19/04/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro negocia com centrão comando de órgãos com orçamento de R$ 86 bilhões

Publicado em 22/05/2020 12:00 -

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Os cargos negociados entre o governo Jair Bolsonaro e partidos do centrão, como PP, PL, Republicanos e PSD, têm um orçamento somado de R$ 86 bilhões em 2020. As presidências e diretorias desses órgãos são cobiçados por políticos pelo poder regional que representam. Em gestões anteriores, suas estruturas foram utilizadas muitas vezes para desvios.

O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é o maior desses feudos. Com verba de R$ 54 bilhões, libera compras e celebra convênios na área de educação. Sua atuação tem forte interface com os governos municipais e estaduais. Além de organizar a compra de livros didáticos, o fundo controla repasses federais para alimentação escolar.

Em 2018, uma operação da Polícia Federal desarticulou um grupo que desviou cerca de R$ 12 milhões em recursos do FNDE no Pará. A Operação Quadro Negro, que mirou o ex-governador Beto Richa (PSDB) no Paraná em 2015, também apurou desvios de verbas do fundo para construção de escolas. Em 2013, o então presidente do FNDE, José Carlos Wanderley Dias de Freitas, pediu exoneração após ser pego em grampo alertando o reitor do Instituto Federal do Paraná (IFPR) que seria alvo de uma operação.

O FNDE chegou a ser controlado de agosto a dezembro do ano passado por Rodrigo Sergio Dias, indicado do PP. Dias é investigado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por superfaturamento e fraude em licitações quando comandou a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), em 2018. Em janeiro, em seu lugar, foi nomeada para a presidência a gestora Karine Silva dos Santos, devido ao “perfil técnico”, segundo o Ministério da Educação.

Agora, o PP tenta emplacar no cargo Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do partido. A princípio, Weintraub resistiu a indicar o nome escolhido pelo centrão para a presidência do fundo bilionário. Pressionado por Bolsonaro, porém, o ministro se reuniu com Arthur Lira (AL), líder do partido na Câmara dos Deputados, na terça-feira. Interlocutores do partido afirmam que a questão está resolvida, e Marcelo Lopes será nomeado em breve.

Desvios bilionários

Na segunda-feira, o governo nomeou também um ex-assessor da liderança do PL na Câmara dos Deputados, Garigham Amarante Pinto, para a diretoria de ações educacionais do FNDE. O setor é encarregado das principais atribuições do órgão, como o Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD) e o programa de alimentação escolar.

Já o Banco do Nordeste, com orçamento de R$ 29 bilhões, é alvo de especulações desde o início do governo Bolsonaro. O atual presidente é Romildo Rolim, apadrinhado de Eunício Oliveira. Em maio do ano passado, o deputado Arthur Lira chegou a ser procurado para indicar um nome para o órgão, mas a negociação acabou não indo para a frente.

O Banco do Nordeste é uma sociedade de economia mista, com participação pública e privada. O órgão recebe verba do estado para subsidiar empréstimos, com o objetivo de promover o desenvolvimento da região. O banco foi alvo de denúncias de grandes somas de desvios em 2005, 2011, 2014 e 2016. Em 2014, foi revelado um esquema no órgão que chegou a desviar R$ 1,2 bilhão, segundo o Ministério Público Federal.

Agora, o banco está sendo negociado com o PL, partido de Valdemar Costa Neto, ex-deputado federal condenado no mensalão. A nomeação deve sair nos próximos dias. O partido também tentou emplacar um secretário no Ministério da Saúde, mas vem sofrendo dificuldades nessa negociação. A área é sensível devido à pandemia, argumentam integrantes do governo.

O PP também conseguiu emplacar um diretor no DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), órgão com um orçamento de R$ 1,09 bilhão nesse ano. A atuação do departamento é na construção de açudes, reservatórios, perfuração de poços e irrigação, entre outras obras. Fernando Araújo, indicado pelo PP, foi nomeado em 6 de maio.

Em 2012, ainda no primeiro governo de Dilma Rousseff, a Controladoria-Geral da União (CGU) apontou desvios de R$ 192 milhões em obras no DNOCS, levando ao afastamento do então diretor-geral do órgão, Elias Fernandes. Os envolvidos foram alvos da Operação Cactus da Polícia Federal, no Ceará, onde fica a sede do departamento. Não foi o primeiro esquema deflagrado no DNOCS.

Há outros órgãos no governo com orçamentos vultosos controlados por indicados de políticos. A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), com orçamento de R$ 1,62 bilhão, hoje está nas mãos de Marcelo Andrade Moreira Pinto, indicado de Elmar Nascimento (BA), ex-líder do DEM na Câmara. Os partidos que se aproximaram recentemente de Bolsonaro — PSD, PP, PL e Republicanos — fizeram uma investida para emplacar um novo indicado na Codevasf, mas ficou decidido que o órgão continuaria nas mãos do DEM.

