18/04/2024 - Edição 540

Poder

Entenda o inquérito das fake news que preocupa Bolsonaro

Publicado em 08/05/2020 12:00 -

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O inquérito que corre em sigilo no Supremo Tribunal Federal sobre as fake news voltou ao centro das atenções desde a saída de Sergio Moro do governo. Em sua fala de despedida, o ex-ministro da Justiça fez praticamente uma delação, na qual acusou Jair Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal e afirmou que o presidente reconheceu estar preocupado “com inquéritos em curso no STF”.

Há duas apurações da corte com potencial de atingir a família Bolsonaro: a que apura a organização dos atos do dia 19 de abril, que pediam o fechamento do Congresso e do STf e o retorno dos militares ao poder; e o das fake news. Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo no último dia 25 de abril, a Polícia Federal teria identificado que Carlos Bolsonaro, o filho 02 do presidente, é um dos operadores do esquema. 

Moro, que prestou depoimento à Polícia Federal no último dia 2 sobre as acusações contra Bolsonaro, disse que o presidente queria colocar, à frente da PF, “uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência”. O ex-juiz deixou o governo depois que Bolsonaro confirmou a exoneração do diretor-geral da PF Maurício Valeixo.

Todo esse conjunto levou o ministro do STF Alexandre de Moraes, que relata o inquérito das fake news no Supremo, a proibir que os delegados que já tocam a investigação em questão sejam retirados do caso. Eles, inclusive, são os mesmos que apuram quem está por trás da organização dos atos antidemocráticos ocorridos no mês passado. Bolsonaro participou de um deles em Brasília e chegou a discursar em cima de uma caminhonete. 

Também Moraes suspendeu a indicação de Alexandre Ramagem, então diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e amigo próximo de Carlos Bolsonaro, para diretor-geral da PF.

Mas, afinal, o que é o inquérito das fake news? 

O inquérito em questão foi aberto em 14 de março de 2019 pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, com a intenção de investigar a existência de uma rede de produção e propagação de fake news. O ministro tomou a decisão após saber de ofensas que o procurador da República Diogo Castro de Mattos, que integrou a Lava Jato, fez à Justiça Eleitoral. 

O documento de abertura de inquérito fala em investigação de “notícias fraudulentas, denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares, extrapolando a liberdade de expressão”.

Toffoli justificou a investigação com base no artigo 43 do regimento interno do STF, segundo o qual, “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro”. O caso então foi colocado nas mãos do ministro Alexandre de Moraes, sem sorteio entre os ministros, como determina o regimento da Corte. 

O presidente do STF não especificou a abrangência do inquérito, mas, desde o início, deixou claro que as investigações não ficariam delimitadas aos integrantes da Lava Jato, nem a procuradores da República.  

Na manifestação pelo inquérito, destacou que o processo busca identificar ações criminosas praticadas isoladamente ou por associações de pessoas com objetivo de “perpetrar, de forma sistêmica, ilícitos que vão de encontro aos bens jurídicos em questão”.

Logo na primeira semana, Alexandre de Moraes já determinou o bloqueio de contas de internet que propagavam discursos de ódio contra a Corte. Em entrevista ao ConJur em fevereiro, Toffoli afirmou que, a partir do inquérito, “mais de 70% das fake news que rodavam nas redes sociais desapareceram”. 

Inquérito é polêmico

Houve resistência a uma investigação aberta pelo Supremo sem que a corte tivesse sido instada pelo Ministério Público ou por uma autoridade policial. 

A procuradora-geral da República à época, Raquel Dodge, disse em nota que o STF havia extrapolado suas funções e que ao Judiciário cabe garantir a correção de investigações, não realizá-las. 

“O sistema penal acusatório estabelece a intransponível separação de funções na persecução criminal: um órgão acusa, outro defende e outro julga. Não admite que o órgão que julga seja o mesmo que investigue e acusa”, disse ela. Ela chegou a pedir que o inquérito fosse arquivado, mas Alexandre de Moraes negou. 

