28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

A Tradição do Coturno

Publicado em 14/05/2020 12:00 - Rodrigo Amém

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Se tem um grupo que gosta de honrar suas tradições, são os militares. Prova disso é a quantidade de milicos brasileiros empenhados em repetir os patetismos da ditadura. Quebrando o recorde de ministros militares no governo, um número maior do que os governos Médici, Figueiredo ou Maduro, Bolsonaro se cerca de gente de ombro estrelado e assustadora incapacidade de gestão. 

Depois da demissão do Ministro da Saúde Teich, o número 2 assumiu o ministério encarregado da maior crise de todos os tempos. Apesar de não ser qualificado nem para ser o número 8 da pasta. Eduardo Pazuello é general e nunca trabalhou na área. De formação, assim como o Presidente, é paraquedista. Não sei o que esse currículo agrega à sua formação, além de um aparente desdém pela lei da gravidade.

Nosso vice-presidente também é general, mas da reserva. Hamilton Mourão escreveu um artigo para o Estado de São Paulo que lembrou Regina Duarte em sua entrevista à CNN. 

Teve o mesmo cheiro de humilhante desagravo. Nele, Mourão reafirmou estar alinhado com as patifarias do presidente, no melhor estilo: "não adianta tirá-lo que vou fazer igual". Fez críticas a imprensa (porque não tem nada que um militar goste mais do que explicar a outro profissional como fazer seu trabalho. Acho que o termo é "milicoesplaining") e teve a enceradíssima cara-de-pau de dizer que a imagem do Brasil está tão ruim lá fora porque ex-presidentes foram ao exterior e fizeram críticas ao governo por inveja ou ressentimento. Como se estivéssemos no sécuo XV e o FHC e o Lula tivessem montado numa nau e ido até o velho continente trazer notícias do novo mundo, caso contrário ninguém saberia as baboseiras que o atual presidente faz e fala por aqui. Um adulto escreveu isso, gente.

E por falar na tragicomédia que perambula pelo Palácio da Alvorada, Capitão Bolsonaro, (que só é presidente e não cumpriu cana por terrorismo porque o tribunal militar achou que pegaria mal uma condenação que confirmasse a denúncia de "uma jornalistazinha saidinha") continua contando com o corporativismo de caserna para limpar suas lambanças. O passador de pano oficial da União é o General Augusto Heleno, que parece ter um talendo para orbitar roubadas, do Comitê Olímpico Brasileiro na época do Nuzman, da missão humanitária do Brasil no Haiti que acabou em massacre, aos convênios milionários condenados pelo TCU. Pra quem vive do prestígio de feitos passados, Heleno parece estar sempre mal acompanhado no presente. 

Pois Bolsonaro caiu na arapuca do Moro e teve uma reunião ministerial gravada, onde o presidente declarava interesse em interferir na Polícia Federal para proteger sua família Adams da Barra da Tijuca. Existe um vídeo com o nauseabundo diálogo. Mas o general Heleno nega. Na verdade, Bolsonaro estaria reclamando do serviço de segurança, que é função do próprio general, não da PF. Logo, que estaria sendo ameaçado de demissão não seria Moro, mas ele mesmo, o general Heleno. Uma mentira tão rasteira que bastaria assistir ao vídeo para ver que não é o caso. Mas aí, General Heleno diz que tornar o vídeo público seria um ato "impatriótico"

Com essa turminha animada, Bolsonaro passou da promessa de campanha de "quadros técnicos" nos ministérios para "quadros táticos". Gente comprometida com o fisiologismo e o corporativismo. Com o "sim,senhor" e não com os fatos e com a experiência e gestão pública. Você, jovem youtuber de direita, não se lembra, mas já vivemos uma epidemia mortal num tempo em que a imprensa não podia criticar e o governo só fazia o que bem entendia. Poderíamos adicionar os mortos da Miningite de 1974 à pilha de cadáveres prodizida pela insegurança tóxica dos nossos gestores militares, mas é difícil precisar o número de vítimas sem registros oficiais.

Criadas para garantir a segurança contra inimigos externos, as Forças Armadas não têm lugar na administração de um governo democrático. Pelo menos não deveriam ter. Porque a democracia exige transparência administrativa e diálogo, coisas que os generais insistem em enxergar como insubordinação. E toda vez que suas decisões sofrem escrutínio ou crítica, recorrem ao argumento do patriotismo. Não é "patriótico" questionar decisões e atos do governo, dizem, como se só existisse um jeito de amar o país e todos os outros fossem apenas heréticos traidores. Um posicionamento desonesto e manipulador costumeiramente adotado por líderes de cultos e fanáticos. 

Por isso, amigo leitor, recomendo: quando lhe pedirem algo em nome de deus ou da pátria, fique atento. Pode ser simplesmente falta de argumentos fundamentados em fatos. E não há maior tradição militar do que tomar o poder a despeito dos fatos.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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