25/04/2024 - Edição 540

Poder

Cientistas políticos avaliam que condição para o impeachment está presente

Publicado em 15/05/2020 12:00 -

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Seis cientistas políticos ouvidos pelo jornalista Matheus Leitão, da revista Veja, consideram que há possibilidade de um processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. As visões, porém, são diferentes e três acreditam que a maior probabilidade é de que o político conclua seu mandato. Outros três, contudo, afirmam que há grandes chances de Bolsonaro ter seu mandato interrompido.

Leitão entrevistou esses importantes cientistas políticos sobre o tema e, apesar das divergências, há um ponto em comum na análise: o reconhecimento de que o presidente vive um momento delicado. Contudo, a situação terrível em que o Brasil está, com o avanço da pandemia de coronavírus, acaba restringindo qualquer movimento mais forte do legislativo de iniciar um processo de impedimento

O presidente viu a pressão aumentar nos últimos dias após a notícia de que um vídeo de reunião ministerial do dia 22 de abril mostra que Bolsonaro queria fazer trocas na Polícia Federal para proteger sua família, chegando a ameaçar o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro se as mudanças não fossem concretizadas. As contradições entre as testemunhas enfraquecem a versão do presidente em sua defesa.

Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acha que é possível que ele termine o mandato, mas improvável que seja reeleito. Daniela Campelo, também da FGV, avalia que “todas as condições estarão presentes num futuro próximo quando a popularidade de Jair Bolsonaro atingir patamares mínimos”. Lúcio Rennó, da Universidade de Brasília (UnB), diz ser “improvável que o presidente seja removido”.  

Cesar Zucco, outro da FGV, aposta que é de 50% a possibilidade de um impeachment ocorrer, mas esse número subiria para 80%, na sua avaliação, se as Forças Armadas não fossem um ator político. Carlos Melo, professor do Insper, diz que “se a política ainda é a política”, a tendência é a de que Bolsonaro não consiga concluir seu mandato. Para Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), considerando o cenário atual, “a probabilidade de sua permanência é maior que a de seu afastamento”.

Eles têm, como se vê, visões diferentes, mas o que fica claro na conversa com os profissionais da ciência política é que a possibilidade de um impeachment já é considerada por todos. Há muitos movimentos ainda no xadrez de uma interrupção de mandato presidencial, mas as pedras já começam a se mover. 

Veja o que disseram os seis cientistas políticos procurados pela coluna:

Carlos Melo, professor do Insper e mestre e doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP):

Se o mundo ainda é mundo e se a política ainda é a política, porque nós ainda temos dúvidas em relação a isso, a tendência seria o Bolsonaro não conseguir concluir o mandato. Eu te diria que num percentual muito grande de probabilidade. O cara está travando um conflito constitucional seríssimo, briga com Congresso, briga com o Supremo, briga com a imprensa, briga com todo mundo.

Falta nele a dimensão institucional de seu papel, falta a ele uma cultura institucional, não só o seu papel, mas o papel dos outros poderes também. Falta a ele uma visão de política enquanto construção. A visão de política dele é só destruidora.

Os recursos dele são escassos e decrescentes, ele tem uma ideia muito torta do que vem a ser as instituições e a política, ele é um líder disfuncional. Nem para os objetivos dos grupos que apoiaram ele, ele é funcional. 

Lúcio Rennó, professor da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em ciência política pela Universidade de Pittsburg:

O Presidente Bolsonaro vem reorganizando sua base de apoio no Congresso, em particular na Câmara, de modo a ter um aliado mais próximo na presidência da casa no próximo biênio – 21/22. Isso é importante para reduzir as chances de andamento de processos de impeachment ou afastamento. 

Assim, caso nenhuma das acusações que lhe impõe risco – denúncias do Moro, pedido de apresentação de exames do Covid-19, pedido de apresentação de provas de fraudes eleitorais em 2018 – não avancem com celeridade e tenham impacto social e político relevante, a fim de iniciarem um processo de afastamento neste ano, suas chances de permanência no poder até 2022 são muito grandes. 

Um outro fator que complica qualquer aprofundamento da crise política neste momento é a crise de saúde pública causada pela pandemia do Coronavirus. É pouco provável que em um momento tão delicado, o Congresso passe a ser o ponto focal de um processo de afastamento de presidente. Por último, apesar de mostrar sinais de desgaste popular, com queda em avaliações positivas de seu governo, Jair Bolsonaro ainda conta com significativa popularidade, o que reduz o ânimo de adversários em avançar com propostas de remoção. Por esses motivos, é improvável que o presidente seja removido.

