29/03/2024 - Edição 540

Poder

STF forma maioria para restringir MP que livra a autoridades por erros durante pandemia

Publicado em 22/05/2020 12:00 -

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A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou para restringir o alcance da medida provisória (MP 966/2020), que livra qualquer agente público de processos civis ou administrativos motivados por ações tomadas no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus.

Editada pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada, a MP determina que agentes públicos só poderão ser responsabilizados por falhas no combate ao coronavírus se agirem ou se omitirem intencionalmente ou por “erro grosseiro” no enfrentamento emergencial à covid-19 e aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia.

Na sessão de ontem, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, propôs que, na interpretação da MP, seja considerado como erro grosseiro o ato administrativo que ensejar violação do direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente equilibrado em razão da inobservância de normas e critérios científicos e técnicos.

No entendimento do ministro, apesar de não haver ilegalidade formal na MP, a medida não dá segurança aos administradores públicos e passou a impressão que se estava “protegendo as coisas erradas”.

“Qualquer interpretação que dê imunidade a agentes públicos por atos ilícitos ou de improbidade ficam desde logo excluídos. Portanto, o alcance desta Medida Provisória não acolhe atos ilícitos nem tampouco atos de improbidade”, disse.

Após a edição da MP, seis partidos de oposição e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) questionaram a legalidade da norma, por entenderem que a medida poderia abrir espaço para evitar punições por atos ilegais.

No Twitter, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), comemorou a postura do tribunal. “Bolsonaro não pode e nem poderá fazer o que bem entender c/ a saúde do nosso povo! Ele não quer ser responsabilizado pelos seus absurdos e sua negligência, mas será! Vitória importantíssima, especialmente diante do aumento de mortes no país!”, escreveu ele.

Defesa do governo

O advogado-geral da União, José Levi do Amaral, afirmou que o texto da MP foi feito para garantir o trabalho do bom gestor público do governo federal, dos estados e dos municípios, que precisará tomar decisões administrativas urgentes durante a pandemia de covid-19.

“A Medida Provisória 966 não é para o mau gestor de políticas públicas. O mau gestor de políticas públicas terá seu encontro com as penas da lei com ou sem a medida provisória”, argumentou.

Se nenhum ministro mudar de ideia até o fim do julgamento, que prossegue, medidas que possam levar à violação aos direitos à vida, à saúde ou ao meio ambiente poderão ser punidas.

Análise

Jair Bolsonaro frequenta a pandemia munido de duas ideias fixas: converter a cloroquina em poção mágica contra a covid-19 e religar na marra as fornalhas da economia. O presidente ainda não conseguiu realizar os seus sonhos anticientíficos. Mas o Supremo Tribunal Federal aproximou-o da realização do pesadelo de se tornar réu em ações judiciais por improbidade administrativa.

A Suprema Corte colocou Bolsonaro na rota da improbidade ao decidir, por nove votos a um, que agentes públicos podem responder a processos se desconsiderarem em suas decisões as recomendações médicas e científicas no enfrentamento da pandemia.

Significa dizer que o presidente corre riscos ao impor a mudança do protocolo do Ministério da Saúde sobre a cloroquina, disseminando o uso de um remédio cuja eficácia ainda não tem o endosso da ciência.

Fornece material para processos também ao baixar decretos que engordam sem justificativas plausíveis a lista de atividades essenciais. É o caso, por exemplo, do decreto que autorizou a reabertura indiscriminada de academias de ginástica, salões de beleza e barbearias sem levar em conta o drama sanitário dos estados que encontram no isolamento social o único remédio contra o caos hospitalar.

A decisão do Supremo foi tomada no julgamento de sete ações ajuizadas contra medida provisória editada por Bolsonaro para livrar autoridades de processos judiciais por ações adotadas no enfrentamento do coronavírus. Só estariam sujeitos à responsabilização judicial autoridades e servidores que agissem com dolo ou que cometessem "erro grosseiro".

Relator do caso, o ministro Luís Roberto Barroso anotou em seu voto que erra grosseiramente o agente público que atenta contra os direitos constitucionais à vida e à saúde. Ou que agride o meio ambiente.

Para não deixar dúvidas boiando na atmosfera, Barroso esclareceu que constitui "erro grosseiro", com "elevado grau" de negligência, ignorar normas médicas e científicas de autoridades nacionais e organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde. Foi seguido pela grossa maioria dos colegas.

Quer dizer: até aqui, Bolsonaro namorava o crime. O Supremo informa que, mantida a aversão presidencial à ciência, o namoro do presidente pode ser plenamente correspondido.

O placar elástico envia ao Planalto um sinal perigoso. Dividido nos julgamentos vinculados ao esforço anticorrupção, o Supremo unificou-se na apreciação de processos relacionados à contenção dos arroubos presidenciais. Bolsonaro tornou-se um colecionador de derrotas na Corte.


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