29/03/2024 - Edição 540

Poder

‘Não tem críticas ao governo, só ao presidente’, diz general Paulo Chagas

Publicado em 10/04/2020 12:00 -

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Se há algo que ficou evidente na briga aberta pelo presidente Jair Bolsonaro com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi a influência dos militares sobre os assuntos de peso no governo. “O militar para, olha, vê o caminho mais lógico para alcançar o objetivo com a menor perda e o menor desgaste. É isso que o presidente tem de fazer, e não estufar o peito e sair dando porrada nos adversários”, disse um dos principais aliados de Bolsonaro, o general da reserva Paulo Chagas, ex-candidato a governador pelo PSL do Distrito Federal, em entrevista à Agência Pública antes da contenda que terminou na permanência do ministro.

A situação de Mandetta, que havia até limpado as gavetas diante das ameaças de demissão no início da semana, ilustra o papel dos generais no governo do ex-capitão: se já não patrocinam quarteladas ou aventuras antidemocráticas, eles hoje exercem de fato o poder moderador e podem segurar ou deixar que gestores ou governantes percam a governabilidade e se estatelem. O general Paulo Chagas resumiu com simplicidade o que mudou na relação das Forças Armadas com a política na democracia:

“Os militares apoiam a autoridade do presidente da República. Enquanto essa autoridade for o Comandante Supremo, atuando dentro dos seus limites legais, terá o apoio das Forças Armadas”, disse o general. Na linguagem da caserna, segundo militares ouvidos sob anonimato pela Pública, Bolsonaro ainda não cruzou o “Rubicão” que o colocaria em choque com os comandos militares da ativa, que seguem os sinais dos generais do Palácio do Planalto. O presidente preferiu ouvir seu vice, Hamilton Mourão, a eminência parda que controla o núcleo militar e emana os sinais de equilíbrio no governo.

“Escudo e espada” do presidente, como prefere se autodenominar, Mourão governa, atuando discretamente em áreas sensíveis, como na política para a Amazônia, cujas mudanças estão em fase de elaboração, e na relação com parceiros comerciais vitais para o Brasil, como a China. O vice não faz gestos que censurem as falas do presidente, mas tem agido como firme contraponto nos assuntos agudos, como na reunião da última segunda-feira, quando bateu de frente e convenceu Bolsonaro a não demitir Mandetta sob o argumento de que seria desnecessário uma nova crise política. A reunião, segundo fontes ouvidas pela reportagem, foi tensa e marcada por diálogos ásperos, com Bolsonaro profundamente irritado quando confrontado. Foi Mourão que indicou o general Braga Netto para a chefia da Casa Civil e, mais tarde, para a coordenação do comitê ministerial que gerencia a crise da pandemia do coronavírus. No final, foi Braga Netto quem anunciou a permanência do ministro da saúde, pondo fim a onda de intrigas palacianas que atrapalham o combate à pandemia.

O general Paulo Chagas afirma que a opinião pública tem feito a devida distinção entre Bolsonaro e o governo. “Se olhar direito não tem críticas ao governo. Só tem críticas ao presidente. Qual é o ponto fraco? É o temperamento do presidente. O presidente é uma vítima dele mesmo”, aponta o general, que sugere a Bolsonaro que ouça mais os ministros militares e menos os seguidores de Olavo de Carvalho.

Chagas diz que os grupos radicais de extrema direita têm levado o presidente a confundir a simbologia do próprio cargo ao se envolver em polêmicas menores. “Não falo de liturgia para não ser elitista, mas tem de ter postura e respeito pela importância do cargo”, afirma. “O grande problema do presidente é dar ouvidos aos olavetes”, diz o general. Segundo ele, o grupo não tem projeto e prioriza o conflito. “Com certeza não é numa democracia que eles querem chegar”, provoca.

Paulo Chagas sugere que o ex-capitão busque equilíbrio na caserna. “Tudo o que quero é que o presidente ouça seus assessores militares experientes, mas existe uma minoria (os seguidores de Olavo de Carvalho) que prefere a radicalização. Assessores militares não têm interesse político”, jura o general.

