20/04/2024 - Edição 540

Poder

Pandemia encosta o obscurantismo bolsonarista contra a parede

Publicado em 10/04/2020 12:00 -

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Ainda é cedo para contabilizar o impacto da Covid-19, mas ela tem potencial para proporcionar mudanças estruturais profundas em todo o mundo. “A vida, mesmo que no fim volte à normalidade, será normal de maneira diferente da que estávamos acostumados antes do surto”, defende o filósofo esloveno Slavoj Zizek.

Observando-se o caso do Brasil, em meio ao lamentável rastro de destruição provocado pela Covid-19, é possível notar os primeiros sinais de um efeito colateral positivo. Ele se dá na formação de uma onda com potencial de solapar uma cultura de poder dominante até aqui na qual vicejava uma certa ignorância orgulhosa, sempre disposta a confrontar a ciência, a razão e a política de convergência.

A casa das 1000 mortes e os milhares de pessoas infectadas registrados começam a impor um choque de realidade que empareda e desconstrói o modus operandi do bolsonarismo, que cresceu buscando o conflito, o radicalismo, a construção de verdades imaginárias e a deslegitimação das instituições, da democracia e dos grupos que não rezam por sua cartilha. Por outro lado, o temor real da doença desperta sentidos de preservação que tendem a empurrar cada vez mais as pessoas em direção ao pragmatismo, à moderação, ao conhecimento e à busca de consensos.

Nada ilustra melhor o momento crítico imposto ao bolsonarismo do que o comportamento errático do presidente no enfrentamento da Covid-19. Depois de menosprezar a doença (“gripezinha”) e estimular aglomerações nas ruas, ele agora abraça sua nova panaceia, a cloroquina, medicamento do qual virou garoto-propaganda. No discurso do presidente, um político sempre em busca de respostas simples para problemas complexos, a droga pode nos salvar, e quem pensa o contrário disso está interessado em prejudicar seu governo. Ao bater nessa tecla, o presidente ignora a posição cuidadosa e acertada da maioria dos médicos de que o remédio ainda carece de aval científico para uso em larga escala. Pior: confronta acintosamente seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, um médico e político até pouco tempo desconhecido da grande maioria da população e que, ilustrando o novo espírito da época, foi alçado à condição de ícone da resistência do saber técnico.

Não à toa, Mandetta angariou uma aprovação popular bem maior que a de Bolsonaro na condução do combate ao vírus. Por esse motivo, virou alvo de ciúme do presidente e quase acabou demitido no último dia 6 — foi preservado no cargo graças à ação de ministros militares, como Walter Braga Netto (Casa Civil). No movimento contrário estavam figuras como o ex-ministro Osmar Terra, cotado para assumir o posto. Com a cabeça a salvo, ao menos por ora, Mandetta citou em uma entrevista após a crise o mito de Platão sobre pessoas que sempre viveram acorrentadas em uma caverna e, em razão disso, tomavam como realidade as sombras projetadas por uma fogueira, ignorando que a verdade estava lá fora, à luz do sol.

A menção pode ser interpretada como uma referência nada sutil à força posta em xeque agora, mas que inflou as velas da nau obscurantista de Bolsonaro desde a época em que era parlamentar. Nos últimos tempos, alimentado pelo antipetismo, o sopro virou um vendaval que o carregou até o Palácio do Planalto. Mirando-se no exemplo de seu maior mentor, Donald Trump, o presidente fez sucesso captando o espírito da era do radicalismo e transformou a internet no canal preferido para veicular sua limitada e preconceituosa visão de mundo. Na velocidade alucinante do meio digital, não raro, as versões criadas sobre os fatos atropelam a realidade e se propagam com uma intensidade muito maior. Elas servem também como munição contra os inimigos quando materializadas em posts de ódio e de execração pública.

