29/03/2024 - Edição 540

True Colors

O que a comunidade LGBT precisa saber para preservar a saúde diante do coronavírus

Publicado em 15/04/2020 12:00 - Andréa Martinelli - Huffpost

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Distanciamento social, lavagem das mãos com frequência e uso do álcool em gel. As orientações básicas diante do surto de coronavírus valem para toda a população e também contemplam lésbicas, gays, travestis e pessoas trans. Porém, muitas pessoas LGBT vivem em condições de vulnerabilidade social, estigma e preconceito que dificultam o acesso à saúde e à rede de proteção. Esse cenário pode deixá-las ainda mais expostas à proliferação do vírus.

Com a intenção de orientá-los, na semana passada o MMFDH (Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos) lançou uma cartilha com informações sobre a prevenção da covid-19 direcionada à população LGBT. Antes mesmo da publicação oficial do governo, organizações como a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e Aliança Nacional LGBTI+ já tinham divulgado materiais na mesma linha a fim de lançar luz à questão.

“Esse material é uma produção da Secretaria Nacional de Proteção Global no sentido de orientar e auxiliar a população para a prevenção e as atitudes em relação a essa pandemia”, diz em comunicado Marina Reidel, diretora do Departamento de Promoção de Direitos LGBT do governo.

Ela afirma que a atual situação requer falar sobretudo sobre prevenção “diante de todas as problemáticas que a população LGBT vive, na questão da vulnerabilidade, da dificuldade em relação a outras situações sociais e da própria saúde da população LGBT”.

A cartilha destaca a saúde mental e aponta para a necessidade de manter o contato, mesmo que virtual, com outras pessoas diante do isolamento social. E alerta, em especial, pessoas trans que alguns hospitais estão desmarcando cirurgias consideradas eletivas; entre elas, as de redesignação sexual. O documento ressalta que o Disque 100, para denunciar violações contra direitos humanos, está disponível neste período.

Posicionamento semelhante foi endossado, ainda em março, em carta assinada por cerca de 100 organizações LGBTs norte-americanas. Nesse documento são citados quatro pontos de fragilidade na pandemia para a comunidade: o uso de excessivo de tabaco, os índices de HIV, o preconceito e a solidão que homens gays e pessoas trans já idosas experimentam em todo o mundo.

A carta destaca que: 

– A população LGBT, em todo o mundo, faz uso de cerca de 50% mais de tabaco do que o restante da população em geral. A covid-19 é uma doença respiratória que se mostrou particularmente prejudicial a fumantes.

– A população LGBT pode apresentar taxas mais altas de HIV (contaminação comunitária) e de câncer, o que pode gerar comprometimento do sistema imunológico em alguns casos e vulnerabilidade ao coronavírus. 

– As pessoas LGBTQ + continuam a sofrer discriminação, atitudes hostis e falta de entendimento tanto de funcionários quanto do sistema de saúde em si e, como resultado, muitos relutam em procurar atendimento médico, exceto em situações que parecem urgentes – e talvez nem mesmo assim.

Entre os principais grupos de risco do coronavírus estão idosos, fumantes e pessoas que já têm infecções respiratórias agudas. A população LGBT está mais propensa a figurar nesses grupos e, por isso, precisa ficar atenta.

Para o médico infectologista Vinícius Borges, criador do canal de saúde no YouTube “Doutor Maravilha”, voltado para a população LGBT, e voluntário do projeto “Lá em Casa”, da Agência Aids, que assiste pessoas com HIV, “ser LGBT não é ‘grupo de risco’ para coronavírus. As mesmas orientações valem para todos. Mas existem peculiaridades que precisam ser pontuadas”.

O médico explica que, neste momento, o “sistema de saúde está sendo testado como um todo”, e que, de certa forma, neste momento, a população LGBT que muitas vezes não tem seu nome social ou identidade de gênero respeitada, caso procure ajuda, pode se sentir mais vulnerável ainda.

Os dados sobre LGBTfobia no Brasil

De acordo com o Atlas da Violência do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), cresceu 10% o número de notificações de agressão contra gays e 35% contra bissexuais de 2015 para 2016, chegando a um total de 5.930 casos, de abuso sexual a tortura.

Segundo dados mais recentes do canal oficial do governo, o Disque 100, 1.720 denúncias de violações de direitos de pessoas LGBT foram recebidas em 2017, sendo 193 homicídios.

A limitação do alcance do Estado é admitida pelos próprios integrantes da administração federal, devido à subnotificação e falta de dados oficiais. Por esse motivo, os levantamentos do Grupo Gay da Bahia, iniciados na década de 1980, se tornaram referência.

Em 2018, a organização contabilizou 420 mortes de LGBTs decorrentes de homicídios ou suicídios causados pela discriminação. O relatório “População LGBT Morta do Brasil” mostra, ainda, um aumento dos casos desde 2001, quando houve 130 mortes. 

O grupo divulgou nova pesquisa que aponta 141 vítimas entre janeiro e o dia 15 de maio de 2019. De acordo com o relatório, ocorreram 126 homicídios e 15 suicídios, o que dá uma média de uma morte a cada 23 horas por homofobia. 

