28/03/2024 - Edição 540

Poder

Apesar de tudo, falta rua para declarar o fim do governo Bolsonaro

Publicado em 01/05/2020 12:00 -

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A abertura de um processo de impeachment contra Jair Bolsonaro racha o eleitorado brasileiro, mas o presidente ainda está em posição mais confortável do que a de seus dois antecessores impedidos desde a redemocratização de 1985.

É o que se depreende da análise de outros momentos de crise política nos quais o Datafolha perguntou à população se era conveniente o movimento por parte da Câmara dos Deputados.

Relativizando essa leitura há um fato: a intenção contrária a Bolsonaro é alta, 45%, e ele tem um 1 ano e 4 meses no cargo. Outros 48%, um empate na margem de erro de três pontos, são contra a abertura do processo. Os dados foram divulgados no último dia 27.

A palavra impeachment ronda conversas políticas há poucos meses, devido à erosão acelerada da relação entre o Planalto e os outros Poderes e entes federativos. A condução conflituosa da emergência do novo coronavírus, rejeitada por 46% e na qual Bolsonaro se isolou politicamente, acelerou o desgaste político.

A tensão chegou ao paroxismo com a saída de Sergio Moro do governo, com o ministro da Justiça acusando o ex-chefe de querer interferir na Polícia Federal —algo confirmado por Bolsonaro ao insistir no nome de Alexandre Ramagem, próximo à sua família, para a direção do órgão.

O presidente, contudo, mantém um patamar alto de apoio popular no cômputo geral, 33% de ótimo e bom.

O primeiro presidente eleito diretamente depois da ditadura de 1964, o hoje senador Fernando Collor de Mello (então no partido sob medida PRN), foi afastado sob acusação de corrupção em setembro de 1992 —viria a renunciar três meses depois para tentar evitar a perda de direitos políticos, sem sucesso.

Ele passou os dois primeiros anos do mandato, 1990 e 1991, decaindo devido ao caos econômico e à perda de sustentação no Congresso. Fritou na cadeira, de fato, em 1992, quando foi acusado pelo irmão Pedro de envolvimento em um grande esquema de corrupção e acabou alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito e o subsequente impeachment.

O Datafolha aferiu o ânimo da população nos dias 3 e 4 de setembro, pouco mais de 20 dias antes da abertura do processo. Naquele momento, 75% dos brasileiros desejavam a medida, ante 18% que a rejeitavam.

Já Dilma Rousseff (PT) foi reeleita em 2014, assumindo em 2015 sob grave crise econômica decorrente de opções feitas em seu primeiro mandato.

Politicamente, o governo começou a sangrar pelas revelações da Operação Lava Jato, que atingia não só seu partido como vários aliados, em 2014. No ano seguinte, a oposição ferrenha do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB), acelerou sua decadência política.

Em março de 2015, o Datafolha mostrou que 63% dos brasileiros desejavam o impeachment de Dilma, enquanto 33% eram contra. Em outras quatro pesquisas, o índice oscilou até um máximo de 68% a favor (março de 2016), chegando ao derradeiro levantamento de abril de 2016 em 61%.

A presidente acabou afastada em maio daquele ano, sendo julgada e impedida em agosto, devido às pedaladas fiscais que promovera.

Esses dados são referenciais, dado que há diferenças metodológicas —as duas pesquisas sobre Bolsonaro foram feitas por telefone devido à pandemia da Covid-19, enquanto as anteriores eram presenciais.

Outros dois presidentes no período tiveram o impeachment especulado, mas permaneceram no cargo com apoios díspares. Em agosto de 2005, no auge do escândalo do mensalão, o Datafolha quis saber se os brasileiros desejavam um impeachment contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O resultado: 63% eram contrários, 29% a favor. A oposição acompanhou o sentimento popular e preferiu deixar Lula sofrer o desgaste. Deu errado: em 2006, ele havia se recuperado e foi reeleito.

Já em maio de 2017, foi a vez do ex-vice de Dilma, Michel Temer (MDB), ir para a grelha. Pego em uma conversa indevida com o empresário Joesley Batista, ele teve duas denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República à Câmara —conseguiu vê-las suspensas até o fim de seu mandato.

O fez pelo apoio expressivo que tinha na classe política e pela anemia da oposição recém-retirada do Planalto. O desejo popular era por impeachment: o Datafolha apontou em junho daquele ano que 81% desejavam o instrumento contra Temer, enquanto 15% o poupavam.

O caso de Bolsonaro é comparável com o de seu antecessor imediato pelo tempo semelhante que ambos tinham no cargo quando o impeachment começou a rondar. Mas Temer tinha quase uma unanimidade popular contra si, algo que está longe do atual presidente por ora.

O que se vê são os traços comuns de todos os presidentes que foram removidos da cadeira: amplo desejo popular pelo processo de impeachment, falta de apoio congressual e crise econômica.

Sobre algo bastante mais intangível, a renúncia de Bolsonaro, o Datafolha mostrou que 46% dos brasileiros a desejam –o valor aferido na segunda (27) é maior do que aquele registrado há duas semanas, 37%.

Em três rodadas questionando sobre a hipótese, entre novembro de 2015 e abril de 2016, o Datafolha ouviu um alto apoio a ela no caso de Dilma, oscilando de 60% a 65%. Já Temer teve a renúncia desejada, no auge de sua crise em 2017, por 76%.

Base forte

Depois das saídas caóticas de Mandetta e Moro, o destino político do presidente Jair Bolsonaro parecia mesmo estar selado. Afinal, um presidente da República que, no meio de uma pandemia histórica – que logo chegará a centenas de milhares de infectados e possivelmente dezenas de milhares de mortos –, passa 40 minutos falando sobre os namoros do filho com metade do condomínio e de como ele próprio desligou o aquecimento da piscina para economizar em meio à crise, fracassou de forma tão retumbante como comandante de uma nação em situação de emergência que sua saída parece simplesmente lógica.