Esse modus operandi e essa cultura pareciam tão sólidos quanto a Muralha da China até a chegada da pandemia. Mas a doença não pode ser combatida com fake news e, por isso, ela iniciou o estouro dessa bolha de ignorância e de toda a estrutura de poder que se ergueu com a ajuda dela. Prova disso é que Bolsonaro e seu séquito são, dia após dia, cada vez mais atropelados pelos fatos. E eles se mostram abundantes e não podem ser desmentidos por versões. Infelizmente, ainda não há evidências definitivas de que a cloroquina vai salvar o mundo (tomara que sim, aliás). O planeta também já sabe que a quarentena é necessária para preservar os sistemas de saúde e evitar lá na frente um colapso ainda maior da economia. Por fim, os cadáveres evidenciam que a preocupação com a doença é real — e não fruto da histeria da imprensa.

Um dos esteios da política de Bolsonaro já pode ser contado entre as vítimas do coronavírus: o chamado “viés de confirmação”, termo em voga na ciência política que consiste no uso de informações de maneira seletiva para ratificar crenças iniciais. “O viés de confirmação está cada vez mais fraco, pois a realidade se impõe às narrativas”, diz Felipe Nunes, professor de ciência política da UFMG e diretor da consultoria Quaest, especializada em pesquisas de opinião e nas redes sociais. A persistência dos estragos do coronavírus também torna mais difíceis as tentativas de utilização de cortinas de fumaça, jogadas no ar na forma de factoides criados para desviar o foco da pauta incômoda. No início de março, o presidente lançou do nada a suspeita de fraude nas eleições de 2018 quando a ameaça da Covid-19 chegava ao país. Nunca apresentou provas. Depois simplesmente esqueceu o assunto e seguiu inventando outros “fatos”. Com o coronavírus, essa dinâmica não está funcionando.

Pesquisas

O fenômeno que ameaça o DNA do bolsonarismo começa a ser percebido em várias pesquisas. No país, governadores que tomaram medidas mais duras e sensatas contra a Covid-19 são bem mais aplaudidos que Bolsonaro neste momento. De acordo com um levantamento da Quaest, o presidente é o segundo em um grupo de dezoito líderes globais que mais perderam popularidade nos canais digitais entre fevereiro e março — só fica atrás de Donald Trump, com a ressalva de que o americano se livrou, mesmo que tardiamente, do tom negacionista de sua política, coisa que Bolsonaro até insinua fazer, mas se mostra incapaz de levar adiante.

A incapacidade de se adaptar ao novo cenário tem custado caro a ele. Em outros países, observa-se um fenômeno chamado “efeito de unidade nacional” (rally round the flag, em inglês), quando, devido a situações dramáticas como guerra, tragédias naturais e epidemias, a população deixa de lado rivalidades políticas e se une. O efeito costuma inflar a popularidade dos governantes, como aconteceu com o premiê Winston Churchill, que juntou os britânicos diante da ameaça nazista. E ocorre hoje até com o italiano Giuseppe Conte, que governa um país com mais de 18.000 mortos pelo coronavírus.

“A base de Bolsonaro continua sólida, mas ele perdeu a oportunidade de crescer com o discurso de união e isolamento, usado por outros líderes mundiais”, avalia Maurício Moura, presidente do instituto Ideia Big Data. “Os populistas que rejeitam o conhecimento e a ciência acabam respondendo mal à pandemia, o que traz sérias consequências humanas e econômicas, que, por sua vez, podem minar o apoio a seus governos a médio prazo”, disse Steven Levitsky, cientista político da Harvard e autor do best-seller Como as Democracias Morrem. Para ele, há uma tendência natural de turn away (afastamento) dos governos populistas que falharem na resposta à crise.

Embora Bolsonaro ainda conte com a aprovação de um contingente fiel, 33% da população, uma pesquisa Datafolha feita entre os dias 1º e 3 de abril mostra arranhões em sua popularidade — a reprovação cresceu de 33% para 39%, e 17% dos eleitores que apontaram seu nome na urna em 2018 se mostram arrependidos do voto. Acuado, o presidente acena a seu grupo apoiador mais cativo, mesmo que para isso tenha de propor jejum e orações como armas para enfrentar o coronavírus.

No domingo, 5, ajoelhou-se com o pastor da Igreja Batista José Carlos Ayres Ângelo no Palácio da Alvorada. “Quero agora em nome de Jesus declarar que no Brasil não haverá mais mortes pelo coronavírus”, disse o religioso, apertando a mão e abraçando o presidente. “Estamos no meio de um combate espiritual”, afirmou Ayres. Mesmo com toda a boa vontade do pastor, o número de mortos, infelizmente, continua a crescer.