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em junho de 2019, que a LGBTfobia deve ser equiparada ao crime de racismo até que o Congresso Nacional crie uma legislação específica sobre este tipo de violência. A pena é de até 3 anos e crime será inafiançável e imprescritível, como o racismo. 

“Ele [novo coronavírus] é transmitido por gotículas e vai atingir todo mundo que infelizmente não tiver condições de tomar uma medida de precaução”, alerta Borges, ao citar medidas de isolamento e distanciamento social. “Querendo ou não, vivemos uma epidemia concentrada de HIV entre homens gays. Mas ao mesmo tempo esse número também é grande na população em geral. Essas pessoas não estão no grupo de risco, mas é importante que elas não interrompam o tratamento, caso façam algum, e sigam o que diz a OMS [Organização Mundial da Saúde].”

Os números do HIV  

Em 2018, pesquisa feita sob encomenda pelo Ministério da Saúde apontou aumento da doença entre homens gays no País, sobretudo entre jovens, o que também preocupa ativistas e especialistas. É o estudo mais recente sobre o tema.

De acordo com os dados, a taxa de novos casos na faixa etária de 15 a 19 anos mais do que triplicou entre 2006 e 2015. Passou de 2,4 para 6,7 casos a cada 100 mil habitantes. Já na faixa etária dos 20 a 24 anos, a taxa dobrou de 15,9 para 33,1 casos a cada 100 mil habitantes.

O levantamento também aponta razões pelas quais o aumento da incidência do HIV se deu no País e, principalmente, entre jovens. Um deles é o esvaziamento de campanhas de prevenção destinadas ao público gay e, também, a perda de financiamento de organizações não-governamentais especializadas no tema.

Para a médica da família Ana Paula Amorim, da SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade), a crise gerada pelo surto de coronavírus no Brasil evidencia não só uma questão de saúde para a população LGBT, mas uma situação de extrema vulnerabilidade que é acentuada neste momento.

“Um dos pontos de maior relevância [da carta e da cartilha] é a exclusão social e a violência à qual a população LGBT é submetida. Isso faz que essas pessoas não tenham recursos para ficar em casa, por exemplo”, diz. “A gente tem uma grande parcela da população LGBT, ainda mais das pessoas trans, incluídas no mercado informal de trabalho e também na prostituição como única forma de retorno financeiro.”

De acordo com dados da Antra, cerca de 90% das mulheres trans e travestis têm na prostituição a principal fonte de renda. A organização criou uma cartilha sobre cuidados específicos de mulheres trans no cenário da proliferação do coronavírus.

No documento, a associação recomenda que as profissionais evitem frequentar bares, boates, saunas, clubes de swing, festas e que ofereçam seus serviços pela internet neste período em que a recomendação é de isolamento social.

A orientação é reforçada pela cartilha no Ministério da Saúde, que alerta que determinadas condições de trabalho podem significar mais exposição à contaminação pela covid-19. “Se tiver que trabalhar, converse com seus clientes, tente a opção do serviço virtual”, orienta o manual da Antra.

A médica de família também ressalta que, neste período, é possível que os índices de violência contra essa população aumentem dentro de casa. “Muitos jovens LGBTs são expulsos de casa, proibidos de frequentar seus núcleos familiares e não têm para onde ir. Alguns também têm que conviver com um ambiente predatório dentro de casa. Esse abandono familiar é violento e já compromete a saúde mental de pessoas LGBT. Mas a quarentena intensifica.”

Denúncias podem ser feitas pelo Disque 100 do governo federal. Em uma emergência, ela alerta que é possível acionar a Polícia Militar pelo 190.

As recomendações básicas de proteção contra o coronavírus

Tanto os especialistas, quanto as cartilhas orientam que o primeiro passo para se proteger do novo coronavírus é respeitar a quarentena e o distanciamento social, além de lavar as mãos, fazer uso de máscara e álcool em gel. O isolamento social deve ser adotado sempre que possível. Ao sair de casa, o ideal é evitar aglomerações, usar álcool gel e não tocar no rosto.

Os sintomas da covid-19 são parecidos com o de uma gripe comum: febre, tosse, dor de garganta, dor de cabeça, mal-estar. A falta de ar, perda de olfato e paladar são sinais mais característicos da infecção. As gotículas podem ser transmitidas ao falar, ao tossir ou espirrar. Elas entram no corpo pela boca, nariz ou olhos.

Os documentos pontuam que muitas pessoas podem estar contaminadas e, mesmo assim, não apresentar sintomas. Portanto, recomenda-se que objetos pessoais como bitucas de cigarro, copos, talheres, toalhas de banho e rosto e outros itens não sejam compartilhados com terceiros.

As medidas de prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) devem ser mantidas, com o uso de preservativo em qualquer relação sexual.

Bares, academias, boates, clubes e festas devem ser evitados durante a pandemia para impedir qualquer possibilidade de contágio pelo coronavírus, aponta a cartilha do ministério. Caso isso faça parte do trabalho, a sugestão é tentar adotar o home office, oferecendo serviço pela internet ou redes sociais. 

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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