25/04/2024 - Edição 540

Mato Grosso do Sul

Casos de covid-19 entre povos Kaiowá e Guarani saltam de 1 para 30 em cinco dias

Publicado em 20/05/2020 12:00 -

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Na maior reserva indígena do país, em Dourados (MS), os números de casos confirmados da covid-19 saltou de um para 30 em apenas cinco dias. É o que aponta levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), com base no boletim divulgado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Até o último dia 19, outros três casos eram apontados como suspeitos.

Depois do primeiro caso da doença ter sido confirmado, no dia 13 de abril, outros 29 indígenas testaram positivo para covid-19 até o último dia 18. E o número, de acordo com a entidade, só não é maior porque não foram realizados novos testes neste final de semana. O rápido avanço da doença sobre o território que abriga mais de 50 mil indígenas das etnias Guarani e Kaiowá, acendeu um alerta entre as lideranças dos povos e entidades, que falam em um “estado de emergência” diante da “inoperância dos setores da saúde em relação aos casos de contágios na Reserva”.

Antes mesmo da maior pandemia dos últimos anos, a situação na maior reserva do país era de crise humanitária. Há muitos indígenas morando, aglomerados, em barracos de lona e sem acesso à água encanada. Com a covid-19, esse pode ser “o começo de uma tragédia amplamente anunciada”, como denuncia o Cimi em nota publicada nesta semana.

“Essa situação é preocupante porque essas pessoas ainda estão em casa. E, conforme a gente apontou na nota, é um risco muito alto essas pessoas estarem fazendo isolamento domiciliar na maior reserva indígena do país e nessa situação de crise humanitária que passa esse espaço”, adverte o missionário do Cimi em Dourados Flávio Machado, em entrevista ao jornalista Glauco Faria.

O Estado e a JBS

Ainda de acordo com a entidade, a primeira indígena que testou positivo para a covid-19, era funcionária de uma unidade do frigorífico da JBS no município. E, ao menos outros 43 indígenas tiveram contato com ela no deslocamento até o trabalho. “Agora se percebe que todos os casos na região da Grande Dourado, nos municípios no entorno, são de funcionários da JBS”, acrescenta Machado.

O Cimi cobra a responsabilização do Estado e da JBS pelos casos de coronavírus entre os indígenas. E pede investimentos e apoio à saúde dessa população. “Se não houver uma ação efetiva, conforme a gente apontou na nota, testagem em massa, aumento de EPIs (equipamentos de proteção individual), enfim, é muito provável que Dourados se torne o epicentro do contágio indígena no país”, afirma o missionário.

Ações do Governo

O Governo do Estado desenvolveu uma estratégia, por intermédio da Secretaria de Comércio Exterior, com a parceria e apoio de diversas empresas públicas e privadas, que correm contra o tempo para conter o vírus entre a população indígena do Estado.

O início do plano de ação em Dourados começou antes mesmo do primeiro caso confirmado da doença, quando a SES montou unidades sentinelas para coleta de amostras de swab em pacientes indígenas que apresentassem sintomas síndrome gripal, realizando exame RT-PCR de painel viral para onze vírus respiratórios.

A partir do primeiro caso constatado, que foi de uma funcionária de importante empresa frigorífica da região, começou a ampliação da testagem, na denominada segunda fase do plano de ação. A infectologista e integrante do Centro de Operações Emergenciais, Mariana Croda, explica a estratégia: “A partir disso iniciamos a ampliação da testagem na população indígena e na rede de contatos do caso confirmado, dentro e fora da aldeia, através de testes e isolamento domiciliar”.

Diante disso e como fruto de diversas articulações, etapas de trabalho, organização e força tarefa, a Secretaria de Saúde, juntamente com o Ministério Público Federal, com a Secretaria Municipal de Saúde, com a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), com a Diocese Católica, com a UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), com a própria JBS, entre outras instituições parceiras adotaram medidas para evitar a propagação do vírus.