A mesma pesquisa do Datafolha revelou que, entre os evangélicos, aqueles que acham a atuação do presidente na crise ótima ou boa somam 41% — entre os católicos, essa taxa é de 31%. Pastor da denominação frequentada pela primeira-dama Michelle Bolsonaro, Josué Valandro Jr. tratou o coronavírus, ao voltar da Europa, como “gripe, uma situaçãozinha banal”. Em vídeo em suas redes sociais, afirmou que empresários relatam ter quebrado por causa da quarentena. “Quero saber quem vai pagar essa conta. Estão querendo prejudicar o governo Bolsonaro”, disse. A ironia é que o pastor Sócrates Oliveira de Souza, diretor executivo da organização a que sua igreja é filiada, a Convenção Batista Brasileira, contraiu a Covid-19, está internado, passou por tratamento com a cloroquina, teve de abandoná-la e iniciou outro tratamento. Boletim médico da quarta, 8, informava que ele tinha infecção pulmonar forte, mas seu quadro era considerado bom.

Seja por falta de opção, seja por incapacidade de contrariar o próprio DNA, Bolsonaro ainda aposta que pode jogar no colo dos adversários a recessão decorrente da quarentena e se agarra firmemente à cloroquina, em um prenúncio de que é possível justificar o aumento de vítimas no país pela oposição que lhe fizeram na aplicação do medicamento. Ele reforçou essa estratégia em pronunciamento na TV na quarta-feira, 8, o quinto desde o início da crise e o primeiro no qual se solidarizou com as vítimas. Na ocasião, jogou mais uma vez a responsabilidade de eventuais estragos econômicos nas costas de prefeitos e governadores adeptos do isolamento social. Pode ser, no entanto, que o movimento iniciado pela luz lançada pela pandemia torne cada vez mais desafiador para ele encontrar fora do núcleo mais fiel um número majoritário de pessoas dispostas a apoiar seu extremismo político. No caso da Covid-19, o presidente pode ter cavado uma vala de onde terá dificuldades para sair. Como defende o filósofo Zizek, a vida será normal daqui a pouco, mas de uma maneira diferente da que estávamos acostumados antes do surto.

Assustados

Mas, uma parte considerável da população está assustada com tudo o que está acontecendo. Segundo o Datafolha, 51% acreditam que ele mais atrapalha do que ajuda. Ele já não reina mais no Twitter como antes, como mostram as análises de impacto político na rede. A continuidade do sucesso dessa estratégia depende, portanto, da contagem de corpos ser muito menor do que o previsto.

Em seu mais recente pronunciamento, Bolsonaro também nos lembrou de outra "verdade": de que é ele o presidente da República. Ou seja, não é o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não é o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, não são os governadores de São Paulo e do Rio, João Doria e Wilson Witzel – apesar de todos eles se portarem de forma mais republicana que ele desde que a crise começou. É ele.

"Tenho a responsabilidade de decidir sobre as questões do país de forma ampla, usando a equipe de ministros que escolhi para conduzir os destinos da nação. Todos devem estar sintonizados comigo", afirmou.

Seria redundante tal declaração, uma vez que vivemos (por enquanto) em uma democracia e ele foi eleito em outubro de 2018 e tomou posse em janeiro de 2019. Portanto, ela diz mais sobre as inseguranças dele do que sobre as nossas certezas.

Na quarta, 8, Luiz Henrique Mandetta, ajudou o presidente nessa tarefa de reafirmação ao dizer: "Quem comanda esse time é o presidente Jair Messias Bolsonaro". Não é a primeira vez que isso acontece. Desde que começaram as crises na saúde pública, na economia e na política trazidas pela pandemia de coronavírus, Bolsonaro tem, repetidas vezes, reafirmado que é ele quem manda.

