28/03/2024 - Edição 540

Eles em Nós

O bolsonarismo esfacelado

Publicado em 22/04/2020 12:00 - Idelber Avelar

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Coalizão bolsonarista, atualização do esfacelamento

Eu havia proposto que o bolsonarismo é a coalizão de seis partidos:

1 – Partido do Boi.

2 – Partido da Polimilícia (polícia + milícia).

3 – Partido da Lava Jato (Sergio Moro e o Partido dos Procuradores)

4 – Partido do Mercado (que é o Guedes).

5 – Partido Teocrata (o Brasilzão evangélico).

6 – Partido dos Trolls (o olavismo, Carluxo, as milícias digitais).

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Situação atual:

– Depois de incontáveis ataques do Partido dos Trolls à China, o Partido do Boi basicamente rompeu com o bolsonarismo.

– Com a saída de Sergio Moro, o Partido da Lava Jato rompe com o bolsonarismo.

– Os empresários começaram a abandonar o barco e cogita-se um pedido de demissão de Paulo Guedes, Ministro escanteado na formulação do tal Plano Marshall.

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Restaram com o bolsonarismo:

– Boa parte do Partido Teocrata.

– O Partido da Polimilícia.

– O Partido dos Trolls, ou seja, o Partido Olavista.

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É esse o resumo da ópera: sobraram, governando o Brasil, Olavão, os Malafaias e as milícias.

TOMAR UMA

É difícil descrever a intensidade da cadeia elétrica de orgasmos múltiplos que percorreram meu corpo. Que os orixás me perdoem, eu abri uma cerveja às 9h30 da manhã.

Deliciando-me com cada palavra do ex juiz corrupto, aquele que enganou 99 de cada 100 jornalistas brasileiros com a sua mentirada, aquele que se rastejou e rastejou e rastejou e até para sair está rastejando.

Moro, o corrupto rastejante, consegue pedir demissão e sair humilhado! Ao mesmo tempo!

BASE DE APOIO

Gabriel Kanner, presidente do Instituto Brasil 200, grupo de empresários que vinha apoiando as ações de Jair Bolsonaro desde o início do mandato, diz que sentiu uma "decepção absoluta" após a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça e que o presidente perdeu sua base de apoio.

"Eu me sinto absolutamente traído como eleitor. Acho que todos que acreditaram no discurso do combate à corrupção se sentem traídos", diz Kanner.

ACREDITOU, FIO? ACREDITOU, FOI?

DESINFETANTE

Vejam se isto não é a coisa mais absurda do universo. Digam-me, por favor, se isto não parece uma realidade paralela, coisa de ficção científica vagabunda mesmo.

O Presidente da, por enquanto, ainda mais poderosa nação do mundo, Donald Trump, arrastou um cientista à humilhação pública de admitir que fará o que quer Trump: INJETAR DESINFETANTE em pacientes de Covid-19 para "curá-los" do vírus.

O absurdo vai se desdobrando naquele esquema que conhecemos. A CNN passou a noite trazendo especialistas para dizer que injetar desinfetante na veia não cura ninguém de Covid-19.

Eu literalmente tive que me beliscar, olhar o relógio, todas essas coisas que fazemos para nos certificar da realidade de algo. Não é possível que isso esteja acontecendo. O Presidente dos Estados Unidos mandando que as pessoas injetem desinfetante!

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Sim, isso mesmo. Se o desinfetante da sua casa estiver acabando, melhor comprar logo, porque o desinfetante é a próxima cloroquina. Daqui a pouco o Bolsonaro repete a história.

VIDA DIFÍCIL

A vida de todo mundo está ficando bem difícil, né?

Passam por incrível perrengue, segundo me contam, os maconheiros brasileiros. Em Beagá, dizem, já não encontram nada que preste.

Em um pequeno grupo dedicado a usos sociais e medicinais da Cannabis, o garoto relatava o seu dia:

— Deu paranoia que a maconha tivesse o vírus, aí fui e lavei a maconha com água e sabão. Coloquei na mesa. Peguei a seda. Daí me lembrei que a mesa não estava desinfetada. Lavei as mãos para pegar na maconha, peguei-a, coloquei em lugar desinfetado e lavei a mesa. Depois, coloquei a maconha na mesa de novo, mas fiquei na dúvida sobre se a seda que eu tinha pegado estava desinfetada. Joguei a seda fora, lavei as mãos de novo, peguei outra seda e enrolei o baseado.

O processo que o garoto me descreveu era tão agônico que eu fui obrigado a perguntar:

— Mas e aí, a onda pelo menos estava boa?

— Não, eu trabalhei tanto para limpar tudo que não teve onda, já fumei encaretando.

FAKE

Vou tentar dizer isso da forma mais delicada possível, talkei?

Sinceramente não sei o que se passa na cabeça de um brasileiro que, em abril de 2020, ainda pensa que "fake news", "disparos em massa de zap" e "fraude eleitoral" são as três categorias de que ele precisa para explicar a vitória de Bolsonaro. É um grau de desconexão com o Brasil real que é muito grave.

Com isso não quero dizer que essas três coisas não aconteceram. Elas aconteceram, mas documentação atrás de documentação (antropólogas como Letícia Cesarino, Camila Rocha, Isabela Kalil, a CPI das Fake News, o próprio trabalho do Pablera Ortellado etc.) mostra que foi limitado o poder desses elementos no resultado final. Se "fraude de zap" for a sua categoria e seu ponto de partida, você perderá contato com o problema importante, explicar como o bolsonarismo passou a ser um fenômeno REAL, que existe na facticidade do mundo, que mobiliza e articula 1/3 da população brasileira, queiramos nós ou não.

É preciso que quem ainda acredita no que chamo, no ELES EM NÓS, de "teorias do erro e da fraude"– as explicações do bolsonarismo como produto de disparos em massa de zap ou de fake news–conversem, sei lá, com gente de Goiás, do Triângulo Mineiro, do interior de SP, do Mato Grosso, ou mesmo do Rio de Janeiro para lá do túnel. O enraizamento do bolsonarismo é um fenômeno muito real: ele construiu sociabilidades, articulou (de forma distorcida) anseios reais, dividiu famílias, gerou militantes etc.

Querem derrotar o bolsonarismo? Eu também quero. O primeiro passo é reconhecer que ele existe.

MEME DOS MEMES

Este é o meme dos memes. Sem palavras.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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