Legislativo e o Judiciário. Mas se isso vier a ocorrer, o problema tende a se manter, porque o presidente nomeará um novo Weintraub. Ou coisa pior.


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