No primeiro momento, a empresa frigorífica adotou todo protocolo sanitário e monitorou a rede de contatos com o caso confirmado, assim como a realização de testagem nas equipes. Em seguida, foi montada uma estrutura no Cursilho, pertencente a Diocese de Dourados, para receber casos positivos, porém, assintomáticos da doença. Até o momento, 21 pessoas estão instaladas no local.

Na avaliação do diácono Carlos Alberto Afonso, a medida é necessária, mas é importante também minimizar impactos emocionais. “Foi feita uma vistoria neste local escolhido e fizemos a arrecadação de cobertores, travesseiros e lençóis. Precisávamos de 30 unidades, mas a população douradense ajudou muito. “É o que poderá frear essa subida no número de casos dentro das aldeias. Montamos um aparato, um preparo emocional, para recebê-los. Afinal, ninguém gosta de sair de casa”.

Para o líder indígena e membro do Conselho local de Saúde Indígena, Fernando Souza, o diálogo aberto é importante e o retorno por parte deles tem sido de compreensão e de cuidado com o próximo. “A situação é preocupante e eu vejo ansiedade na comunidade. Tudo é novidade. Precisamos traduzir tudo o que está acontecendo no mundo num contexto próprio para a complexidade indígena. Mas o nosso povo entende que é para preservar os membros da sociedade. A retirada não é questionável por parte de nossas lideranças”.  A liderança afirma que estão sendo levantadas parcerias para que sejam elaboradas atividades educativas e de lazer para as pessoas que estão neste espaço.

Segundo o procurador do Ministério Público Federal, Marco Antonio Delfino, a iniciativa é fundamental e vem em momento oportuno. “A pandemia representa um claro desafio ao pleno atendimento do preceito constitucional que estabelece a saúde como um direito de todos e um dever do Estado. Em um momento de claro agravamento do quadro de infectados em todo país, é fundamental que todas as instituições se irmanem em conjunto com a sociedade para que possamos, definitivamente, derrotar o vírus”.

O secretário de Estado de Saúde, Geraldo Resende, desde o início da propagação do vírus em Dourados tem alertado para a situação e elencado as medidas necessária. Resende ressalta: “É preciso um olhar especial para a comunidade indígena, não apenas de Dourados, mas também em todo o Estado, tanto que Amambai já trabalha no plano de ação elaborado”. De acordo com a Sesai, a equipe multidisciplinar da saúde indígena do polo de Caarapó está sendo treinada ainda essa semana para início das coletas com apoio do Estado.

Brasil lidera ranking de mortes de índios entre 6 países da América do Sul

Levantamento feito pelo Comitê Nacional pela Vida e Memória dos Povos Indígenas da APIB, com base em dados do dia 15 de maio, informa que o avanço da letalidade do novo coronavírus nos povos indígenas do Brasil já é maior que os casos de mortes da população inteira de seis países da América do Sul. De acordo com a entidade, 99 indígenas morreram por covid-19 no Brasil. Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde, do mesmo período, 59 pessoas faleceram em decorrência da doença, somando os casos registrados no Uruguai (19), Paraguai (11), Guiana (10), Suriname (1), Guiana Francesa (1) e Venezuela (10).

“É alarmante esse mortalidade dos povos indígenas que tem ligação direta com a omissão criminosa do governo Bolsonaro diante da pandemia da Covid-19 no Brasil, que só aumenta em toda a população. Nós da APIB juntamente com nossas organizações de base estamos denunciando diariamente este crime”, diz a APIB.

De acordo com dados da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), 86 indígenas morreram por covid-19 entre os Estados do Amazonas (75), Amapá (1), Pará (7) e Roraima (3) até o dia 15 de maio. Nesse mesmo período, a Coordenaçao das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coiaca), que atua em 9 países da América do Sul, 113 indígenas já faleceram na Amazônia Latina por covid-19 e o vírus já atinge 526 povos.


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