28/03/2024 - Edição 540

Poder

Twitter, Facebook e Instagram apagam publicações de Bolsonaro: ‘Dano real às pessoas’

Publicado em 03/04/2020 12:00 -

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Cada vez mais distante do Congresso, da imprensa, e de lideranças políticas do Brasil e de outros países, Jair Bolsonaro (sem partido) foi rejeitado também nas redes sociais. O presidente brasileiro viu o Twitter, o Facebook e o Instagram apagarem vídeos de sua conta oficial que o mostravam passeando pelas ruas de Brasília (DF), em meio à pandemia do coronavírus.

Bolsonaro aparece circulando nos comércios de Taguatinga e Sobradinho, interagindo com a população local e recomendando que se utiliza, em caso de contaminação por coronavírus, a hidroxicloroquina, medicamento que ainda está em fase de testes e que não teve sua eficácia no combate ao vírus comprovada.

As empresas entendem que as publicações do presidente causam “desinformação” e provocam “danos reais às pessoas”. Os passeios de Bolsonaro ferem as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Ministério da Saúde e de infectologistas, epidemiologistas e médicos do mundo inteiro, que seguem recomendando o isolamento da população para frear a curva de crescimento do coronavírus.

Na contramão de governantes de todo o mundo, Bolsonaro tem insistido com o “isolamento vertical”, que, segundo o mandatário, significa restringir o acesso às ruas somente do grupo de risco, composto por idosos e doentes crônicos. A ideia do presidente foi condenada, inclusive, por Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde.

Em nota, o Twitter afirmou que "as publicações do presidente foram apagadas pois ferem regras recentes da empresa, que não permitem conteúdos que forem eventualmente contra informações de saúde pública orientadas por fontes oficiais e possam colocar as pessoas em maior risco de transmitir Covid-19."

O Facebook e o Instagram optaram por excluir o vídeo em que o presidente conversava com um vendedor ambulante em Taguatinga, no Distrito Federal. "Removemos conteúdo no Facebook e Instagram que viole nossos Padrões da Comunidade, que não permitem desinformação que possa causar danos reais às pessoas", informou o Facebook em nota. A empresa declarou que as postagens de Bolsonaro violaram as regras de uso da plataforma por potencialmente "colocar as pessoas em maior risco de transmitir covid-19".

Reincidente

A relação do presidente com notícias falsas parece ser um caso de amor. Bolsonaro disparou a aliados por WhatsApp um vídeo que questiona as mortes por coronavírus. Na primeira cena do vídeo, um italiano diz que a mortalidade da covid-19 é em parte motivada pela idade avançada dos cidadãos e em parte por um cálculo estatístico do número de doentes.

“É provável que algumas dessas mortes… não é como na Alemanha, onde todos os mortos são verificados um por um, algumas dessas mortes podem ser atribuídas ao coronavírus, sem que o coronavírus seja a causa direta da morte”, diz trecho do vídeo.

Em uma segunda parte, outra pessoa corrobora essa tese de que há um erro no cálculo de mortes por covid-19. “Numa reavaliação do Instituto Nacional de Saúde apenas 12% dos certificados de óbito mostram uma casualidade direta do coronavírus”, diz. “12%”, insiste. “Isso é insano! Isso significa que os italianos estão sobrestimando as duas mortes, em níveis insanos!”

Segundo ele, isso significa que “não estamos olhando para 8.165 mortes, mas em vez disso: 980 mortes”. A gravação reforça que esse índice é alinhado com o que é visto no resto do mundo. O vídeo também questiona se estão diferenciando as mortes por influenza e por covid-19.

Fazendo escola

No último dia 1º, foi a vez da secretária de Cultura do governo, Regina Duarte, ser desmentida pelo Instagram. A rede social colocou um alerta de “informação parcialmente falsa” em uma postagem feira pela ex-atriz.

A postagem se tratava de uma foto de Bolsonaro com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que trazia a informação falsa sobre a suposta liberação da cloroquina para o tratamento da Covid-19. “Liberação da cloroquina/hidroxicloroquina pela Anvisa, já com posologia para tratamento da Covid-19”, diz o texto da imagem.

Na legenda, Regina escreveu: “Vou ser responsável. Vou tomar todas as precauções mas não vou deixar que o MEDO da COVID-19 possa ser mais forte que a minha ESPERANÇA !”.

O Instagram, entretanto, além de “borrar” a imagem para que o internauta escolha se quer abrir a postagem ou não, esclareceu que a autorização concedida pela Anvisa sobre a cloroquina foi para pesquisa, e não para tratamento.  Procurada pela imprensa, Regina Duarte disse que não se manifestará sobre a informação falsa.

Análise

As páginas de Jair Bolsonaro nas redes sociais transformaram-se em sucursais eletrônicas da Casa da Mãe Joana. Num dia, o presidente —ou alguém a quem ele cedeu a sua senha— posta um vídeo com edição marota de uma fala do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS). Noutro dia, horas depois de um pronunciamento em rede nacional no qual o presidente propõe um pacto contra o coronavírus, aparece nas suas redes sociais um vídeo cujo conteúdo vale por uma canelada nos governadores. Falava de desabastecimento de alimentos no Ceasa de Belo Horizonte. Descobriu-se rapidamente que o vídeo é mentiroso. E a postagem foi apagada das redes sociais.

Francamente, isso não é coisa de gente séria. Fica difícil levar a sério a proposta de pacto feita por Bolsonaro em rede nacional. No domingo passado, depois de afrontar todas as orientações do Ministério da Saúde num tour pela periferia de Brasília, Bolsonaro declarou que é preciso enfrentar o coronavírus "como homem, não como moleque." Como definir a mania de postar meias verdades e mentiras integrais nas redes sociais senão como uma molecagem?

O problema não está nas mensagens que saem no Twitter, no Facebook ou no Instagram do presidente. O mais dramático é perceber que a exclusão das postagens depois da repercussão negativa não apaga o que está gravado na cabeça de Bolsonaro e do seu filho Carlos Bolsonaro, a quem o presidente às vezes terceiriza o seu quintal virtual. Bolsonaro acredita mesmo que é um proprietário da verdade absoluta sobre todas as coisas, obrigado pelas circunstâncias a lidar com inimigos inescrupulosos. No momento, os inimigos de ocasião são os governadores.

Sob influência de Mãe Joana, Bolsonaro ainda não se deu conta de um detalhe: pode-se ganhar uma eleição pelas redes sociais, mas não se pode governar apenas com elas. Na campanha, submetido a um eleitorado de saco cheio, bastava ao então candidato chutar o balde na internet para ganhar votos. Agora, num instante em que uma pandemia vira do avesso os projetos do mundo, descobre-se que às vezes é preciso desligar as redes sociais para conversar um pouco. Conversa de gente séria, não de moleque.


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