28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

A Pechincha do Olavão

Publicado em 03/06/2020 12:00 - Rodrigo Amém

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Uns três milhões de reais é quanto custa para destruir o governo Bolsonaro. 

Essa é a lição que tiramos deste final de semana, e não veio dos protestos nas ruas. Quem nos ensinou isso foi o astrólogo Olavo de Carvalho, uma espécie de Tiger King da política tupiniquim, que ameaçou virar oposição, a menos que recebesse… auxílio. 

Luciano Hang, vulgo Veio da Havan, rapidamente organizou uma vaquinha entre bolsonaristas ricos para acalmar o Olavão. Já na noite de domingo, Carvalho estava mais calmo e reafirmava seu compromisso com o bolsonarismo. Mais que isso, reclamava das reportagens que afirmavam que o guru havia exigido dinheiro de Bolsonaro. Segundo o astrólogo, ele queria "assistência jurídica" para lidar com os processos que perdera contra Caetano Veloso e  Jean Willys, num valor de mais de dois milhões de reais. Acostumado a nadar contra a maré, Olavo busca assistência jurídica depois de sentenciado. Um visionário às avessas.

Não é incrível? Quem é esse Olavo, gente? Quem é o único pretenso pesquisador da área de ciências humanas a não perder financiamento estatal? Tá, estou sendo injusto. Olavo de Carvalho não é pesquisador, muito menos acadêmico. Ele só aparenta ser filósofo para os que nunca leram um livro na vida. Mas esse é o trabalho dele: fornecer um lustro de pseudo intelectualidade para o pacote de preconceitos e fisiologismos que conhecemos como "conservadorismo".

O Olavo é uma espécie de marketeiro do bolsonarismo no mesmo sentido que Ronald McDonald é um embaixador da nutrição infantil. Em ambos os casos, o trabalho é tornar o injustificável palatável. Em outras palavras, o olavismo é o McLanche Feliz da extrema direita. 

O que Olavão cobra para "ensinar" aos seus discípulos não é diferente do que pregava Charles Manson: paranoia e distorção da realidade. "Quem não segue meus ensinamentos é parte da conspiração internacional para nos destruir". É um clichê tão surrado quanto eficaz. É por isso que Olavão se permite dizer, sem qualquer constrangimento, que Adorno era o verdadeiro autor das músicas dos Beatles. Juro. 

Olavo de Carvalho presta um serviço essencial ao bolsonarismo. Ele proporciona uma argumentação (absurda, mas isso tanto faz), que oferece aos seguidores o conforto de pensar "não sou eu que estou errado, mas o mundo". 

E isso é fundamental para os bolsominions. Sem um inimigo, sem uma ameaça externa, o conservadorismo não se sustenta. Porque a principal função de uma conspiração é atribuir a outrem a responsabilidade pelos problemas da sociedade. Sem ela, é provável que a culpa pelas injustiças sociais recaia sobre o stablishment. Não é difícil pensar que exista uma parcela da nossa elite que não gosta dessa narrativa de "mudança no status quo". Esse é o papel do Olavão. Treinar "soldados" que repetem que a culpa é dos "comunistas" e não dos "generais".

Sem uma liderança pautando esse verniz ideológico, a direita fica meio pelada no desfile. Um bando de militares ressentidos financiados por ricaços que não querem pagar impostos ou direitos trabalhistas. Não é por acaso que não existe qualquer projeto de governo, a não ser  o desmantelamento da rede pública (menos impostos e concorrência para a iniciativa privada) e policiamento ideológico (descrédito à educação, pesquisa, academia e outras áreas de atuação pública percebidas como núcleos do "inimigo"). É só o que podem oferecer porque é só o que pretendem. Neste cenário, não se podem dar ao luxo de perder o coordenador de comunicação, real cargo de Olavo no governo Bolsonaro. Especialmente depois da perda da chancela moral lavajatista, na figura de Sérgio Moro, e no momento em que o liberalismo "vintage" do Paulo Guedes dá ainda menos resultado do que dava antes da pandemia. 

Daí, manter a militância enraivecida e engajada é vital para a sobrevivência deste projeto político. Se eles estão dispostos a tirar 80 milhões do Bolsa-família para impulsionar propaganda em site pornô e de Fake News, desembolsar alguns milhões para acalmar um velho paranoico nos confins da Virgínia é uma pechincha.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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