25/04/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro nega orientações da ciência e distorce informações para minimizar pandemia

Publicado em 27/03/2020 12:00 -

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A pandemia de coronavírus foi a primeira crise, em 15 meses da gestão Jair Bolsonaro, não produzida artificialmente pelo clã bolsonarista. Em 5 minutos, porém, o mandatário conseguiu ampliar o tamanho dos atritos e se isolar até mesmo dentro do próprio governo. Ao afirmar no pronunciamento em rede nacional na noite do último dia 24 que o País precisa “voltar à normalidade”, quando a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS) é restringir ao máximo a circulação de pessoas, o presidente gerou uma reação em cadeia: além de surpreender auxiliares próximos, que se viram desconfortáveis e sem respostas, encheu a oposição de munição. 

Ele perdeu o apoio até de um de seus mais aguerridos aliados: o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM). Ele chegou a dizer na quarta-feira (25) que não respeitará mais as decisões de Bolsonaro: “Não tem mais diálogo com esse homem”.

A fala em cadeia nacional do presidente foi escrita a várias mãos, sob o olhar atento do filho Carlos Bolsonaro, considerado o mais radical de todos. Mesmo ministros palacianos que têm estado ao lado do presidente em momentos complicados com o Congresso, mantiveram-se cabisbaixos nesta quarta. O clima pelos corredores do Palácio do Planalto era de constrangimento. 

Sem ser ouvido em conversas, nem chamado a opinar, tendo como única frente de ação o Conselho da Amazônia, o vice-presidente Hamilton Mourão convocou uma coletiva sobre o tema, na qual aproveitou para desautorizar Jair Bolsonaro, dizendo que ele pode ter “se expressado mal”. 

“A posição do governo por enquanto é uma só: a posição do governo é o isolamento e o distanciamento social. Está sendo discutido e ontem o presidente buscou colocar, pode ser que tenha se expressado de uma forma que não foi a melhor, mas o que ele buscou colocar é a preocupação que todos nós temos com a segunda onda. Temos a primeira onda, que é a saúde, e a segunda que é a questão econômica”, afirmou.

Segundo o que pensa Bolsonaro, disse Mourão, é preciso esperar passar esse período que estamos em isolamento para que haja “calibragem” na forma pela qual a epidemia está se espalhando. “E, a partir daí, se possa gradativamente ir liberando as pessoas dentro de atividades essenciais para que a vida vegetativa do País prossiga.”

Outro exemplo do tamanho do constrangimento provocado por Bolsonaro e sua atuação foi observado na teleconferência da manhã de quarta com governadores do Sudeste, quando Bolsonaro bateu boca com o chefe do Executivo de São Paulo, João Doria.

Enquanto o presidente respondia críticas recebidas pelo ex-aliado, acusando-o de “leviano” e “demagogo”, ministros apenas olhavam para baixo, rabiscavam no papel, evitando inclusive “olhar entre si”, relatou um dos participantes da reunião.  

Apesar do incômodo quase generalizado – menos da ala radical, que neste momento é minoria -, avalia-se que dificilmente o presidente irá recuar e admitir que errou em algo. Afirma-se, nos bastidores, que “não é do feitio de Bolsonaro admitir erros ou derrotas, ou abaixar a cabeça”. 

O que aliados esperam para os próximos dias, ao contrário, é uma elevação no tom e na beligerância nas redes sociais, entrevistas, pronunciamentos.

Ala terraplanista

Mas Jair Bolsonaro não está sozinho no discurso que minimiza a pandemia de coronavírus no Brasil. Enquanto o mundo luta contra o novo vírus, com quase 500 mil pessoas contaminadas e mais de 22 mil mortes, o mandatário chama atenção para os efeitos negativos das medidas de controle da doença na economia. Ficar em casa, principal recomendação de cientistas e da OMS (Organização Mundial da Saúde) para desacelerar o ritmo com que o vírus se espalha, tem como efeito colateral o congelamento da atividade econômica. 