Afastamento do DEM

A crise gerada pelo coronavírus, em vez de estimular o presidente a comandar uma cruzada de união nacional, o levou para um conflito franco e aberto com apoiadores. Sem base no Congresso, Bolsonaro assiste ao afastamento de parceiros que gravitam em torno do DEM, partido que mantém os comandos do Senado e da Câmara.

“O Democratas não é subserviente. Mandetta já deixou claro que não vai assumir posições para agradar o presidente. Ele tem apoio total, absoluto e irrestrito do partido”, diz o líder do partido na Câmara, Efraim Filho. O grande cacife do ministro, diz o deputado paraibano, é o respaldo popular, medido pelas pesquisas de opinião em apoio à estratégia científica no enfrentamento ao vírus.

Por suas atitudes em relação às políticas de combate ao coronavírus, Bolsonaro perdeu o apoio dos governadores de todos os partidos, entre eles o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, até então um de seus aliados mais fiéis e o prefeito de Salvador, ACM Neto. O presidente anda às turras, em sucessivos conflitos, com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, os dois políticos do DEM pelos quais passaria qualquer decisão política pelo afastamento caso a crise se agrave.

O partido ocupa três ministérios importantes (Saúde, Agricultura e Cidadania) e tem uma simbologia histórica: é sucessor do PFL, a dissidência aberta no PDS pelo ex-governador baiano Antônio Carlos Magalhães e que foi decisiva para derrotar o regime militar e seu candidato, Paulo Maluf, na eleição indireta de 1985, último suspiro da ditadura. O coronavírus e Bolsonaro transformaram Mandetta em liderança expressiva do DEM.

“O presidente perdeu a oportunidade de adotar uma posição contra um inimigo comum e de unir sociedade e os poderes da República. As escolhas dele levaram a uma polarização e radicalização maiores do que se esperava. Foi num equívoco”, alerta Efraim.

Mesmo que tenha acatado os conselhos do núcleo militar ao engavetar a exoneração de Mandetta, Bolsonaro não tem hoje qualquer garantia de que sua situação esteja resolvida no Congresso num momento em que começam pipocar propostas jurídicas pedindo seu afastamento. A Câmara já recebeu pelo menos 17 pedidos de impeachment. A maioria é de iniciativa popular, mas dois deles vão ao calcanhar de aquiles de Bolsonaro: o que o acusa de incitar manifestações contra o Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF), de seu ex-aliado Alexandre Frota (PSDB-SP) e o que levanta suspeitas de ter agido de forma criminosa e irresponsável na crise do coronavírus, de autoria da deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), encampado pela bancada psolista na Câmara. O general Paulo Chagas acha que um impeachment não tem motivo nem sentido, pelo menos nesse momento. Mas vai no ponto que interessa:

“O presidente começou com uma base parlamentar que não era maravilhosa mas tinha condições de ser ampliada de acordo com algum planejamento. Talvez baseado nos 57 milhões de votos, achou que não precisava se preocupar com aquilo. O que aconteceu? Ele perdeu a metade (com o racha no PSL) e fez um monte de inimigos. Não adianta agora dizer que o cara é traidor, isso e aquilo. Tudo bem, o cara é traidor, mas o importante é que o presidente não tem base”, disse o general, especulando uma consequência que poderia ser desastrosa para Bolsonaro. “Temo que a oposição se aproveite disso para criar um clima de insegurança e que se chegue a algum impasse”.

Divergências nas bancadas do boi e da bala

“Não é hora de discutir diferenças ideológica”, disse à Pública o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Alceu Moreira (PMDB-RS), que controla a poderosa bancada ruralista, formada, segundo ele, “por quase 300 parlamentares”. Pragmático, Moreira trabalha para evitar mais estragos ao agronegócio, ameaçado pelos sucessivos ataques à China patrocinados pelo consórcio olavista em que se alternam o deputado Eduardo Bolsonaro, o filho 03 do ex-capitão, e os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e da Educação, Abraham Weintraub. O uso de robôs para alavancar hashtags de bolsonaristas acusando a China pelo vírus no momento em que o gigante asiático, por segurança alimentar, avalia a compra de soja dos Estados Unidos, potencializam riscos ao agronegócio brasileiro.

