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Poder

Após pressão de sindicatos e movimentos sociais, presidente do Senado tira MP 905 da pauta

Publicado em 17/04/2020 12:00 -

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O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), decidiu tirar da pauta a Medida Provisória (MP) 905, que trata do contrato de trabalho “verde e amarelo”. Foi uma vitória da oposição e dos movimentos sociais, que pressionavam para que a proposta não entrasse em votação e organizaram a campanha “#CaducaMP905” nas redes sociais. Se não for votada até a próxima segunda-feira (20), a MP perde a validade. Alcolumbre disse ainda que não garante a votação nem na própria segunda.

Na sessão de sexta-feira (17), alguns partidos apresentaram questão de ordem contra a votação do projeto de lei de conversão (PLV 4) resultante da medida provisória, que passou por alterações na Câmara, onde foi aprovada na última terça-feira (14). Líderes partidários argumentaram que a matéria não tem relação com o momento de pandemia.

Outras legendas se posicionaram contra a votação nesta sexta sem que houvesse acordo. O PSDB sugeriu transferir a sessão para segunda-feira, último dia do prazo, enquanto o Podemos propôs a edição de nova medida provisória. Já os líderes do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), e do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), defenderam a votação até segunda.

Alcolumbre destacou o esforço coletivo dos senadores para garantir a tramitação de pautas, mas acrescentou que a MP 905 representa um caso complexo. “Nenhuma das medidas provisórias foi tão complexa como essa. Há questionamentos desde a sua edição. Isso é público”, disse o presidente do Senado. “A medida provisória que teve o maior número de emendas na história do Congresso”, acrescentou.

Ele informou que 11 líderes se manifestaram para não votar o projeto. “Não foi para adiar, foi para não votar”, reforçou. Dois pediram para tirar da pauta de hoje e transferi-la para segunda-feira. Alcolumbre relatou ter recebido “questões de ordem de toda ordem” sobre a proposta. “Não tenho dúvida de que não temos condições de votar essa medida provisória hoje.”

O presidente do Senado acrescentou que tentou uma composição com a Câmara, “dividindo” a matéria e fazendo um substitutivo, que seria relatado por Rogério Carvalho (PT-SE) como relator. Mas, segundo ele, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não aceitou a sugestão.

“Então, está vencida a tese do substitutivo. Não tem mais relator da matéria”, afirmou Alcolumbre. “Vou retirar da sessão de hoje a Medida Provisória 905 e não vou dar garantia que ela estará pautada na segunda.” Ele apenas admitiu a possibilidade de um entendimento durante o fim de semana.

Editada em novembro, a MP altera vários itens da CLT com o objetivo anunciado de estimular o primeiro emprego de jovens de 18 a 29 anos. Comissão mista (deputados e senadores) modificaram o texto original: a alíquota do FGTS, por exemplo, cairia de 8% para 2%, mas foi mantida integralmente. A contribuição previdenciária no seguro-desemprego passou de obrigatória a opcional.

Retrocesso

A MP cria a chamada Carteira de Trabalho Verde e Amarela (CTVA), uma modalidade de contratação voltada para jovens com idade entre 18 e 29 anos e com redução de direitos trabalhistas em relação às regras atuais aplicadas pelo mercado.

No parecer aprovado pelos deputados, o relator da MP, Christino Aureo (PP-RJ), acrescentou que a medida valerá também para trabalhadores que têm acima de 55 anos, desempregados há pelo menos 12 meses e trabalhadores rurais.

Para os novos contratos, o pagamento mensal deverá seguir o teto de um salário mínimo e meio, o equivalente a R$ 1.558,50. A MP vale até 31 de dezembro de 2022, mas como os contratos devem ser de 24 meses, podem ultrapassar a validade da medida dependendo do momento em que for iniciado.

A proposta implementa ainda uma série de mudanças na relação entre patrão e empregado. Entre elas, está a isenção de contribuição previdenciária e das taxas pagas pelo empregador às entidades do Sistema S (Senai, Sesc, Sesi e Senac). O relator retirou a redução do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que iria para 2% do salário, mas agora permanece em 8%. 

De acordo com texto aprovado, o trabalhador demitido sem justa causa não tem direito à metade do salário correspondente até o fim do contrato, como previsto pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

As empresas poderão aplicar esse tipo de contrato a 25% dos trabalhadores. Aos empregadores que possuem até 10 trabalhadores, a restrição diminui para 20%. A MP veta esse modelo de contratação aos trabalhadores que já estão em atuação com outras formas de contrato em até pelo menos 180 dias antes de demissão.

Caso o empregado tenha sido contratado anteriormente como menor aprendiz ou por trabalho intermitente e avulso, no entanto, a contratação por meio da Carteira de Trabalho Verde e Amarela está liberada. O relator manteve o trecho que considera acidente de trabalho, no percurso casa-emprego, somente caso ocorra em veículo do empregador.

Fazendo as contas, ao empresariado haverá uma economia de 70% dos encargos, de 39,5% para 12,1% sobre a folha. “Fica evidente que isso é pra melhorar a situação patronal, enquanto, para o trabalhador, não vai gerar emprego nenhum. O que estamos assistindo, na verdade, é uma precarização”, bradou o deputado Ivan Valente (Psol-SP).

“Essa MP segue uma visão escravocrata da elite brasileira, que acha que ter emprego é trabalhar por um prato de comida”, disse a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Para o Dieese, a aprovação da MP trará aumento da rotatividade, com demissão daqueles que ganham mais para serem substituídos por trabalhadores contratados pelo novo modelo.

A rotatividade vai crescer inclusive entre trabalhadores mais experientes, e a massa salarial cairá, dificultando a retomada da economia no pós-pandemia. A avaliação é do diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Junior. Para ele, trata-se de mais uma “reforma” que retira direitos do trabalhador e não deveria estar sendo discutida no contexto atual.

“No meio dessa pandemia, o que vamos assistir é demissão de um lado e depois reposição com contratação através desse maldito contrato verde e amarelo. Incentiva um processo de contratação a partir de uma base tanto de salário quanto de direitos muito menor. É preocupante neste momento. Não dá para votar questões extraordinárias no meio disso tudo”, afirmou Fausto.


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