Muitos dos comentários na mídia adotaram essa linha: falou-se em renúncia – sugestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Especulou-se sobre a possibilidade de um impeachment. Até sobre golpe militar se falou na semana passada. Ou – como esperam algumas pessoas no meio econômico – que o vice, general Hamilton Mourão, assuma o governo. O argumento aqui é que o Brasil, afinal, já teve boas experiências com governos interinos, de Itamar Franco a Michel Temer.

Mas mesmo no médio prazo todos esses cenários não são realistas: é muito cedo para a despedida de Bolsonaro. É verdade que o capitão da reserva está enfraquecido, como afirmam muitos críticos. Mas eles subestimam a sua força, que o mantém firme no cargo.

São vários os motivos:

Bolsonaro tem uma base de apoiadores estável. Entre eles estão os evangélicos, que são pelo menos um terço da população, segundo estimativas. Esses não se deixam assustar pela pandemia, que consideram um castigo de Deus. Eles também não ligam para o discurso de ódio de Bolsonaro, desde que ele se empenhe pelos seus interesses conservadores.

Quem esteve uma manhã diante do Palácio da Alvorada e viu como esses fãs acolhem o palavreado de Bolsonaro com benção e amém sabe que essas pessoas vão com ele até o fim.

Bolsonaro também poderá continuar contando com o apoio dos inúmeros nostálgicos da ditadura, dos fãs das milícias e dos demais linhas-duras na questão da segurança pública. Nenhum outro político usa os estereótipos sociais tão bem como o ex-capitão. Ele os agrada com medidas como o relaxamento nas exigências para a importação de armas ou a compra praticamente ilimitada de munição.

Some-se a isso o Poder Executivo: o presidente da República tem o poder da caneta. Até aqui foram poucos os cargos na burocracia e nas estatais que Bolsonaro preencheu com nomeações políticas. Mas, agora, ele "foi às compras" e começou a negociar com os deputados tradicionalmente à venda.

E ele está com sorte: em meio à crise, obter apoiadores no Congresso está até mais barato, dito de uma forma cínica. Qualquer verba para um banco de desenvolvimento regional ou uma agência subordinada faz milagres políticos nestes tempos difíceis. E as eleições municipais de outubro ainda não foram adiadas. Uma verba pública para comprar alguns respiradores para um hospital municipal pode decidir uma eleição.

Os apoiadores de Bolsonaro rejeitam o balcão de negócios com a "velha política" – o que Bolsonaro também descarta desde a campanha eleitoral. Mas ele pode sair dessa com um truque fácil: o seu argumento para defender o regateio de postos em prol de sua sobrevivência política será o de que ele colocou militares em todos os níveis do seu governo, e eles saberão manter os políticos corruptos dentro da linha.

E, claro, os próprios militares são uma importante garantia para a sobrevivência política de Bolsonaro: os generais continuarão apoiando o capitão da reserva enquanto ele não for afastado do cargo por meio de um impeachment. Mesmo no curso inconstante das últimas semanas, eles não o criticaram publicamente.

Também, a vida em Brasília, no centro do poder, é atraente demais para isso: eles desfrutam dos privilégios, dos acréscimos salariais e nas aposentadorias, do acesso aos orçamentos estatais para os seus setores, da importância recém-adquirida depois de – do ponto de vista deles – décadas de opróbrio e insignificância, após o fim da ditadura militar.

Em resumo: não está com cara de que o Brasil vá conseguir se livrar, no curto prazo, de um presidente para quem a gestão da atual crise é claramente pedir demais.

Confira os pedidos de impeachment contra Bolsonaro

A seguir, a íntegra de todos os pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação e compreendem o período entre março de 2019 e 27 de abril de 2020.

Entre os principais motivos, denúncia de interferência política na Polícia Federal, participação em ato pró-intervenção militar, disseminação de notícias falsas e desobediência ao isolamento social imposto pela covid-19 por meio da formação de aglomerações.

Cabe ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), dar andamento ou não a cada caso. Até o momento Maia não demonstrou intenção de submeter qualquer pedido à apreciação do plenário, responsável por determinar a abertura ou não de um eventual processo de cassação.

Na fila há 26 pedidos, dos quais apenas um, o de Antônio Jocélio da Rocha, foi arquivado sumariamente pelo deputado, ainda no início de 2019. Os demais constam como "em análise" nos registros da Casa.

Clique no nome do autor do requerimento para ler a íntegra do pedido:

Alessandro Molon

Alexandre Frota

André Luiz Moura

Antônio Jocélio da Rocha

Bruno Espiñera Lemos

Carlos Alexandre Klomfahs

Carlos Lupi, Ciro Gomes e Walber Agra

Diogo Machado Soares dos Reis

Diva Maria Piedade do Santos

Felipe dos Santos Fontes

Fernanda Melchiona

Flávia Pinheiro Fróes

João Batista de Lima Resende

João Carlos Augusto Melo – Primeira denúncia

João Carlos Augusto Melo – Segunda denúncia

Joice Hasselmann

José Manoel Ferreira Gonçalves

Kim Kataguiri

Leandro Grass

Luiz Fernando Rabelo de Sousa

Maria Rodrigues de Sousa

Neide Liamar Rabelo de Sousa

Paulo Roberto Iotti Vecchiatti

Sidney D. Gonçalez

Valdir Barbosa de Medeiros

Vilson Pedro Nery


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