"O presidente sou eu, pô. O presidente sou eu. Os ministros seguem as minhas determinações", afirmou Bolsonaro, no dia 26 de março, em frente ao Palácio do Alvorada. Ele respondia a um questionamento sobre a declaração do general Mourão, de que o governo continuava com posição única, defendendo o "isolamento e distanciamento social" para combater a infecção.

Em coletiva à imprensa, realizada no dia 18 de março, um Bolsonaro claramente ressentido pelo fato da mídia elogiar o trabalho de Mandetta e não o dele, afirmou: "se o time está ganhando, vamos fazer Justiça, vamos elogiar o seu técnico – e o seu técnico chama-se Jair Bolsonaro".

Mandetta, como fez nesta quarta, aproveitou para garantir sua manutenção no barco: "o presidente é o grande timoneiro".

Bolsonaro é o presidente, quer gostemos ou não. Seria importante, para o bem da vida de milhões de pessoas, que se desse conta disso e passasse a agir como tal. Para começar, poderia adotar um mesmo discurso para toda a nação e não uma narrativa oportunista para garantir a popularidade com diferentes audiências.

A sensação é de que, ao fazer isso, quer confundir para conquistas, a fim de garantir sua reeleição em 2022 e não unir esforços do país para combater uma pandemia assassina.

Fim de linha?

Um presidente da República pode muito, mas não pode tudo. Entretanto, por dispor de um poderoso aparelho de coleta de informações, ele pode não saber tudo, mas sabe muito mais do que qualquer outra pessoa no país ou fora daqui.

Ao jornalista Luiz Datena, da Rede Bandeirantes de Televisão, sem que ele nada lhe tivesse perguntado sobre isso, Jair Messias Bolsonaro disse, sem mais nem menos, e depois mudou de assunto: “Não é hora de derrubar presidente”. Como?

Jamais um presidente brasileiro disse algo parecido a respeito de si próprio. O que ele sabe que não sabemos? Existe alguma trama para derrubá-lo? Quem está por trás dela? Cercado por militares de confiança, como ele pode ter medo de ser deposto?

Na melhor das hipóteses foi mais uma manifestação da paranoia de Bolsonaro que o acompanha desde o seu tempo de deputado. À época, em muitas ocasiões, ao sair da Câmara, ele se agachava ao lado do seu carro à procura de uma possível bomba.

Bolsonaro entende de explosivos. Planejou detonar alguns dentro de quarteis quando era um simples soldado, a reclamar sempre do valor do soldo. Foi por isso que acabou processado e expurgado do Exército, acusado de indisciplina e conduta antiética.

Já como presidente eleito e empossado, pelo menos uma vez ele ajoelhou-se para conferir se havia uma bomba debaixo do carro que o transportaria do Palácio da Alvorada para o Palácio do Planalto. Morre de medo de drones e vive olhando para o céu.

Na hipótese mais provável, a advertência disparada por Bolsonaro durante a entrevista trai a preocupação com os possíveis efeitos sobre o seu mandato da desastrosa maneira como tem conduzido até aqui o combate à pandemia que mudará o mundo para sempre.

Pois como fez questão de afirmar o ministro Luiz Henrique Mandetta, Jair Messias Bolsonaro é quem está no comando. A julgar por sucessivas pesquisas nacionais de opinião pública, ele tem mais atrapalhado do que ajudado a derrotar o vírus.

Bolsonaro ouviu do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), candidato à vaga de Mandetta, que o vírus causará a morte de muita gente, principalmente de velhos, e que não há o que fazer. A contaminação só diminuirá quando muitos forem contaminados.

A taxa de letalidade da nova peste, ou seja, a proporção das mortes registradas em comparação com o número de casos confirmados, deu um salto de 42% nas últimas 24 horas. Era de 3,5% em 1ª de abril – 7 mortos em 200 casos. Agora, 5% – 10 mortos em 200.

Em 24 horas, o número de mortos aumentou em 16%, um novo recorde. Passou para 800, o equivalente à lotação completa de 4 Airbus 320. Ou três vezes mais do que o número de mortos pelo rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais.

O vírus começou a ceifar vidas em favelas do Rio. Na Rocinha, onde 150 mil pessoas se amontoam em minúsculas casas e circulam por vias estreitas, foram dois óbitos. Mais quatro em outras comunidades. O prefeito decretou o Estado de Calamidade.