Sem citar nomes, Moreira lembra que o último dado sobre comércio de produtos agropecuários mostra que os 18 países mais importantes para o Brasil reduziram suas importações em valores entre 12% e 20%. “Só um país do mundo aumentou a importação, que foi a China, em 3%, o que é maior que o montante dos 18 que importaram menos. Pode ter mil coisas para ser discutida, mas esta não é a oportunidade. A oportunidade é segurar esse mercado para vender tudo o que nós pudermos produzir e alavancar a economia brasileira. Depois vamos discutir as relações políticas”, afirmou.

A preocupação dos ruralistas é evitar que as desastradas declarações interrompam as relações com o maior parceiro comercial do Brasil. Moreira diz que no conflito entre Mandetta e Bolsonaro, o comando da FPA não está ao lado de ninguém. “Estamos avaliando a cada dia porque o conjunto de informações que chegam a nós, os leigos, não permite uma tomada de decisão frontal com nada”.

“Nós não estamos nem aí para o Bolsonaro”, diz deputado gaúcho

O deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), que chegou a ser cotado para o Ministério da Agricultura depois de participar ostensivamente da campanha de 2018, perdeu a paciência com Bolsonaro. “O governo vem causando problemas que fazem com que se perca tempo nas soluções e deixam a sociedade insegura. Não estou nada satisfeito com Bolsonaro. Quando tudo isso passar, nos locais em que poderia haver recuperação com maior rapidez, o agro estará comprometido pelos erros do próprio governo”, diz Goergen.

O deputado do PP afirma que Bolsonaro está se isolando, não ouve ninguém, não aceita qualquer conselho e, se ouvir alguma sugestão, pode enxergar como intromissão. “Ninguém consegue ter interlocução com ele nesse momento. Tudo que não precisamos é de crise política e ele está colocando um problema a mais na nossa dura realidade. É assim com Mandetta, Paulo Guedes…Não é possível que todo mundo esteja errado e só ele esteja certo”, critica.

Para Jerônimo Goergen o presidente não tem base no Congresso, mas conta neste momento com a sorte de suas teses econômicas coincidirem com aquelas defendidas pela maioria dos parlamentares. “Nós não estamos nem aí para o Bolsonaro. Temos de fazer o governo dele dar certo, só que ele não ajuda. Ele precisa assumir um governo”, disse Goergen, para quem é evidente que há um vácuo no poder. “E não existe espaço vago. Daqui a pouco alguém vai querer tocar (o governo) no vácuo deixado por ele”. O deputado acha que Bolsonaro se mantém de pé porque há pessoas que ainda torcem para que o governo dê certo e “por um pouco de apoio popular que está diminuindo bastante”.

O belicismo de Bolsonaro na crise provocou reações até na bancada da bala, onde o presidente reinou como uma das lideranças mais expressivas nos seus 28 anos como deputado. “Acreditamos plenamente no trabalho de Mandetta e no isolamento social para que a crise não seja agravada. É uma posição técnica, baseada no que diz a OMS e também no que aconteceu em outros países”, ressalta o deputado Capitão Augusto (PL-SP).

Segundo o deputado, embora cada pronunciamento de Bolsonaro se transforme num problema para a bancada, não há clima para rompimento. Mas o apoio não é incondicional: “Quando ele apresenta o que é de interesse comum da bancada, votamos com o governo. Mas a gente não segue com devoção cega o que é proposto pelo presidente”, diz Augusto, que vê Bolsonaro como o marinheiro que não gosta de mar calmo. “Quando a gente tenta acalmar, vem mais uma. O presidente e seus filhos bem que poderiam diminuir o número de tempestades. Mar revolto não é bom para ninguém”, alerta.


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