28/03/2024 - Edição 540

Brasil

MP que permite redução de até 70% do salário está valendo

Publicado em 02/04/2020 12:00 -

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A medida provisória que prevê a possibilidade de empresas diminuírem jornada e o salário do trabalhador em até 70% e também suspender contrato de trabalho está em vigor e já pode ser adotada pelos empregadores que quiserem usar dos dispositivos devido à crise provocada pelo coronavírus. Com isso, o governo bancará uma ajuda emergencial aos trabalhadores afetados com base no seguro-desemprego. Podem ser feitas alterações no contrato de todos os funcionários de empresas privadas que tiverem carteira assinada. O texto foi publicado na noite de quarta-feira, 1º, no Diário Oficial da União.

Para que o contrato possa sofrer alterações, é necessário que haja um acordo individual ou coletivo, que precisa ser informado ao Ministério da Economia. Trabalhadores que já estejam recebendo o seguro-desemprego não se enquadram nas medidas. Também não estão incluídos os trabalhadores do setor público ou de subsidiárias de empresas públicas. A expectativa é que ao menos 12 milhões de trabalhadores sejam afetados pela medida.

A MP tem duração de 120 dias e pode virar lei caso seja aprovada antes pelo Congresso Nacional.  Saiba o que o texto permite:

Suspensão do contrato de trabalho

 O empregador pode suspender o contrato do trabalhador pelo período de dois meses. Quem tiver o contrato de trabalho suspenso receberá o valor integral do seguro-desemprego (que vai de 1.045 reais a 1.813 reais).  A empresa continuará obrigada a fornecer os benefícios voluntários, como auxílio-alimentação e plano de saúde. Se tiver o contrato suspenso, o empregado não poderá prestar nenhum serviço à empresa durante esse período. No caso de empresas com faturamento maior que 4,8 milhões de reais, é devido ainda uma ajuda compensatória equivalente a 30% do salário. Essas empresas podem suspender até 70% do seu quadro e, quem tiver faturamento menor que esse, pode suspender o contrato de todos os funcionários.

Redução de jornada

Estão autorizadas reduções de jornada e salário de 25%, 50% e 70%, que receberão ajuda compensatória do governo. As negociações são diferentes conforme o valor recebido pelos trabalhadores. O primeiro grupo reúne empregados com carteira assinada que recebem até três salários mínimos (3.135 reais). Para efetivar o corte, basta um acordo individual com o empregado. O segundo grupo, com renda mensal entre 3.135 reais e 12.202 reais também pode ter o trabalho suspenso, desde que haja um acordo coletivo feito com sindicatos. Para quem ganha mais de 12.202 reais por mês, o acordo pode ser individual, como já prevê a CLT. Os contratos podem ser reduzidos por até três meses.

Estabilidade no emprego

As empresas que aderirem ao programa não vão poder demitir os funcionários pelo período em que acordaram a redução proporcional de jornada e salário. O texto também prevê que o empregador tem a obrigação de garantir o emprego do funcionário por um período igual ao da redução de jornada. Se a redução durar dois meses, ele só pode demitir dois meses após que a pessoa voltar a sua jornada normal de trabalho. Essa medida também vale para os contratos suspensos.

Como funcionará o auxílio do governo

Trabalhadores que tiverem a jornada reduzida têm direito de receber um valor equivalente ao seguro-desemprego como forma de ajuda durante a crise. O benefício é proporcional ao corte de jornada: se o trabalhador teve a sua jornada reduzida em 25% por parte da empresa, ele irá receber 25% do valor da parcela que seria o seu seguro-desemprego. O mesmo vale para as jornadas reduzidas em 50% e 70%. Para quem ganha até um salário-mínimo, a recomposição será feita.

Quando esse auxílio será pago

Segundo a medida provisória, o governo têm até 30 dias para começar a pagar o auxílio depois da comunicação da empresa ao Ministério da Economia. Ainda é necessário que governo publique uma regulamentação para que seja esclarecida a forma que as empresas precisarão comunicar o governo da redução e de como será pago esse auxílio.

Trabalhador não perde o direito ao seguro-desemprego

Caso seja demitido após a estabilidade, o trabalhador poderá solicitar normalmente o seguro-desemprego.

