26/04/2024 - Edição 540

Poder

Porta-voz chinês diz que relação entre os países não será abalada por ‘irresponsáveis’

Publicado em 10/04/2020 12:00 -

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Depois de dois comentários ofensivos de pessoas ligadas ao presidente Jair Bolsonaro em relação a China, o porta-voz da Embaixada do país asiático no Brasil, ministro-conselheiro Qu Yuhui, disse, na sexta-feira, 10, que a relação entre os dois países não será facilmente abalada por “um ou dois indivíduos irresponsáveis”, referindo-se ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, e ao ministro da Educação, Abraham Weintraub.

Em videoconferência com jornalistas brasileiros, o porta-voz afirmou que esse tipo de declaração não favorece o ambiente de negócios e de cooperação. “Não são favoráveis à manutenção de um bom ambiente de negociação e cooperação entre dois países. Por outro lado, as relações entre Brasil e China são muito maduras. Essa parceria é um trabalho de várias gerações, de muitos esforços de muitas pessoas dedicadas a essas causas que não vai ser abalada ou danificada facilmente por um ou dois indivíduos irresponsáveis”, disse o ministro.

Qu Yuhui reforçou que a China segue sem compreender a razão dos comentários “lamentáveis e irresponsáveis”. “Até hoje não conseguimos entender por que eles fizeram este tipo de declarações. Ou é pela ignorância, ou é por outras intenções que não sabemos quais são. Como figuras públicas, eles devem ter uma noção do peso da responsabilidade.”

Na conversa com os jornalistas, o porta-voz chinês disse ainda que as declarações do filho do presidente e do ministro da Educação alimentam “um certo sentimento anti-China, racista ou xenófobo contra China” que já existiu.

Crise

A crise diplomática com a China, criada por postagens de Eduardo Bolsonaro, e aprofundada pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, tem afastado o país asiático da relação com a com o Palácio do Planalto. Após o embate diplomático, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, telefonou para o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e para o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM).

Após o filho “03” de Bolsonaro dizer que a culpa pelo novo coronavírus era do governo chinês, Weintraub publicou uma ilustração da turma da Mônica com símbolos chineses (como a bandeira e o panda) ridicularizando o sotaque chinês, substituindo a letra “r” pela letra “l”. Após a péssima repercussão, o ministro deletou o tuíte.

Após a recusa de pedido de desculpas tanto por parte de Eduardo quanto do ministro da Educação, Wanming tratou diretamente com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta sobre a cooperação entre os dois países no combate à Covid-19. O telefonema de Wanming ao ministro ocorreu um dia após a crise entre Bolsonaro e o chefe da pasta da Saúde, que quase resultou na demissão de Mandetta. Na quinta, 9, o embaixador ligou para o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, para reforçar a cooperação bilateral no combate à pandemia.

Maia tem sido crítico à gestão da crise da pandemia feita por Bolsonaro e chegou a pedir desculpas à China, em nome da Câmara, pelo comportamento do deputado Eduardo Bolsonaro.

“Como deputado federal e figura pública especial, as palavras do Eduardo Bolsonaro causaram influências nocivas, vistas como um insulto grave à dignidade nacional chinesa, e ferem não só o sentimento de 1.4 bilhão de chineses, como prejudicam a boa imagem do Brasil no coração do povo chinês. Geram também interferências desnecessárias na nossa cooperação substancial. Tal comportamento é totalmente errôneo e inaceitável, veementemente repudiado pelo lado chinês”, manifestou a embaixada diante da acusação de Eduardo Bolsonaro.

O posicionamento da embaixada também foi encaminhado ao Itamaraty, mas o chanceler, Ernesto Araújo, tomou partido do filho do presidente. O ministro das Relações Exteriores escreveu que as palavras de Eduardo “não refletem a posição do governo brasileiro”, e reclamou da postura do embaixador chinês.

“É inaceitável que o embaixador da China endosse ou compartilhe postagem ofensiva ao chefe de Estado do Brasil e aos seus eleitores. A reação do embaixador foi, assim, desproporcional e feriu a boa prática diplomática. Já comuniquei ao embaixador da China a insatisfação do governo brasileiro com seu comportamento. Temos expectativa de uma retratação por sua postagem ofensiva ao Chefe de Estado”, escreveu Araújo.

Em sua conta no Twitter, a embaixada divulgou uma nota em que classifica as declarações de Weintraub como “fortemente racistas […] tendo causado influências negativas no desenvolvimento saudável das relações bilaterais China-Brasil”.

Em resposta à declaração oficial da embaixada chinesa, robôs e apoiadores do governo Bolsonaro publicaram mensagens exigindo sanções comerciais contra o maior parceiro comercial do Brasil. O tema #BloqueioComercialChinesJa era um dos assuntos mais comentados na rede social na segunda passada.

Apesar do alarido virtual, as consequências de atitudes como a do ministro apontam no sentido de prejuízo para o Brasil. Notícias na imprensa chinesa apontam que o governo brasileiro demorou a tomar medidas de contenção contra o novo coronavírus e, por isso, temem possíveis problemas na produção de produtos brasileiros por eles importados, como é o caso da soja. Concomitantemente, os chineses anunciaram que “por segurança” aumentarão a compra da commoditiy de produtores norte-americanos.

Um dos principais especialistas na relação bilateral entre Brasil e China, o professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Oliver Stuenkel acredita que o gigante oriental deve tirar proveito da tensão criada a partir das críticas feitas por Eduardo Bolsonaro e Weintraub, para garantir vantagens em negociações comerciais com o Brasil. Para o pesquisador, autor do livro O Mundo Pós-ocidental: Potências Emergentes e a Nova Ordem Global (Editora Zahar), o governo chinês projeta sua relação com parceiros a longo prazo. Nesse sentido, eventuais crises seriam passageiras diante do pragmatismo de Pequim, que prioriza uma estratégia de pelo menos uma década. “O Brasil ficou fragilizado nos negócios com a China", analisa pesquisador de relações internacionais.


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