24/04/2024 - Edição 540

Saúde

Por que cientistas tiveram que se retratar por estudo que negava efeito da cloroquina contra o coronavírus

Publicado em 05/06/2020 12:00 -

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O periódico científico The Lancet anunciou no último dia 4 que um artigo publicado em 22 de maio refutando os benefícios da hidroxicloroquina e da cloroquina no tratamento para a covid-19 foi retratado.

A retratação de um artigo é prevista nos protocolos de periódicos renomados quando algum tipo de má conduta, fraude ou erro é detectado.

O processo é semelhante ao de uma correção — mas, quando esta é considerada insuficiente para dar conta do problema encontrado, é preciso retratá-lo. Frequentemente, são os próprios autores que submetem ao periódico um pedido de retratação.

Após críticas de outros pesquisadores ao artigo do Lancet, que originalmente usou dados de 96 mil pacientes em 671 hospitais de seis continentes, três de seus autores afirmaram que solicitaram uma auditoria independente do trabalho da empresa Surgisphere Corporation e de seu fundador e coautor da publicação, Sapan Desai. Os dados coletados pela empresa em seu sistema foram base para o artigo.

"Nossos revisores independentes nos informaram que a Surgisphere não transferiria o conjunto de dados completo (…) já que isto violaria contratos com clientes e compromissos com a confidencialidade. Assim, nossos revisores não foram capazes de conduzir uma revisão por pares independente e privada e, portanto, notificaram-nos de sua retirada do processo", escreveram os autores na nota de retratação.

"Com esse desenrolar dos fatos, não podemos mais garantir a veracidade das fontes de dados primárias. Devido a esse acontecimento infeliz, os autores solicitam a retirada do artigo."

"Todos nós entramos nesse trabalho conjunto para contribuir de boa fé e em um momento de grande necessidade durante a pandemia da covid-19. Lamentamos profundamente a você, editores e leitores do periódico, por qualquer constrangimento ou inconveniência que isso possa ter causado."

A revista científica também publicou sua própria nota nesta quinta, afirmando que o aviso de retratação será incluído em breve na página onde está o artigo, que com isso não poderá mais ser citado por outros autores em sua bibliografia.

"O Lancet leva a integridade científica extremamente a sério, e há muitas questões pendentes sobre o Surgisphere e os dados que teriam sido incluídos neste estudo", diz a nota.

Análise

Graças a um trabalho jornalístico impecável do jornal britânico The Guardian, descobriram-se os pecados daquilo que foi apresentado pela revista médica The Lancet como o mais completo estudo sobre o uso da cloroquina no tratamento de covid-19.

O estudo era, na verdade, um logro. Três médicos que subscreveram a conclusão que apontou os riscos da cloroquina se retrataram. Significa dizer que a pesquisa perdeu o valor científico. Virou pó.

O jornal descobriu que o estudo inclui dados inconfiáveis colecionados por uma empresa mequetrefe dos Estados Unidos. E o alegado monitoramento de 96 mil pacientes ao redor do mundo virou um pastel de vento.

Inimigo da ciência, o bolsonarismo solta fogos. Gasta euforia em vão, sem se dar conta de que a desqualificação do estudo não qualifica a cloroquina. Aliás, se o medicamento fosse a poção mágica que Jair Bolsonaro trombeteia, o vírus não teria matado mais de 30 mil brasileiros.


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