O governo não começou agora a dar cargos em troca de apoio. Desde julho do ano passado, houve nomeações de indicados políticos no Ibama, Incra, Secretaria do Patrimônio da União (SPU), Funasa, Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), Dnit e Iphan, entre outros órgãos.

5 indicações já efetuadas

O “toma lá, dá cá” que Jair Bolsonaro prometeu extinguir — até por escrito em seu plano de governo divulgado em 2018 na campanha eleitoral — está em pleno vapor. Já foram efetivadas pelo menos 5 indicações do centrão. Quem não aceita as indicações está sendo ameaçado de demissão pelo mandatário. 

O emedebista Carlos Marun, que foi ministro da Secretaria-Geral no governo de Michel Temer, assumiu uma cadeira no Conselho de Itaipu no último dia 15. Ele esteve em algumas reuniões com Bolsonaro e o líder do MDB, Baleia Rossi (SP). O mandatário chegou a pensar em suspender sua indicação à vaga, mas acabou reconsiderando. Para quem não lembra, Marun liderou a tropa de choque do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ). 

Outro que ganhou uma vaga no Conselho de Itaipu foi o ex-deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), aliado do presidente do DEM, ACM Neto.

Do PP, o agraciado foi Fernando Marcondes Araújo Leão, embora seja do Avante e tenha sido filiado por 30 anos ao PTB, de Roberto Jefferson. Leão, que é irmão do deputado Sebastião Oliveira (PL-PE), assumiu a diretoria do Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) em 6 de maio. 

O Dnocs, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), é um órgão diretamente ligado a obras no Nordeste, como construção de açudes, perfuração de poços e irrigação. Para 2020, o orçamento previsto é de R$ 1 bilhão. 

Também ligado ao MDR, a Secretaria Nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional e Urbano ganhou um novo comando no dia seguinte, em 7 de maio: Tiago Pontes Queiroz. Ele foi uma indicação do Republicanos, presidido pelo deputado Marcos Pereira (SP), aliado do mandatário no Congresso. 

Por fim, Garigham Amarante Pinto foi nomeado no dia 19 para a Diretoria de Ações Educacionais do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). A negociação de seu nome foi orquestrada por Valdemar Costa Neto, presidente do PL. Amarante assessorou o partido na Câmara. 

Mais cargos para o centrão

Outros cargos estão na fila e devem sair nos próximos dias. A Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura já tem destino certo. Vai para o indicado do PRB, o ex-deputado César Halum (TO). 

No Ministério da Saúde, onde o Planalto decidiu montar um comando militar para tentar manter o controle da pasta, há cadeiras na mira do centrão. O PL quer a Secretaria de Vigilância em Saúde. O PP, cargos na Funasa (Fundação Nacional de Saúde). 

No MEC, há ainda vagas no FNDE para serem entregues ao PP, Republicanos, MDB e DEM. O comando vai para Marcelo Lopes, indicação do PP. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, foi contra abrir a porteira para o centrão, mas foi ameaçado de demissão, caso não fizesse a troca. Ele, então, já avisou à atual presidente do FNDE, Karine dos Santos, que ela será destituída do cargo. 

Além de Weintraub, há outros ministros do governo que vêm demonstrando incômodo com a aliança com o centrão e com a distribuição de cargos. Paulo Guedes (Economia), por exemplo, tem segurado o Banco do Nordeste. Ernesto Araújo (Itamaraty) e Onyx Lorenzoni (Cidadania) também vêm reclamando nos bastidores.  

Análise

Jair Bolsonaro fazia pose de político atípico. Essa encenação perdeu o prazo de validade. O presidente consolida a aparência de um típico político brasileiro. Grosso modo falando. Ao participar de mais uma aglomeração dominical defronte da rampa do Planalto, Bolsonaro caprichou na retórica: "Agradeço a esse povo maravilhoso que está aqui, ao qual devo lealdade absoluta. É o que precisamos: política ao lado do povo, tendo o povo como patrão."

O povo é patrão na retórica, mas na prática Bolsonaro continua terceirizando cofres públicos aos sócios do centrão.

O Brasil volta a viver seu eterno terror pendular. O roteiro não muda: os presidentes entram botando banca e vão deslizando docemente para a grande vala comum do centrão.

A suposta "lealdade absoluta" de Bolsonaro ao povo balança entre o personalismo defensivo e o arrombamento fisiológico que o centrão impõe aos presidentes em apuros.


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