Assustador

A Medida Provisória 927 é "uma tentativa de minimizar as perdas do patronato e criar uma confusão na classe trabalhadora", afirma Ricardo Antunes, professor titular de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Ele definiu como "assustador" o neoliberalismo adotado por Bolsonaro e por seu ministro da Economia, Paulo Guedes. "Enquanto os governos neoliberais do centro estão tomando medidas mais incisivas, como na França, na Inglaterra e até mesmo nos Estados Unidos, aqui se faz o contrário".

A única medida aceitável nesse momento, afirma Antunes, "por um governo minimamente comprometido com a população em geral do país — o que não é o caso deste — seria uma renda mínima, de três salários mínimos para todos as trabalhadoras e os trabalhadores que se encontram na informalidade, no desemprego, ou no trabalho intermitente".

"O governo precisa proibir demissões por dois meses, período do pico da infecção pelo coronavírus. E garantir recursos para as empresas poderem pagar salários dos trabalhadores até o teto do INSS." A declaração foi dada à coluna por Sérgio Nobre, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Ele criticou a Medida Provisória 936, que permite a redução de salário proporcional à redução de jornada e a suspensão de contrato de trabalho enquanto valer o estado de calamidade pública. O teto pago a aposentados e pensionistas do INSS é, hoje, de R$ 6.101,06.

O governo Jair Bolsonaro propôs o pagamento de uma porcentagem do seguro-desemprego para completar a renda reduzida – até o limite de 70%. Em casos de suspensão de contrato, o limite de desembolso pelo poder público é o teto do seguro (R$ 1813,03) no caso de empresas com receita bruta até R$ 4,8 milhões. Acima disso, elas terão que pagar 30% do salário e o governo vai arcar com 70% do seguro-desemprego.

"Redução de salário e jornada funciona em país com sobra de renda, em que você corta viagem, ida a restaurante. Mas, no Brasil, não tem como. Redução de renda, em muitos casos, vai significar cortes em remédios, no aluguel", avalia Sérgio Nobre. "As pessoas têm que ter tranquilidade para poderem ficar em casa."

De acordo com ele, micro, pequenas e médias empresas terão dificuldade de arcar com outros custos, como os benefícios de saúde, que não serão suspensos, de acordo com a MP. Algumas irão preferir demitir. Defende, portanto, que haja subsídio grosso para pagamento de salários desses empreendimentos.

A MP 936 também permite a negociação individual entre trabalhador e patrão para chegar a um acordo sobre a alternativa a ser adotada. O presidente da CUT discorda dessa medida: "Botar um trabalhador sozinho negociando com o patrão neste momento é ruim. A questão deveria ser tratada sempre com os sindicatos".

Nobre propõe que confederações sindicais e empresariais criem uma negociação de validade nacional que oriente os sindicatos, que poderão, por sua vez, adaptá-la às realidades locais e setoriais. "O diálogo e a negociação são o caminho. Neste momento, não pode haver saída autoritária. Temos que atravessar a crise mantendo empregos, renda e o sistema produtivo para permitir a retomada quando tudo isso passar", conclui.

TIRE SUAS DÚVIDAS

Quais são os pontos principais da MP?

A medida autoriza que empregadores reduzam salários e jornadas de funcionários. O objetivo, segundo o governo, é evitar demissões em empresas afetadas pela crise do coronavírus. O texto também permite a suspensão temporária de contratos de trabalho. Ou seja, o empregado não trabalha e a empresa não paga salários. Nos dois casos, o governo compensará parte das perdas.

A nova regra vale para empregados domésticos?

Sim, a MP abrange todos os empregados com carteira assinada, inclusive os domésticos.

A MP vale para trabalhadores intermitentes, que trabalham por hora?

Sim. Caso tenha mais de um empregador, receberá a compensação de cada um que decidir reduzir a jornada. Além disso, esses trabalhadores terão direito ao auxílio de R$ 600 que será pago a informais.

Quais os percentuais de cortes salariais?

Há três faixas de cortes salariais, com redução proporcional da carga horária: 25%, 50% e 70%. Ou seja, quem ganha R$ 3.000 e trabalha 44 horas semanais passará a receber da empresa R$ 1.500 e terá jornada de 22 horas por semana, caso firme um acordo de redução de 50%. Empresas podem propor cortes diferentes desses percentuais, mas só por acordo coletivo (veja mais abaixo).

Por quanto tempo o empregado pode ficar com salário reduzido?