Após o presidente recomendar o "isolamento vertical", com a reabertura do comércio e de escolas, o governo federal lançou uma campanha publicitária com o slogan "O Brasil Não Pode Parar". Em um vídeo, um narrador cita diversas categorias profissionais, como autônomos e prestadores de serviços, e repete diversas vezes que o país não pode parar por eles.

Ao lado de Bolsonaro estão ministros e personalidades como o guru ideológico do governo, Olavo de Carvalho. Para ele, o vírus é uma “invenção”. Olavo tem compartilhado notícias e até gravado vídeos em que defende essa teoria. Essa linha de raciocínio é replicada pela família Bolsonaro ao acusar a China de provocar a pandemia por interesses econômicos – o que gerou o mal estar com os chineses após comentário do filho do presidente e deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). 

O olavismo virou uma corrente aliada ao bolsonarismo, com adeptos entre os apoiadores do presidente e com grande influência. E sua narrativa tem abastecido redes sociais e grupos de WhatsApp ― ferramentas que ajudaram o bolsonarismo a chegar ao poder. O grupo ideológico do governo e que gravita em torno do presidente ajuda a disseminar o discurso conveniente a Bolsonaro neste momento. 

No momento em que o grupo fala em “invenção”, a OMS adverte que, do dia 11, quando o novo coronavírus passou a ser considerado uma pandemia até o início desta semana, o ritmo de disseminação do vírus está acelerando. Segundo a entidade, ainda é possível reverter o quadro com a realização de testes e respeito à quarentena. “Distância social e isolamento em casa são medidas defensivas para vencer o coronavírus”, afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. 

Justamente o contrário é o que chegou a ser defendido pelo presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo. Para ele, isolamento é “a maior imbecilidade da história da humanidade”. Em uma postagem em seu Twitter, antes mesmo de o presidente dizer que é preciso voltar à normalidade, Camargo defendeu isolamento apenas para grupos de risco e finalizou: “Ao trabalho, brasileiros”. A mensagem foi apagada minutos depois.

Na mesma linha, o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio gravou um vídeo para elogiar o chefe. “Não é momento para oportunismo, sensacionalismo ou caça às bruxas. É hora de adotar postura de enfrentamento com consciência, como fez o presidente Jair Bolsonaro”.  Ele mencionou a queda na taxa de ocupação de hotéis para justificar a preocupação do governo com a economia, afirmando que isso se alastra, neste momento, para todos os setores. “Você já parou para pensar o que o desemprego em massa pode ocasionar no nosso País? Objetivo é salvar vidas em decorrência tanto do coronavírus, quanto econômica. Caminho árduo e exige coragem.” 

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que em outubro, no auge de outra crise, do vazamento de óleo na costa brasileira, acusou o Greenpeace de ser responsável pelo vazamento que havia provocado o desastre ambiental, também tem dado apoio ao discurso do presidente.  

No pronunciamento que fez três dias depois, Bolsonaro criticou até mesmo o fechamento de escolas. “O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs, com menos de 40 anos de idade. 90% de nós não teremos qualquer manifestação caso se contamine”, disse em pronunciamento, no dia 24. 

Médicos, no entanto, alertam que crianças são vetores da covid-19 e, embora muitas não apresentem sintomas da doença. Mais um argumento para a necessidade de o maior número possível de pessoas se manter em casa. O que não é suficiente para convencer o assessor especial da Presidência Arthur Weintraub. Irmão do ministro da Educação, Abraham Weintraub, Arhtur tem minizado a pandemia e feito comparações com a época do governo PT.

Os filhos do presidente têm sido os maiores aliados do pai na guerra nas redes. Eduardo Bolsonaro compartilhou em seu Twitter um vídeo de Roberto Justus. “Quinze mil mortes para sete bilhões de habitantes é um número muito pequeno”, disse o empresário no vídeo compartilhado pelo 03. 

Carlos Bolsonaro também vem afirmando que apenas idosos e demais pessoas que integram o grupo de risco devem ficar em casa – o que não é a orientação do próprio Ministério da Saúde. 

Até mesmo Flávio, que sempre manteve um comportamento mais tímido e ponderado nas redes sociais, tem se mostrado aguerrido em endossar o discurso do pai e dos irmãos.

