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Artigo da Semana

Bolsonaro adota ‘parasitismo político’ em quem atua contra o coronavírus

Publicado em 22/04/2020 12:00 -

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Enquanto terceiriza suas responsabilidades durante a pandemia de coronavírus, Jair Bolsonaro atua para levar o crédito por ações e resultados que ocorreram apesar dele ou não graças a ele. O "parasitismo político" adotado pelo presidente da República, cuja prioridade é salvar seu mandato e garantir sua reeleição, deve ter efeito positivo. Para sua popularidade.

Deve-se ao Congresso Nacional a aprovação da renda básica emergencial de R$ 600,00 a fim de garantir a sobrevivência de trabalhadores informais e por conta própria durante a crise. Se dependesse do governo federal, o benefício seria muito menor, insuficiente para comprar uma cesta básica completa nos valores estabelecidos pelo Dieese, referência na medição do custo de vida dos trabalhadores, como já mostramos.

Os debates e projetos sobre o tema na Câmara dos Deputados são anteriores a qualquer ação concreta por parte do governo federal. E o presidente entrou apenas no final, quando a aprovação já era dada como certa, ao sugerir um valor um pouco maior a fim de reduzir o protagonismo de deputados e senadores. Ainda assim, sua equipe econômica arrepiou-se pela ampliação da base de beneficiários proposta pelo Senado Federal.

Há indícios de que o impacto da medida já foi sentido na popularidade do presidente. De acordo com Mauro Paulino e Alessandro Janoni, do Datafolha, "mais de 80% dos três pontos de oscilação positiva que Bolsonaro apresentou na última pesquisa [de 33% para 36%] chegam dos estratos de menor renda, o que sugere reflexos de ações específicas na área econômica como vetores de influência, especialmente o auxílio".

Ao mesmo tempo, sinais de que a curva de contágio do Estado de São Paulo não segue a trilha daquela do Estado de Nova York, com seus 17.671 mortos até agora, indicam que as medidas de isolamento social podem estar surtindo efeito. A demanda por hospitais e UTIs pode ter sido alongada, o que significa que seu impacto foi reduzido. Ainda ocorrerá um colapso, mas deve ser menor e mais curto.

Isso tende a salvar vidas, mostrando que governadores, prefeitos e a equipe anterior do Ministério da Saúde estavam certos e o presidente da República, que segue criticando quarentenas e defendendo apenas de segregação de idosos e pessoas imunodeprimidas, errado.

Porém, quanto mais as medidas de isolamento horizontal surtirem efeito, reduzindo o impacto da pandemia, mais Bolsonaro irá dizer que elas não serviram para nada. Venderá isso como a prova de que estava certo em chamar a pandemia de "gripezinha" e "histeria" e que a paralisação de atividades não essenciais era desnecessária.

Ironicamente, vai acabar se beneficiando daquilo que sistematicamente ataca, uma vez que o respeito à quarentena pode fazer com que a economia não precise de um fechamento mais profundo, nem que se repita por tantas vezes. Ou seja, o respeito ao isolamento garante um impacto menor na queda do PIB do que uma situação de desastre humanitário.

Como seu pescoço depende da retomada do país pós-Covid-19, ele deveria ser grato pela presença de adultos responsáveis que impedem que ele cause problemas ainda maiores.

Caso tivesse levado a sério as aulas de biologia do ensino fundamental, entenderia como seu comportamento pessoal é um mau exemplo para a propagação do vírus ao promover contato físico e aglomerações, tossir sem cobrir corretamente a boca, esfregar o nariz na mão antes de cumprimentar seus fãs.

Mas também se recordaria das formas de interação entre seres vivos. E, talvez, percebesse que sua relação com os Poderes Legislativo e Judiciário, bem como com outros entes da federação, deveria ser de simbiose – em que a relação é benéfica para ambos. E não de parasitismo, em que a Presidência da República explora, suga e provoca danos aos demais para sobreviver. Como um carrapato.

Leonardo Sakamoto – Jornalista e cientista social


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