Cesar Zucco, professor da FGV e Ph.D. em Ciência Política pela Universidade da Califórnia em Los Angeles:

Quem disser que tem certeza estará mentindo. Acho que há considerável probabilidade de Bolsonaro ter o mandato interrompido. Eu colocaria essa probabilidade em aproximadamente 5, mas é chute, obviamente. Entre as principais incógnitas está o comportamento das forças armadas. Não se trata, aqui, de considerar apenas se as forças armadas apoiariam um “golpe” em sentido clássico. A mera existência de incerteza ou ambiguidade sobre o que fariam as forças armadas no caso de um processo de impeachment ou de um processo via STF é suficiente para alterar o cálculo dos demais agentes políticos e tornar uma interrupção menos provável do que seria sem essa ambiguidade. Se as forças armadas não fossem hoje um ator político relevante eu colocaria a probabilidade de interrupção do mandato em 8 ou mais.

Daniela Campello, professora da FGV e Ph.D em Ciência Política pela Universidade da California em Los Angeles:

Eu acredito que todas as condições necessárias para um impeachment estejam presentes em um futuro próximo, quando a popularidade de Bolsonaro atingirá patamares mínimos. A única barreira remanescente seria um apoio explícito das forças armadas à figura do presidente. Ou seja, não antevejo um cenário em que Bolsonaro termine seu governo em 2022 de forma democrática. Hoje, a incerteza sobre o real compromisso das Forças Armadas — Bolsonaro ou a ordem constitucional — é muito alta, mas dadas as condições muito desfavoráveis para um auto-golpe, e o fato de que o vice-presidente é um general, eu acredito que o impeachment seja o mais provável.

Carlos Pereira, professor da FGV e Pós-Doutor em Ciência Política pela Universidade de Oxford:

Tem alguns fatores que estão fora do alcance do governo que podem facilitar ou prejudicar o impeachment. Diria que o apoio do núcleo duro tende a se deteriorar paulatinamente. O cavalo de pau do governo em três frentes vai progressivamente ser interpretado como traição. Me refiro primeiro à percepção de má gerência na pandemia. A importância dessa variável vai depender do número de mortes pela Covid. Segundo, a percepção de que a luta contra a corrupção era fake. 

Isso não apenas pela saída de Moro, mas também pelas óbvias interferências na Polícia Federal. A forma como a Suprema Corte e a mídia estão tratando esse tema está sendo devastador para Bolsonaro. Celso de Melo vai querer deixar esse legado antes de sua aposentadoria. 

Por último, as consequências econômicas terríveis de recessão e desemprego. Não acredito que as Forças Armadas vão interferir no processo se as regras e procedimentos forem cumpridos. Paradoxalmente, o impeachment teria mais condições de acontecer durante a pandemia, mas sem mobilização de massa, as chances diminuem radicalmente. A pandemia passou a ser uma aliada de Bolsonaro nesse aspecto. 

A coalizão tardia e oportunista com o Centrão também pode criar um escudo protetor ao governo, mas por tempo limitado. O Centrão tenderá a sugar o governo o máximo que puder e depois vai descartá-lo quando perceber que os custos são crescentes. Está bem interessante interpretar esse jogo. Esse quadro me parece tornar improvável a reeleição do Bolsonaro, mas não o seu impedimento antes de 2022.

Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Ph.D em ciência política pela Sussex University, no Reino Unido:

A interrupção do mandato, se ocorrer, vai tomar a forma ou de impeachment por crime de responsabilidade ou de afastamento por condenação em infração penal comum. Renúncia ou intervenção militar faz pouco sentido. 

Bolsonaro é hiperminoritário – não tem sequer afiliação a partido e não construiu uma coalizão formal de apoio. As ligações perigosas do clã familiar levaram à demissão de Moro, o que juntamente com o horror sanitário e a hecatombe econômica levou à queda expressiva de sua popularidade, o que o levou a aproximar-se do Centrão, o que gera todo tipo de tensões no bolsonarismo.

Estão presentes assim as condições para seu afastamento: escândalo, crise econômica, apoio minoritário e insatisfação popular (embora Bolsonaro conte com apoio de 1/5 do eleitorado). Mas a situação de pandemia dificulta muito a realização de manifestações de rua e o funcionamento normal do congresso. 

A combinação de escalada da crise sanitária, uma profunda recessão e as ações bizarras do presidente podem deflagrar um movimento imprevisível. O centrão pode se voltar facilmente contra o presidente se houver sinalização que poderá cair. O fato de Mourão ser do mesmo campo político contribui, por que preserva a atual hegemonia política da centro direita na opinião pública. Concluiria assim que a probabilidade de sua permanência é maior que a de seu afastamento.

