20/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Mercadores de Ilusões

Publicado em 08/04/2020 12:00 - Rodrigo Amém

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A previsão inicial de orçamento para os jogos olímpicos de Tóquio girava em torno de 64 bilhões de reais. Pouco antes do adiamento do evento em função da pandemia, os gastos já tinham superado a casa dos 142 bilhões. 

Nós, brasileiros em geral e cariocas em específico, sabemos muito bem como funciona essa brincadeira. Por aqui, a pouca vergonha foi tamanha que os dirigentes da APO (Autoridade Pública Olímpica), decidiram não fechar a conta oficial da brincadeira. Eram obrigados a fazê-lo por lei mas, Brasil, né?

Mas então, como justificar a farra do boi gordo do oriente? Com três letras: COI. O Comitê Olímpico Internacional, instituição privada que declarou lucros de cinco bilhões de reais na Rio 2016, mesmo evento em que o Tribunal de Contas da União aponta investimentos totais de 7,23 bilhões. 

Por que estou falando de Rio 2016 em meio à pandemia? Pelo mesmo motivo que levou a Rede Globo a reprisar a final da Copa do Mundo de 2002 no domingo passado.

Já percebeu quem reclama dos "artistas nas tetas da Lei Rouanet" não reclama dos "esportistas nas tetas das Forçar Armadas"? Que quem diz que é um absurdo patrocinar "instalação artística para meia dúzia" não tem a mesma opinião a respeito do soldo da equipe de esgrima do exército? Por que não tem problema o Estado financiar salto ornamental, mas é imoral aprovar financiamento para show de rock?

Artistas e atletas são, no final das contas, profissionais do entretenimento. Treinam todos os dias para causar comoção no coração de suas plateias. Eu lhe garanto que é possível marcar gols de forma mais eficiente, mas não é por isso que Neymar e Cristiano Ronaldo existem no imaginário popular. São performers de um palco gramado, divas, prima-donas.

O atleta joga, claro, de acordo com as regras (ou quase sempre. Aí estão Lance Armstrong e Maradona que não me deixam mentir sozinho). O caso é que o esporte é uma forma de entretenimento que enaltece a superação dentro de uma ordem pré-estabelecida. Tem as quatro linhas, tem as regras, a disciplina física. A competição atribui dramaticidade ao esporte. E a representatividade promove identificação. O esporte cria a perfeita ilusão da meritocracia. De uniformes, cada um de um lado do campo, os atletas parecem iguais. Qualquer um pode chegar ao pódio, vencer. É só uma questão de garra, vontade, foco, brio. 

É claro que sabemos que isso é uma ilusão: é o teatro onde Galvão Bueno é dramaturgo. Os países com mais investimentos levam mais medalhas. É quase uma equação matemática. Mas isso não importa para o fã do esporte, que tem fé cênica olímpica e gosta de viver a glória vicária das vitórias de seus conterrâneos. É por isso que a reprise de um jogo de 18 anos de idade foi um sucesso em tempos de quarentena. E é essa celebração ufânica é o que difere arte de esporte na percepção de quem financia a brincadeira. 

A arte, por sua vez, questiona, subverte, confunde, caçoa. A arte emociona porque é íntima. O esporte emociona porque é tribal. A arte é o Baco, o esporte é Apolo. Os conservadores odeiam Baco. Por isso gastam tanto tempo tentando fazer com que a arte seja mais semelhante ao esporte. Afirmando que só o virtuosismo técnico e regrado tem valor. É isso que queria o nazistinha substituído pela pensionistazinha do Brasil no comando da Secretaria de Cultura. Querem uma FIFA das artes. Quem não jogar o nosso jogo, tá fora.

Mas aí chegou a Covid-19 e tudo parou. Pararam os preparativos dos Jogos de Tóquio, pararam os projetos para a "nova cultura brasileira". As maracutaias Olímpicas e até mesmo da próxima Copa do Mundo estão suspensas. O Japão gastava tubos nessa ação de marketing institucional chamada Jogos Olímpicos para mostrar que não é um país tão xenófobo quanto pintam, nem foi engolido na corrida tecnológica por China e Coreia do Sul. Regina Duarte queria mostrar que a política cultural do governo não é tão fascistóide quanto declarou seu antecessor e nem tão delirante quanto seu discurso de posse.  Até o presente momento, pouco se sabe quais fantasias nos daremos ao luxo de viver primeiro, quando retornarmos à pretensa realidade. Se as ilusões de bastidores da arte, ou as ilusões nos palcos do esporte.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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