A redução de salário e jornada de trabalho pode durar no máximo 90 dias.

Como funcionará a suspensão de contrato?

Nesse caso, a empresa deixa temporariamente de pagar o salário do empregado, que fica dispensado do trabalho. Ou seja, é uma redução de 100% do salário. A suspensão pode ser de até dois meses.

Como o governo vai compensar as perdas de quem for afetado?

A reposição garantida pelo governo será calculada sobre o seguro-desemprego a que o empregado teria direito caso fosse demitido. O valor total pago no mês não pode ser menor que o salário mínimo (R$ 1.045).

No caso da redução de jornada, será proporcional ao tamanho do corte salarial. Assim, quem tiver uma perda salarial de 50% terá direito a um benefício equivalente a 50% do valor do seguro.

Caso ocorra a suspensão total de contratos, o governo se compromete a pagar 100% do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito, caso a empresa tenha faturamento anual de até R$ 4,8 milhões.

Grandes empresas, com faturamento maior que esse, terão que se comprometer a bancar ao menos 30% do salário do funcionário afastado. Nesse caso, o governo entra com um complemento de 70% do seguro-desemprego.

O repasse do governo será suficiente para repor todo o salário?

Não necessariamente. O valor do seguro-desemprego não é idêntico ao salário que o empregado recebe na ativa. O benefício varia de R$ 1.045 (salário mínimo) a R$ 1.813,03 e é calculado por uma fórmula.

Quem tem salário médio de R$ 2.500, por exemplo, faz jus a um seguro de R$ 2.180,08. Ou seja, se um empregado com esta renda sofrer um corte de 50% do salário receberá, com a compensação do governo, R$ 2.340.

Para quem ganha acima do teto do seguro-desemprego, a perda pode ser maior. Um trabalhador que recebe R$ 5.000 por mês tem direito ao teto do seguro. Assim, ficaria no fim do mês, caso tivesse o salário reduzido à metade, com R$ 4.313,03, já contando com a compensação do governo.

Como será a negociação?

Quando o corte for de 25%, a mudança poderá ser feita por meio de acordo individual, ou seja, entre o patrão e o empregado, independentemente da faixa salarial.

Nos casos de redução de 50%, 70% ou suspensão de contrato, os acordos individuais só poderão ser firmados com empregados que ganham menos de R$ 3.135 ou mais de  R$ 12.202,12.

Trabalhadores que ganham entre R$ 3.136 e R$ 12.202,11 só poderão ter os contratos modificados se houver acordo ou convenção coletiva, com a participação do sindicato.

A regra foi pensada para evitar perdas para quem ganha mais que três salários mínimos. Como o seguro-desemprego tem um teto menor que este valor, as perdas na renda desses trabalhadores podem ser maiores. Por isso, os sindicatos foram envolvidos.

Os acordos coletivos também são necessários para reduções salariais com percentuais diferentes dos previstos na MP. Nesse caso, a compensação do governo será feita da seguinte forma:

– Até 25% – sem compensação

– 25% a 49% – 25% do seguro-desemprego

– 50% a 69% – 50% do seguro-desemprego

– 70% ou mais – 70% do seguro-desemprego

As empresas podem pagar uma compensação extra?

Sim. Isso pode ser firmado por acordo individual ou coletivo. Nesse caso, a compensação paga pelas empresas terá caráter indenizatório. Isso significa, na prática, que não incidirão contribuições que pesam hoje sobre salários, como recolhimento para a Previdênica e para o FGTS.

Como ficam os benefícios de quem tiver o contrato suspenso?

A MP prevê que, apesar de afastado, o funcionário terá direito a todos os benefícios concedidos pela empresa, como plano de saúde.

O empregado pode ser demitido após a suspensão ou redução de jornada?

Não imediatamente. A MP prevê um período de estabilidade para trabalhadores atingidos pela medida, equivalente ao tempo de suspensão de contrato ou jornada reduzida. Se a empresa reduzir jornada e salário por dois meses, por exemplo, o funcionário terá o emprego garantido por quatro meses, incluindo o período com salário reduzido.

Se for demitido após o período de estabilidade, o empregado tem direito ao seguro-desemprego?

Sim. Numa versão anterior, o governo chegou a anunciar que a compensação salarial funcionaria como uma antecipação do seguro-desemprego, mas mudou de ideia.


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