Atrapalhando

O Conselho Nacional dos Secretários da Saúde (Conass) afirmou, em carta divulgada nas redes sociais, que o pronunciamento do presidente é uma “tentativa de desmobilizar a sociedade brasileira, as autoridades sanitárias de todo o país” e que a declaração “dificulta o trabalho de todos, inclusive de seu ministro [da Saúde, Luiz Henrique Mandetta] e técnicos”. O conselho, formado por secretários estaduais de Saúde, se disse “estarrecido” com o discurso do presidente.

“Ao invés de desfazer todo o esforço e sacrifício que temos feito junto com o povo brasileiro, negando todas as recomendações tecnicamente embasadas e defendidas, inclusive, pelo seu Ministério da Saúde, deveríamos ver o Presidente da República liderando a luta, contribuindo para este esforço e conduzindo a nação para onde se espera de seu principal governante: um lugar seguro para se viver, com saúde e bem estar”, diz um trecho da carta.

Na carta, os secretários de saúde afirmam que não é possível “permitir o dissenso e a dubiedade de condução do enfrentamento à Covid-19. Assim, é preciso que seja reparado o que nos parece ser um grave erro do Presidente da República”. “Ao invés de desfazer todo o esforço e sacrifício que temos feito junto com o povo brasileiro, negando todas as recomendações tecnicamente embasadas e defendidas, inclusive, pelo seu Ministério da Saúde, deveríamos ver o Presidente da República liderando a luta, contribuindo para este esforço e conduzindo a nação para onde se espera de seu principal governante: um lugar seguro para se viver, com saúde e bem estar”, diz o texto.

Os secretários afirmam, ainda, que “com saúde não se pode brincar e nem fazer apostas, diante do risco que corremos. É preciso discernimento, coragem e determinação para liderar, unificar e auxiliar a nação a superar mais este desafio de Emergência em Saúde Pública. A carta é finalizada com a hashtag #FicaEmCasa.

Análise

Ao contrário da pandemia do coronavírus, uma crise produzida sob a influência de fatores externos, o pandemônio em que se converteu a gestão de Jair Bolsonaro é um legítimo produto nacional. Teve origem no estilo errático do presidente. E ganhou um ingrediente adicional: a ausência de governo.

O presidente torpedeia a política de isolamento social preconizada pelo Ministério da Saúde. O vice Hamilton Mourão atira no discurso de Bolsonaro, dizendo que o isolamento é política de governo e que o presidente não se expressou bem. Ambos acertam na sociedade, que enxerga tumulto onde deveria existir unidade.

No aniversário de um mês do primeiro diagnóstico de coronavírus no Brasil, o Ministério da Saúde informou que o país atravessará nos próximos dias uma "tempestade perfeita". Além do novo vírus, que avança em velocidade fulminante, haverá outras duas epidemias tradicionais: a de influenza e a de dengue.

No mesmo dia, descobriu-se que o Planalto lançará uma campanha publicitária que convida o brasileiro a deixar o recolhimento domiciliar para desafiar o vírus nas ruas, de peito aberto. "O Brasil não pode parar", eis o nome da cruzada heroica. A Fiocruz expõe os riscos num levantamento que detecta explosão de internações por problemas respiratórios.

A campanha ganhou o noticiário nas pegadas de uma entrevista em que a equipe do ministro Henrique Mandetta (Saúde) levou à vitrine uma contabilidade macabra. O Brasil registrou nesta quinta-feira o maior número de novos diagnósticos de coronavírus (482) e de mortes (20). Nessa contabilidade, o total de infectados bateu em 2.915. Os mortos, 77.

"A previsão é de que teremos 30 dias muito difíceis", disse o secretário-executivo da Saúde, João Gabbardo, às voltas com a síndrome do que está por vir. "Teremos coronavírus, que é novidade; teremos influenza, que é rotina; e teremos também o pico da dengue", declarou o secretário de Vigilância em Saúde Wanderson Oliveira. "Uma tempestade perfeita."

A despeito do pano de fundo tóxico, Bolsonaro está tranquilo. Após o pronunciamento em que voltou a se referir ao coronavírus como transmissor de uma "gripezinha", saiu-se com um argumento novo para justificar a tese segundo a qual o Brasil precisa "voltar à normalidade".