Falta maior apoio popular para impeachment de Bolsonaro, diz líder do PT

Os quase 30 pedidos de impeachment contra o presidente da República apresentados na Câmara não são suficientes para levar adiante um processo de cassação do mandato de Jair Bolsonaro. Esse é o entendimento do líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), para quem os esforços do Congresso devem ser canalizados para “salvar vidas” e enfrentar a crise provocada pela pandemia de covid-19.

“Não é momento de a gente discutir essa questão [impeachment]. Não vamos repetir o mesmo erro de Bolsonaro. Trocou ministro da Saúde que vinha, bem ou mal, tocando a agenda da saúde, com curva de aprendizagem sobre a pandemia. Mesmo o presidente se colocando contra as medidas mais acertadas no combate a pandemia, agora é hora de cuidar da saúde, das pessoas, do auxílio aos estados e diversas categorias profissionais”, disse o senador.

Segundo ele, a discussão sobre os crimes de responsabilidade do presidente deverá ser enfrentada, mas somente após a pandemia. Para Rogério Carvalho, ainda não há apoio popular necessário para o afastamento do presidente. “A sociedade precisa tomar pé da quantidade de crimes de responsabilidade do presidente e a iniciativa de pedir o impeachment, para não ser uma coisa partidária. Tem de ser um desejo mais amplo da sociedade”, afirmou.

De acordo com o líder, a aprovação de um processo de impeachment dependerá da soma de algumas variáveis. “O que está motivando o impeachment do presidente? Quais foram os crimes que ele cometeu? Como está o ânimo da população em relação ao presidente e em relação aos erros que ele cometeu na sociedade. Isso vai ser levado em conta.”

Na avaliação do líder petista, a sociedade começa a desaprovar o “conjunto de atrocidades” cometidos pelo presidente, por meio de seus reiterados ataques às instituições democráticas. “A gente tem clareza de que Bolsonaro é incapaz de governar o país. Não prova a sua sensibilidade de líder. Não tem empatia, compaixão ou generosidade com as pessoas. Mas o povo o escolheu… É preciso priorizar agora o salvamento de vidas.”

Rogério diz temer que Bolsonaro tente dar um golpe de Estado, mas que acredita no cumprimento da Constituição pelas Forças Armadas. “Como espero que o ativismo jurídico diminua um pouco, que a gente possa ter momento mais conservador do Judiciário para não termos inovações fora de uma normalidade. A inovação em momentos de crise como este é ruim para a democracia. Cria instabilidade, argumentos, tensões desnecessárias”, observa.

O senador afirma que Bolsonaro tem alguma razão ao criticar a interferências do Judiciário, a exemplo do que ocorreu com governos anteriores. No caso da nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal, barrada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, Rogério acredita que houve erro das duas partes.

De acordo com ele, o episódio poderia ter sido conduzido de outra maneira tanto por Bolsonaro quanto por Moraes. “O ministro poderia ter solicitado informação, ter optado por uma decisão colegiada. Por conta das denúncias, das suposições, acho que o presidente errou ao colocar alguém muito próximo. Ele também provocou. Nem o STF tem de agir como regra dessa forma. Nem o presidente deve colocar alguém diante de denúncias um órgão que tem responsabilidade de arbitrar”, criticou.

A apresentação de pedidos de impeachment tem dividido a oposição. No Senado, apenas os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Fabiano Contarato (Rede-ES) assinaram um requerimento para a abertura de um processo contra Bolsonaro. Na Câmara, apenas o PDT e o PSB formalizaram pedido. O Psol enfrenta uma crise interna, porque apenas alguns deputados assinaram o requerimento, sem aval da direção partidária.

O ex-presidente Lula já defendeu em entrevistas que o PT comece um movimento “fora, Bolsonaro” mirando um processo de impeachment contra Bolsonaro, mas a ala majoritária da sigla, liderada por ele, é contrária por enquanto à proposta.

Pesquisa Datafolha divulgada no último dia 27 mostra uma divisão na sociedade sobre um eventual processo de impeachment contra o presidente. De acordo com o levantamento, 45% defendem a abertura de um processo de afastamento contra Bolsonaro. Outros 48%, no entanto, são contrários à medida. E 6% não opinaram.

O apoio a uma renúncia teve o apoio de 46%. Já os contrários à ideia somaram 50%. Conforme o Datafolha, 33% dos entrevistados consideram o presidente ótimo ou bom, 38% ruim ou péssimo, e 25% o avaliam como regular.

Foram ouvidas 1.503 pessoas por telefone. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou manis. A pesquisa foi feita no dia 27 e capturou as primeiras reações à demissão do ex-ministro Sergio Moro, ocorrida no dia 24.


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