20/04/2024 - Edição 540

Poder

Para Toffoli, democracia representativa está ameaçada

Publicado em 15/05/2020 12:00 -

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Ao ser perguntado, durante o programa Roda Viva, da TV Cultura, no último dia 11, se a democracia está em risco, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, relativizou a resposta e disse que a democracia “não é um dado da cultura humana”.

O presidente do Supremo deu uma volta grade para escapar do confronto:

“Primeiro nós temos que lembrar que a democracia não é um dado na natureza. Aquilo que é um dado da natureza, ela existe. O sol é um dado da natureza, a terra, é um dado da natureza, a água. A democracia é fruto da cultura humana. Tudo que é fruto da cultura humana foi criado pelo homem e ela foi criada pelo homem e é fruto da cultura. Existem coisas que são frutos da cultura humana que são consideradas coisas naturais”, afirmou.

Toffoli chegou a citar o antropólogo belga Claude Lévis-Strauss: “A família é fruto da cultura humana e em todas as sociedades existem famílias. O casamento, o Claude Lévis-Strauss fala, ele é fruto da cultura humana, mas não existe casamento igual em todas as sociedades. Existem sociedades do passado que não têm casamento. Mas, a democracia, a democracia é fruto da cultura humana, ela não é da natureza e ela não é natural em toda a sociedade humana, ou seja, ela tem que ser defendida permanentemente”.

Ao final, o magistrado lembrou “o que está em jogo hoje não é a democracia em si. É a democracia representativa. Hoje nós temos que pensar que está tendo uma uberização da política. As pessoas querem fazer política diretamente. E é isso que está ocorrendo, nessa uberização as pessoas querem o serviço na hora”, encerrou.

Toffoli, lembrando, prefere hoje chamar o golpe de 1964 de “movimento de 1964”. 

O que é a ‘uberização’ da política pelo ministro?

O cientista político Cláudio Couto fez uma análise da hipérbole do presidente da Corte:

“A menção ao antropólogo Claude Lévi-Strauss faz algum sentido. De fato ele, num texto clássico, estabelece uma distinção entre natureza e cultura que é relevante. Há certos universais antropológicos, elementos da vida social que são encontrados em todas as sociedades, ainda que em formas muito distintas. A família, mencionada por Toffoli, é um deles. Em todas as sociedades há família, embora as formas da família mudem muito de uma sociedade para a outra. Daí a referência dele à questão do casamento, que não necessariamente existirá em todas as sociedades.

Ele fez esse raciocínio para explicar que a democracia é um artifício humano, uma criação de certas sociedades, não um dado da natureza. Isso é verdade, mas assim como nem todas as formas de família são iguais, mesmo sendo um universal antropológico, menos ainda a democracia – que é um artifício – será sempre igual. Até aí tudo bem, tanto que há uma ampla gama de estudos sobre as variedades ou modelos de democracia, mas a questão não foi essa, parece-me. Ele fez uma imensa hipérbole para não responder à questão.

Os riscos para a democracia no Brasil são claros e provêm das ações de Bolsonaro e seus aliados, que investem contra a imprensa, os demais Poderes (inclusive o Judiciário, de que Toffoli é chefe), o pluralismo e o direito de oposição e crítica.

E, digamos, não há democracia no mundo, por mais peculiar que seja, em que todos esses elementos não devam estar presentes. Portanto, ao desrespeitá-los, Bolsonaro também desrespeita a democracia, seja ela de qual tipo for.

Ao final da resposta ele menciona uma tal de “uberização” da democracia, dando a entender que isso tem a ver com formas de democracia direta, de obtenção de respostas imediatas. Para além da pouca clareza do que isso realmente signifique, parece-me haver algo perigoso aí.

Bolsonaro é um político não só autoritário, mas populista. O populismo implica essa tentativa de estabelecer contatos diretos entre o líder e o povo (nos termos por ele definidos), sem a mediação das instituições. Ao mesmo tempo, esse apelo direto ao “povo”, contra as instituições e contra os opositores e críticos, implica na eliminação de quaisquer controles, ao mesmo tempo em que apela a uma legitimação direta do líder – e só dele. Ou seja, dessa perspectiva, só o líder de fato encarna o povo, fundindo-se com ele.

Daí, a democracia direta se confunde com o poder inconteste de um líder, pois só ele, supostamente, escuta diretamente o povo, expressa suas vontades e age em seu benefício. Todos os demais são antipovo e antidemocráticos. Essa é a essência do bonapartismo – em referência a Napoleão e Louis Bonaparte – que usaram de plebiscitos para se tornarem governantes absolutos, acima de qualquer forma de controle. É isso o que Bolsonaro parece buscar, escorando-se num simulacro de democracia direta, como os comícios em frente ao Alvorada e ao Planalto, em que ele se confraterniza com apoiadores fanáticos e que pedem a anulação dos direitos individuais (AI-5) e do funcionamento das instituições. Ou seja, o nosso bonarpartismo é o bolsonapartismo”.


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