25/04/2024 - Edição 540

Poder

Auxílio emergencial contra crise deixa de fora 21 milhões de trabalhadores

Publicado em 10/04/2020 12:00 -

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O auxílio emergencial oferecido pelo governo para os mais afetados pela pandemia do coronavírus não será, na visão dos especialistas, suficiente para atender a toda a população desassistida do país. Apesar dos avanços da regulamentação e o alcance do pagamento de R$ 600 mensais aos informais, um contingente de ao menos 21 milhões de pessoas não receberá a ajuda.

Para receber o auxílio, o governo definiu que os interessados precisavam estar, até o dia 20 de março, sem emprego com carteira assinada, com renda pessoal de até R$ 522,50 ou renda familiar de, no máximo, três salários mínimos (R$ 3.135).

Tatiana Roque, professora da UFRJ e vice-presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, afirma que, ao impedir o acesso de quem tinha emprego formal, o governo excluiu 15 milhões de pessoas. São os que têm emprego formal, mas estão no Cadastro Único do Ministério da Cidadania, que reúne 78 milhões de cidadãos de baixa renda no país:

“Uma pessoa pode receber até três salários mínimos com emprego formal, mas vive em uma família numerosa e fazia bico para complementar a renda. Agora não poderá mais tentar uma renda extra e ficará mais vulnerável, sem auxílio”, afirma.

Segundo o Sebrae, 6,3 milhões de microempreendedores individuais (MEI) se somam ao universo dos que ficaram de fora do programa, elevando para mais de 21 milhões os que não têm direito de receber o auxílio.

“A medida é bastante louvável e inclui cerca de 3,6 milhões de MEI que se enquadram no critério do governo. Mas claro que não chega a ser suficiente para atender ao universo atual, de quase dez milhões de microempreendedores individuais”, estimou Carlos Melles, presidente do Sebrae.

O recorte definido pelo governo também deixou de fora motoristas de aplicativos  e taxistas que, até março, conseguiam faturar bem, mas viram a receita despencar com o avanço da quarentena. Essas categorias foram incluídas no programa do auxílio emergencial do governo, mas precisam atender o critério de renda pessoal de até R$ 522,50 ou renda familiar de até três salários mínimos.

O taxista Roberto Wilson Damasceno, de 55 anos, chegava a faturar R$ 3 mil por mês antes da crise. Agora, a renda despencou. Em dois dias, só conseguiu fazer três corridas. Com isso, ficou no prejuízo. Gastou R$ 120 (combustível e pedágio) e recebeu R$ 48. Ele vem usando o cartão de crédito para fazer compras:

“Só estou comprando o essencial, mas quando a fatura do cartão chegar não vou ter como pagar”, diz.
O economista Marcelo Medeiros, professor visitante da Universidade de Princeton, reclama da demora na distribuição do dinheiro: “A medida não é suficiente, e estas pessoas deveriam estar recebendo há semanas”.

Marcelo Neri, diretor da FGV Social, afirma que um desafio para o governo é assegurar que os critérios sejam respeitados, embora defenda que o governo seja generoso: “A demanda será muito maior que a imaginada”.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de um bilhão de trabalhadores no mundo correm risco de perder o emprego ou ter o salário reduzido na crise.

Bumbo do Planalto desafia a paciência dos pobres

O Planalto bateu bumbo nas redes sociais: "O auxílio emergencial de R$ 600 por pessoa não é de prefeituras nem governos estaduais. O auxílio emergencial é fornecido pelo governo federal…"

Sem bumbo, o governo federal tarda e falha na distribuição do dinheiro do vale coronavírus. Tardou por conta do negacionismo de Jair 'Gripezinha' Bolsonaro. Falhou porque oferece tortura a quem precisa de comida.

O dinheiro deveria abastecer a mesa de brasileiros pobres durante o isolamento. Entretanto, começou a ser liberado apenas na quinta-feira (9). A essa altura, o estômago devolveu muita gente às ruas. O vírus é menos pior do que a fome.

Nem todos os beneficiários do socorro foram identificados. Muitos dos que tentaram se apresentar foram barrados porque o CPF está bichado. Resultado: formaram-se em várias cidades filas enormes nos guichês da Receita Federal.

Repetindo, o socorro que serviria para manter as pessoas em casa produziu contagiosas aglomerações. A tortura talvez fosse atenuada se o governo substituísse o CPF pelo NIS (Número de Identificação Social).

O bumbo do Planalto pode sair pela culatra. Por enquanto, encosta em Bolsonaro não os R$ 600, mas o desafio à paciência dos pobres. Primeiro. A demora. Depois, a tentativa de limitar o vale a R$ 200.

Agora, a burocracia tóxica. Alguém já disse que, com boa propaganda, as pessoas acreditam até em ovo sem casca. Com o estômago vazio, porém, a credulidade tem limite.

Fome nas periferias, à espera de merenda e R$ 600

Nas últimas três semanas, Elaine Torres Santos, de 32 anos, já deixou de almoçar algumas vezes para não faltar comida no prato dos seis filhos. Desempregada há mais de dois anos, ela viu a situação financeira se complicar ainda mais quando as escolas públicas de São Paulo foram fechadas no dia 23 de março, na tentativa de combater a disseminação da pandemia de coronavírus.