Bolsonaro está à procura de culpados para salvar sua pele. Os governadores são um dos seus alvos – e voltou a distanciar-se das medidas restritivas tomadas por eles na 5ª fala à Nação que fez desde que chamou a pandemia de gripezinha, resfriadinho.

Sem coragem para atacar diretamente o confinamento social apoiado por Mandetta e adotado no resto do mundo, estimulou o retorno ao trabalho porque é preciso também salvar a economia. Não arredou pé de nenhuma de suas ideias, apenas baixou o tom.

Como não bastasse, tornou a prescrever o uso da Cloroquina como se ela fosse capaz de curar infectados. O médico Roberto Kalil, do hospital Sírio Libanês, em São Paulo, tomou um coquetel de remédios para se curar – entre eles a Cloroquina.

Mas nem ele nem seu pneumologista garantem que a droga o livrou da morte. Por sinal, o pneumologista foi contra o uso da droga por falta de provas de que ela seja eficaz contra o vírus. Kalil contou que tomou o remédio para não “se arrepender depois”.

Por que a Cloroquina não está sendo usada em outros países – nem mesmo nos Estados Unidos onde o presidente Donald Trump é seu maior garoto propaganda? Bolsonaro tem evitado a imprensa para não ter que responder a essa e a outras perguntas.

Análise

Afrontando a praxe, Jair Bolsonaro declarou-se candidato à reeleição dois meses depois de tomar posse. Se tiver realizações para exibir em 2022, será justo e bom que se candidate. Resta saber o que seu governo fará para ornamentar a vitrine.

Antes do vírus, o futuro de Bolsonaro era feito de hipotéticas reformas e da perspectiva de recuperação da economia. Depois do vírus, não há no horizonte senão trauma social e ruína econômica. Nada será como antes.

O Covid-19 infectou o projeto político Bolsonaro-22. O Datafolha revela que 69% dos brasileiros preveem que amargarão uma diminuição dos rendimentos nos próximos meses. No final de março, esse índice era de 57%.

O país vive a síndrome do que está por vir. E o pessimismo tende a crescer na proporção direta da evolução do número de diagnósticos positivos de coronavírus e de cadáveres.

No final de 2019, a estratégia de Bolsonaro passava pelo bolso do brasileiro. Estimava-se que a reforma da Previdência, os juros mixurucas e a inflação sob controle reativariam os investimentos.

Sobreveio a lombada do pibinho de 1,1%. Num instante em que o Ministério da Economia recalibrava suas previsões de 2020 para ilusórios 2%, a pandemia se impôs como uma espécie de sorvo de gigante.

Hoje, o governo estima que o socorro a pessoas e empresas vulneráveis custará neste ano mais do que a economia que seria propiciada pela reforma da Previdência em dez anos. A única certeza disponível é que não há maior equívoco do que ter certeza sobre o futuro.

As previsões para o PIB deste ano oscilam entre um tombo de até 2% e um mergulho às profundezas de 5%. Em qualquer hipótese, o governo terá de se reinventar. Essa reinvenção exigiria que Bolsonaro se virasse do avesso.

No momento, Bolsonaro dedica-se a exercer o papel de estorvo do seu governo e a desconstruir rivais presumidos. Entre eles os governadores João Doria e Wilson Wietzel, mais bem postos do que o presidente na crise.

Bolsonaro não governa as adversidades, é governado por elas. Deveria dedicar-se não à desconstrução de adversários, mas à reconstrução de si mesmo. Num regime presidencialista, a cara do presidente tende a virar o semblante da crise.

O ideal seria que Bolsonaro projetasse uma imagem de serenidade. Não consegue. Se não abdicar ao posto de líder da oposição a si mesmo, o capitão pode ver a candidatura ser substituída por uma interrogação: Será que chega a 2022?

No momento, resta a Bolsonaro um consolo. O governador João Doria, principal nome da oposição, deu para trocar afagos com Lula no Twitter. Quer dizer: o eleitor que quiser prestigiar a alternância de poder talvez tenha dificuldade para encontrar material.


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