Para Bolsonaro, os nativos dessa terra de sabiás dispõem de imunidade natural contra a doença forasteira. "O brasileiro precisa ser estudado", disse o presidente. "Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele."

Os poderes curativos da mistura de lama com dejetos estão pendentes de verificação científica. Mas uma coisa já é certa: contra falta de comando não há remédio.

Diante de uma "tempestade perfeita", a providência mais óbvia seria abrir o guarda-chuva. Mas a campanha publicitária anti-isolamento e a língua de Bolsonaro transformam os conselhos da pasta da Saúde em algo tão inútil para o brasileiro quanto um guarda-chuva sem o pano que o recobre. As intempéries e as infecções têm livre acesso.

Depois da tempestade virá a cobrança: uma recessão histórica. Na contramão de todos os governantes do mundo, Bolsonaro demora a articular um plano decente de socorro financeiro às pessoas e às empresas mais vulneráveis à crise. Decerto imagina que um mergulho no esgoto resolverá tudo.

Contra esse pano de fundo tóxico, o eleitor brasileiro, com seu guarda-chuva sem pano, vai trocando gradativamente as ruas e as redes sociais pelas janelas. Sob os efeitos dos panelaços, Bolsonaro tenta trazer as manifestações de Mourão na coleira. "O presidente sou eu, pô", disse o capitão sobre a ousadia que levou o vice a declarar que ele não se expressara bem ao refutar o isolamento social.

Bolsonaro impõe a réplica a Mourão porque é um ser humano inseguro. De resto, aprendeu com Michel Temer que os vices, como os ciprestes, costumam crescer à beira dos túmulos.

Desde o início do governo, Mourão oferece aos gravadores e microfones um punhado de contrapontos sóbrios aos despautérios do titular. Se é presidente, como diz, Bolsonaro deveria presidir. Em política, não há vácuo. As ausências, cedo ou tarde, são preenchidas.

CHECAGEM

Em seu terceiro pronunciamento sobre o novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro negou, no último dia 24, informações de cientistas, enumerou dados incorretos e lançou mão de afirmações insustentáveis e falsas para minimizar a gravidade da pandemia de Covid-19. A equipe de checadores da Aos Fatos conferiu o pronunciamento.

FALSO

“… caso fosse contaminado pelo vírus, [eu] não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito acometido de uma gripezinha ou resfriadinho…”

Neste trecho do pronunciamento, o presidente Jair Bolsonaro volta a minimizar os riscos do novo coronavírus e a comparar a enfermidade com uma simples gripe, o que é FALSO, de acordo com estudos existentes. Ainda não é possível atestar a taxa de mortalidade do novo coronavírus, mas cientistas apontam que há uma maior letalidade em comparação à gripe comum.

A Universidade de Bern, por exemplo, estimou que o Covid-19 apresenta letalidade de 1,6%. Já a taxa de mortalidade da gripe comum é de 0,1%, conforme mostra o CDC, órgão de prevenção de doenças dos EUA. A gripe H1N1, que teve um surto em 2009, apresentou taxas entre 0,01% a 0,08%.

Além disso, já se sabe que o novo coronavírus é mais letal para pessoas com doenças crônicas e idosos, que têm sistema imunológico mais fraco. Um exemplo lastreado por dados é a taxa aproximada de fatalidade do coronavírus em Hubei, na China: nos infectados com idades entre 60 e 69 anos, a taxa de mortalidade chegou a 4,6%. Bolsonaro completou 65 anos no último dia 21 de março.

FALSO

“O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então por que fechar escolas?”

Ainda que seja correto que os idosos é que fazem parte de grupo de risco da Covid-19 cientistas e autoridades de saúde consideram que crianças são potenciais disseminadores da doença, uma vez que tendem a apresentar sintomas pouco graves. Logo, a premissa do argumento de Bolsonaro é FALSA, porque o fechamento de escolas pode ajudar a conter a disseminação da doença, inclusive entre os mais velhos.