“Eles tomavam café, almoçavam, tomavam lanche e janta fora. As bebês gêmeas [de 3 meses] iam para creche. Quando eles chegavam eu só dava algo antes de dormir para dar uma reforçada”, diz ela, que explica que os filhos passavam quase todo o dia fora, já que frequentavam a escola e o Centro para Criança e Adolescente (CCA), da Prefeitura, que também fechou as portas. A história de Elaine é semelhante a de várias outras famílias de baixa renda, que têm sofrido com os impactos da pandemia e aguardam com bastante dificuldade a ajuda prometida pelos governantes, que ainda não saiu do papel.

Sem aula, sem merenda e sem creche, todos da família de Elaine tiveram que se adaptar à nova vida que se resume em estar dentro de uma casa de um pequeno cômodo —com uma cama beliche, geladeira, fogão e TV—, na favela de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, durante todo o dia. “Com essa história do coronavírus, todo mundo de repente teve que ficar dentro de casa, eu praticamente não tinha nada, estava desprevenida. O jeito foi mandar meus dois filhos mais velhos, de 10 e 13 anos, para morar com a minha tia. E estou sobrevivendo da cesta básica que a Central Única das Favelas (CUFA) me deu. Se não fosse a doação, não sei como faríamos”, lamenta ela, que também divide a casa com a mãe e o irmão mais novo.

Além da cesta básica e de produtos de higiene, desde o início do ano, a desempregada tem recebido doação dos vizinhos para pagar o aluguel de 500 reais do cômodo em que vive, já que o barraco em que morava foi destruído pelas fortes chuvas do início do ano. Ela recebe também 357 reais do programa Bolsa Família, em que soma quatro benefícios dos filhos. As bebês gêmeas ainda não foram cadastradas, porque o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) está fechado por conta da pandemia. Além de não saber como seguirá alimentando as crianças, ela também teme a própria pandemia de Covid-19. “Estou com muito medo de alguém ficar doente, as meninas são recém-nascidas e tenho uma criança com tuberculose dentro de casa”, diz.

Até agora, as famílias como a de Elaine vivem de promessas do Governo. No dia 25 de março, o Governador João Doria anunciou o programa Merenda em Casa, que irá oferecer um benefício de 55 reais por estudante disponibilizado às famílias para a compra de alimentos. Os repasses serão oferecidos enquanto as aulas continuarem suspensas e serão voltados aos estudantes cujas famílias recebem o Bolsa Família e para os que vivem em condição de extrema pobreza. A previsão é que o programa comece no mês de abril, mas até o dia 7 ainda não havia nenhuma data definida. A situação não é exclusiva do Estado mais rico do Brasil. Em várias cidades, prefeitos e governadores anunciam medidas para entregar a merenda ou cartões-alimentação. De acordo com um estudo da Fundação Abrinq, com dados do IBGE, 9 milhões de pessoas de 0 a 14 anos vivem em condição de extrema pobreza, uma fatia em situação de alta vulnerabilidade que vinha em crescimento em meio à lenta recuperação econômica.

Mesmo com três filhos estudando em uma escola estadual, que são elegíveis a receberem o repasse, Elaine não recebeu qualquer aviso da Secretaria de Educação do Estado ou da instituição de ensino sobre o programa. “O único local que fui perguntar se eles poderiam me ajudar foi na creche da Prefeitura. Mas como minhas filhas não estão ainda no Bolsa [Família], falaram que não vou receber ajuda”, explica Elaine.

De acordo com a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, para garantir a alimentação das crianças em situação de vulnerabilidade enquanto perdurar a situação de emergência em razão da pandemia de coronavírus, a Prefeitura vai distribuir “cartões alimentação” às famílias de 273 mil crianças matriculadas na rede municipal em situação de vulnerabilidade social e cadastradas no Programa Bolsa Família. Os valores carregados no cartão alimentação variam conforme a etapa escolar de cada estudante. Para crianças em creches o valor será de 101 reais, para estudantes de Educação Infantil, 63 reais, e para Escola Fundamental, o valor será de 55 reais. Não há previsão, no entanto, de quando começarão os repasses.

Consultado pela reportagem, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pela execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), afirmou que com as aulas suspensas por tempo indeterminado em grande parte do país, torna-se imprescindível garantir a segurança alimentar e nutricional dos estudantes, por meio do emprego urgente de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos à saúde, a fim de evitar a disseminação da doença. “Entretanto, para agir na legalidade e com a sensibilidade que a situação exige, o FNDE depende de decisões de outras instâncias, visto que o PNAE é regido pela Lei nº Lei 11.947/2009. A autarquia acompanha de perto todos os esforços para adaptar a legislação à realidade do momento. A regulamentação atualizada do PNAE será divulgada em breve, assim que a nova legislação oficial for publicada”, afirma em nota o FNDE, que pertence ao Ministério da Educação.

