28/03/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro aposta em racha no centrão com oferta de cargos para desidratar Maia

Publicado em 24/04/2020 12:00 -

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Nos últimos dias, enquanto o País canalizava suas forças no combate à pandemia de coronavírus, Jair Bolsonaro participava de reuniões – dentro e fora da agenda oficial – com presidentes e líderes de partidos do centrão. Crítico do que chama de “velha política”, o mandatário e seus interlocutores mais próximos vêm ofertando cargos em postos variados da esfera pública federal com o objetivo de reunir apoio no Congresso e isolar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Deputado que, na avaliação do presidente e seus aliados, “quer comandar” a agenda do Parlamento. 

No primeiro ano do governo Bolsonaro, foi o próprio mandatário que, em conversa com o presidente da Câmara, lhe pediu ajuda na articulação política, uma vez que os interlocutores do governo vinham falhando vez atrás da outra. Com auxílio de Rodrigo Maia, a principal agenda da gestão bolsonarista de então, a reforma da Previdência, foi aprovada em tempo recorde. Agora, o presidente acusa o deputado de conspirar contra si. 

Há cinco anos no comando da Casa, o democrata começa a enfrentar resistência até mesmo de aliados para seguir na cadeira, como chegou a cogitar. Existe uma PEC pronta que permitiria a ele se reeleger. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), inclusive, vem pressionando o colega a reunir apoio ao texto na Câmara. Contudo, Maia não tem tido sucesso na empreitada. 

Um dos presidentes de legenda que esteve com Bolsonaro elogiou Maia, afirmando que, como todo bom chefe de Poder, “cometeu mais acertos que erros”, mas afirmou que diz “na cara dele que já deu”. Para esse político, “não é possível” não haver ninguém “capaz de substituí-lo” e, se assim é, “o nosso sistema político está falido”. 

O HuffPost conversou nos últimos dias com três presidentes de legendas que se reuniram com Jair Bolsonaro desde o início de abril, com aliados de Rodrigo Maia e também com outros parlamentares alheios às disputas em questão para avaliação do cenário. 

Tática de guerra

A disputa pela presidência da Câmara é só em 1º de fevereiro de 2021, mas já se fala nela desde o fim do ano passado. Nos bastidores, com a recusa de aliados em apoiar uma reeleição de Maia, já ficou acertado entre ele e seu núcleo mais próximo que o comandante da Casa reuniria apoio ao nome de consenso entre eles. 

Entre esse núcleo, porém, ainda não há consenso. E é apostando nisso, que Bolsonaro está tentando “rachar” o centrão – bloco formado por DEM, PP, PL, Republicanos, Solidariedade, PSD, e outros partidos menores, em torno do qual gravitam ainda por MDB e PSDB.

A predileção de Rodrigo Maia é pela candidatura de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). O mandatário, então, abriu um canal de diálogo com Arthur Lira (PP-AL) e o pastor Marcos Pereira (Republicanos-SP). Os dois são do grupo do presidente da Câmara, mas sabem que não contam com sua chancela para a disputa.

A tática de Bolsonaro inclui apoio público ao pastor, que é considerado da ala ideológica e tem aval da base bolsonarista; e um apoio velado a Lira. Independentemente do vencedor, o governo se veria garantido na Câmara. 

Seguindo raciocínio semelhante, Bolsonaro e seus interlocutores vêm ofertando cargos na mesma medida a outras lideranças partidárias, numa tentativa de ampliar – ou criar – uma base governista no Congresso. 

Nos bastidores, são negociadas cadeiras em órgãos como a Caixa Econômica Federal, o Banco do Nordeste e a Codevasf, passando pelo Porto de Santos, a Funasa, o FNDE e o Ministério da Economia. 

Na mão do centrão

Há alguns cenários. Um é que as propostas têm sido ouvidas, como é natural na política. “Não se fecha canais de diálogo”, afirmou um parlamentar que esteve com o Bolsonaro recentemente. 

Contudo, como o presidente já descumpriu uma série de promessas feitas ao Parlamento e a parlamentares, “só se acredita no que tem sido dito, quando publicado no Diário Oficial”, conforme disse um outro participante de reunião com o presidente. 

Quem olha a disputa de fora, com mais neutralidade, vê no movimento do presidente uma jogada “da política”, mas que “surtirá pouco efeito prático”. Segundo congressistas que não estão no centro da disputa, Jair Bolsonaro pode fazer “a oferta que for”, mas ao “negociar com o centrão”, ele próprio “se coloca na mão” dos partidos aos quais sempre chamou de fisiológicos. 

Outro congressista diz que, a depender da reação da “claque” bolsonarista, não espantaria se o presidente voltasse atrás e dissesse que foi “invenção” e “nada disso aconteceu”. Entre essas reuniões, no domingo (19), aos seus apoiadores, Bolsonaro disparou: “Nós não queremos negociar nada. Nós queremos ação pelo Brasil. Chega da velha política. Agora é Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”. No último dia 22, ao sair do Palácio da Alvorada, Bolsonaro se negou a falar com a imprensa, afirmando que “inventa tudo”. 

Análise

Avesso ao distanciamento social, marca da era do coronavírus, Jair Bolsonaro revelou-se um adepto fervoroso do isolamento político. Isolou-se tanto que agora está se sentindo ameaçadoramente solitário. A solidão não faz bem a Bolsonaro. Ele vai se tornando um personagem sem nexo. Começa a conversar com gente que ele prometia desprezar. Descobre da pior maneira que, em política, o maior problema dos rompimentos definitivos são as conciliações constrangedoras.

Em público, brigou com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e subiu na carroceria de uma caminhonete no domingo para alardear que "acabou a época da patifaria", "não queremos negociar nada" e "chega da velha política". Na intimidade, o mesmo Bolsonaro tricota com os presidentes de partidos do centrão e do centro. Inclusive com o DEM de Rodrigo Maia.

A lista de parlamentares recebidos nos últimos dias por Bolsonaro está repleta de prontuários. Inclui investigados, denunciados e réus. Entre eles encrencados do PP, campeão no ranking da Lava Jato; do MDB, sócio majoritário do petismo na pilhagem do petrolão; do PL, um cartório partidário controlado pelo mensaleiro Valdemar Costa Neto; do PSD do multiencrencado Gilberto Kassab.

Não é a primeira vez que o governo Bolsonaro tenta se entender com o pedaço do Congresso que carrega o código de barras na lapela. As investidas anteriores esbarraram no preço. As pessoas que estiveram com o presidente afirmam nos subterrâneos que ele levou ao balcão órgãos como o Departamento de Obras Contra a Seca, Fundação Nacional de Saúde, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e até a presidência do Banco do Nordeste.

Em português claro: Bolsonaro encostou o estômago no balcão. Protagoniza cenas que se parecem muito com um filme já conhecido: o velho toma lá, dá cá. O final não costuma ser feliz. Espera-se pelo menos que Bolsonaro esclareça o que se deseja tomar e o que ele se dispõe a dar.


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