Em entrevista ao New York Times, o pediatra e especialista em doenças infecciosas Bessey Geevarghese, afirma que “mesmo se as crianças estão com sintomas leves, elas servem como reservatórios da infecção e podem passar a doença para adultos, especialmente os idosos”. Isso significa que, ao comparecer à escola, uma criança infectada pode transmitir a doença a colegas, professores e servidores, que, por sua vez, podem infectar outras pessoas, algumas possivelmente integrantes de grupos de risco.

A medida de cancelamento das aulas presenciais também atende à recomendação de autoridades de saúde de evitar aglomerações e de manter uma distância segura de ao menos um metro de entre as pessoas. A estratégia foi adotada até agora em mais de 150 países que tiveram casos da doença confirmados, de acordo com levantamento feito pela Unesco.

Em entrevista à Vox, o professor de medicina da Universidade de Virginia Steven Zeichner afirma que a medida é necessária para interromper o surto. “Eu acho que estamos no início de um problema [que pode potencialmente] crescer de forma exponencial, e se você quer estar à frente desse problema exponencial, é preciso intervir logo no início”.

CONTRADITÓRIO

“Desde quando resgatamos nossos irmãos em Wuhan, na China, numa operação coordenada pelos Ministérios da Defesa e Relações Exteriores, surgiu para nós o sinal amarelo.”

A declaração de Bolsonaro é CONTRADITÓRIA, porque, dias antes de anunciar no dia 2 de fevereiro o resgate dos brasileiros em quarentena na região de Wuhan, na China, o presidente havia descartado a possibilidade de realizar a operação. Em entrevista coletiva na porta do Palácio do Planalto no dia 31 de janeiro, Bolsonaro afirmou que custava caro um voo até o país asiático. "Na linha, se for fretar um voo, acima de US$ 500 mil o custo. Pode ser pequeno para o tamanho do orçamento brasileiro, mas precisa de aprovação do Congresso".

Além do custo da operação, o presidente ressaltou, à época, que não colocaria a vida dos brasileiros em risco, porque, mesmo que organizasse uma quarentena, qualquer ação judicial poderia liberar os quarentenados. “Se lá [na China] temos algumas dezenas de vidas, aqui temos 210 milhões de brasileiros. Então, é uma coisa que tem que ser pensada, conversada antecipadamente com o chefe do Poder Judiciário, conversado com o Parlamento também”.

Bolsonaro acabou por mudar de posicionamento alguns dias depois, após os brasileiros em Wuhan gravarem um vídeo lendo uma carta endereçada à Presidência da República e ao Ministério das Relações Exteriores, solicitando ajuda para serem trazidos de volta ao país.

INSUSTENTÁVEL

“90% de nós não teremos qualquer manifestação, caso se contamine.”

Ainda não há dados conclusivos sobre qual a proporção de casos assintomáticos entre os infectados pelo novo coronavírus, por isso a declaração foi classificada como INSUSTENTÁVEL. Contudo, estudos e dados preliminares têm mostrado que, apesar de significativa, a parcela dos casos sem sintomas é menor do que a indicada por Bolsonaro.

Uma reportagem do jornal South China Morning Post publicada no domingo (22) afirmou que, de acordo com informações confidenciais das autoridades chinesas, até 30% dos infectados pelo vírus no país pode não ter apresentado sintomas. Epidemiologistas do Japão chegaram a uma porcentagem parecida de casos sem sintomas (30,8%) ao analisar dados de cidadãos japoneses evacuados da China no começo da pandemia.

Já um artigo de pesquisadores chineses (ainda não revisado por outros acadêmicos) estima que 59% dos casos de Wuhan, cidade onde a pandemia começou, podem não ter sido detectados. Esse número "potencialmente inclui casos assintomáticos ou com sintomas leves", escrevem.

Um número próximo ao que Bolsonaro cita apareceu em um trabalho de pesquisadores dos EUA, Reino Unido e China: analisando casos de 10 a 23 de janeiro na China, eles estimaram que 86% dos infectados não tenham sido detectados. Isso, porém, não significa necessariamente que todos eram assintomáticos – pode indicar, por exemplo, a escassez de testes para a doença na época, como escrevem os próprios cientistas.