Na fila das promessas, Elaine espera ainda o auxílio emergencial de R$ 600. Como é beneficiária do Bolsa Família, está inscrita no cadastro único e é mãe solteira, Elaine deve receber duas cotas do benefício, somando um valor 1.200 reais. Um dinheiro essencial para manter a família em um momento que a atividade econômica do país está parada e não são muitas as ofertas de empregos disponíveis. “Se isso for verdade mesmo, seria uma grande ajuda. Eu conseguiria ainda começar reformar o meu barraco que foi destruído pela chuva”, explica.

Renda básica de R$ 600 precisa continuar depois que o coronavírus passar

A conta da crise econômica trazida pelo coronavírus será paga por trabalhadores e pequenos empresários. Pelo menos é o que se apreende dos discursos de membros do governo Bolsonaro que defendem uma nova fase da Reforma Trabalhista para a retomada do crescimento pós-Covid-19.
Fatiada, ela viria com a justificativa de que é necessário todos (sic) darem uma cota de sacrifício para reconstruir o Brasil. Como sempre sangue e suor de pobre é a argamassa dos sonhos de parte da elite brasileira.

Nem bem os trabalhadores pagaram a conta da última crise e uma nova fatura já se avizinha. O ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a chamar encargos trabalhistas de "armas de destruição em massa dos empregos" a empresários no último dia 4. O ministro, bem como seu chefe, adora falar a associações empresariais, mas demonstra ojeriza por sindicatos. Enquanto o coronavírus avançava rapidamente por aqui, ele insistia que as "reformas" eram a melhor resposta. Perdemos tempo precioso e, com isso, vidas.

Os autônomos e microempresários também são tratados com desprezo. As medidas anunciadas pelo Banco Central para renegociação de dívidas em atraso, por exemplo, foram pensadas para os grandes, não para eles.

Os parlamentares estão apreciando a Medida Provisória 905, que institui o programa de emprego Verde e Amarelo, de Guedes. A quantidade de pontos polêmicos deveria levar a uma análise mais cuidadosa por parte do parlamento, mas sob a justificativa de que vivemos tempos de guerra, temos o risco de ver passar a boiada.

Para quem não se lembra, essa MP trazia aquela excrescência de taxar o seguro-desemprego de quem está na rua da amargura a fim de desonerar patrões que abram vagas para o primeiro emprego de jovens. Bem ao estilo do governo, um Robin Hood às avessas. A pressão levou a cobrança a se tornar opcional desde que o trabalhador se manifeste. Por enquanto. Mas há outros esqueletos como, por exemplo, a redução no pagamento do adicional de periculosidade e a retirada do descanso preferencial aos domingos sem acordo coletivo prévio.

A incompetência e arrogância do governo levou ao atraso na elaboração de ações para preservar empregos e ajudar empresas. Mesmo assim, as medidas anunciadas são insuficientes – o governo deveria estar bancando salários e não dando porcentagem do seguro-desemprego a fim de garantir que as pessoas fiquem em casa e que os pequenos empresários não quebrem.

Sem contar que o pagamento da renda básica emergencial de R$ 600 demorou a ser iniiado. O problema é que o aplicativo proposto pelo governo não será capaz de atingir a tempo todos os possíveis beneficiários. Há quem terá acesso aos recursos apenas no final do surto. Será como entregar uma toalhinha para quem está coberto até o último fio de cabelo com lama.

A necessidade de preservar vidas tornou realidade de forma temporária a antiga pregação do então senador e, hoje, vereador Eduardo Suplicy. Mas a renda básica, que significa um avanço na qualidade de vida de uma parcela vulnerável da população, não deveria ser emergencial, mas estendida para depois que a crise passar. A proposta é utópica? Tanto quanto o país tomar vergonha e cobrar dos bilionários e multimilionários que eles contribuam à altura de suas posses.

O Congresso deveria, neste momento, avançar com outras medidas que também esperam para serem aprovadas, como taxação de grandes fortunas, de grandes heranças e da renda dos super-ricos (atenção classe média: não é você que parcela o SUV a perder de vista e se considera a última cocada do tabuleiro porque foi para Miami nas férias), bem como o retorno da taxação de dividendos recebidos de empresas. Mesmo com a consequente redução na cobrança do IRPJ que isso teria que produzir, ainda assim sobraria algum cascalho. E que isso se mantenha após a crise.

Os recursos, claro, não seriam suficientes para bancar renda básica de 38 milhões de informais, mas já seria o começo se bancasse o benefício para uma parcela. Isso, é claro, ajudaria a reduzir a pornográfica desigualdade no país, que só encontra paralelos com as democracias falidas ao redor do mundo. Temos medo de falar em voz alta, mas a "distribuição de renda" tem que sair do armário no Brasil.

A mesma facilidade usada para discutir a necessidade de cortar proteções de trabalhadores não é encontrada quando se trata de procurar saídas para garantir a eles alguma dignidade. Mas isso não está escrito em pedra.

A crise trazida pelo coronavírus pode mudar para sempre nossa sociedade. A questão é se para pior ou para melhor.


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