Um mês após depois de aberto o inquérito das fake news, ocorreu talvez a maior polêmica do caso até hoje. Em 15 de abril, Alexandre de Moraes mandou que a revista Crusoé e o site O Antagonista retirassem do ar uma notícia intitulada “O amigo do amigo do meu pai”, que mencionava Toffoli sendo citado por Marcelo Odebrecht em uma delação. A sugestão era de que o presidente da Corte seria amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, por sua vez, era amigo do fundador da empreiteira Odebrecht, Emílio, o pai de Marcelo. 

Na decisão de Moares contra a Crusoé, o ministro cita “mentiras e ataques” e diz que nota da Procuradoria-Geral da República informou que a instituição não recebeu informações da Lava Jato sobre essa citação da Odebrecht a Toffoli.

Entidades da sociedade civil, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), entidades que representam jornalistas, alguns ministros do STF e até o governo vieram à público recriminar a decisão, que classificaram como um ato de censura à liberdade de imprensa.

Moraes voltou atrás. Mas o mal já estava posto e não ficou somente nos bastidores do STF.

Houve colegas que se manifestaram publicamente. O ministro Marco Aurélio Mello falou claramente em “censura”. “Isso, pra mim, é inconcebível (a remoção do conteúdo dos sites jornalísticos). Prevalece a liberdade de expressão. Para mim, é censura”, disse.

Até mesmo o vice-presidente Hamilton Mourão falou a respeito: “Não entendemos o que aconteceu. Por quê? Por conta de artigos que ele escreveu? Então não se pode mais ter opinião?”. 

Governo apoiou inquérito no início 

Embora atualmente Jair Bolsonaro critique os desdobramentos do inquérito das fake news, seu governo já se manifestou a favor dele. 

Foi quando a Associação Nacional dos Procuradores da República apresentou um mandado de segurança para suspender a portaria de Toffoli, alegando “ameaça à categoria”. Não conseguiu, contudo, provar que o inquérito teria o objetivo de investigar atos praticados por procuradores da República, mais especificamente os da força-tarefa da Lava Jato. 

Na ocasião, a AGU (Advocacia-Geral da União) se manifestou de forma contrária ao pedido da ANPR, alegando que a entidade se baseava em ilações para apresentar a ação.

“Dos termos utilizados pela citada portaria, não há como inferir que os associados da impetrante [ANPR], ou mesmo parcela deles, seriam objeto de atos relacionados ao inquérito. (…) Não há por parte da impetrante a comprovação por meio de prova pré-constituída e idônea de que a instauração do procedimento investigativo ‘inibe o regular exercício da atividade dos associados da impetrante’. Em verdade, a entidade associativa autora vale-se apenas de notícias divulgadas pela imprensa, sem apresentar documento formal e oficial que possa embasar suas alegações e justificar o seu receio”, destacou a AGU, em manifestação assinada pelo então advogado-geral André Mendonça, agora ministro da Justiça e Segurança Pública. 

Apesar das polêmicas iniciais, o processo corre em sigilo. Em setembro de 2019, o novo procurador-geral da República, Augusto Aras, se pronunciou a respeito e descartou qualquer pedido de arquivamento do caso. 

Em dezembro, o relator Alexandre de Moraes determinou que os deputados Alexandre Frota (PSDB-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP) fossem ouvidos no processo. Ambos são ex-aliados de Bolsonaro. 

Para o deputado Alex Manente (Cidadania-SP), os depoimentos deles na CPMI das fake news no Congresso representaram uma mudança de rumo. “Foram um marco no caso, com certeza. É claro que, agora, com coisas vindo à tona contra a deputada Joice, pode ser que a CPI tinha que tirá-la do papel apenas de testemunha para torná-la investigada. Mas as informações que os dois levaram não deixam de ser as mais relevantes até o momento”, destacou ao HuffPost o parlamentar, autor da PEC da 2ª instância. 


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