INSUSTENTÁVEL

“[A Itália tem] um clima totalmente diferente do nosso [mais favorável à contaminação].”

Bolsonaro sugere aqui que, por ser predominantemente tropical, o Brasil sofreria menos com a pandemia do novo coronavírus do que a Itália, que tem clima mediterrâneo. Embora estudos preliminares de fato indiquem que o vírus pode demorar mais para se espalhar em ambientes mais quentes, ainda não há um consenso entre pesquisadores sobre essa questão. Na verdade, a curva de contaminação no Brasil, por enquanto, é superior à italiana, mesmo estando entre o verão e o outono. Por isso, a declaração do presidente foi considerada INSUSTENTÁVEL.

Um estudo desenvolvido pela universidade chinesa Sun Yat-sen indicou que o Sars-Cov-2 é um vírus “altamente sensível à temperatura” e que tem menor probabilidade de disseminação em climas mais quentes. Isso, no entanto, não o impediria de se espalhar, apenas desaceleraria o processo. Em outro artigo, pesquisadores do MIT (Massachusetts Institute of Technology) também indicaram que comunidades localizadas em regiões com médias de temperatura mais altas tinham vantagem significativa no tempo de contaminação da população em comparação com outras que vivem em locais mais frios.

Mas isso ainda não é um consenso entre especialistas. De acordo com Mike Ryan, diretor-executivo do programa de emergências em saúde da OMS, pode ser uma falsa esperança considerar que a Covid-19 desaparecerá com a mudança de temperatura, como ocorre todos os anos com a gripe sazonal. “Nós temos que assumir que o vírus continuará com a capacidade de se espalhar”.

Também é importante ressaltar que os estudos se baseiam em uma quantidade limitada de dados e mostram, portanto, apenas resultados preliminares. Os artigos também não foram submetidos ao escrutínio de outros pesquisadores para a verificação das metodologias e das estratégias de análise de dados adotadas.

IMPRECISO

“Uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico daquela conhecida televisão.”

Neste trecho, o presidente faz uma referência a Drauzio Varella que, em vídeo publicado em seu canal no YouTube em 30 de janeiro — antes que fosse decretada a pandemia, portanto — afirmou que o novo coronavírus causaria à maioria da população “um resfriadinho de nada”. O que Bolsonaro omite é que o médico já se corrigiu ao menos três vezes, alertando para o isolamento social e para a adoção de medidas de higiene. Logo, por tirar uma informação de contexto, de acordo com a metodologia do Aos Fatos, a fala do presidente é IMPRECISA.

O vídeo de janeiro, inclusive, já foi apagado do portal em que Drauzio Varella reúne informações de saúde e um novo foi publicado com atualizações sobre a pandemia.

No último sábado (21), o senador Flávio Bolsonaro (sem partido) e o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles compartilharam o vídeo antigo no Twitter sem informar a data. Posteriormente, as publicações foram removidas pela rede social por violarem regras de uso da plataforma e “colocar as pessoas em maior risco de transmitir Covid-19”, segundo informou o Twitter.

A falsa alegação disseminada pelo senador e pelo ministro também foi republicada por sites conhecidos pela difusão de desinformação com títulos enganosos, como "Drauzio Varella concordou com Bolsonaro: 'resfriadinho de nada'”. Tais publicações foram checadas como FALSAS por Aos Fatos.

VERDADEIRO

“Raros são os casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos de idade.”

Segundo estudo preliminar publicado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) com base nos dados chineses, as mortes causadas pelo novo coronavírus ocorrem principalmente na faixa etária acima de 60 anos e entre pessoas com algum comprometimento prévio de saúde, como diabetes, câncer ou hipertensão.

Levantamento recente feito pelo Vox com dados sobre a morte por novo coronavírus de diversos países mostra que o índice vai aumentando à medida que cresce a faixa etária, mas não passa de 0,5% dos casos nas faixas menores que 45 anos. Em alguns dos casos de morte antes desta idade no entanto, há indícios de que as pessoas já apresentavam complicações de saúde.

Isso não significa, no entanto, que os mais jovens não apresentem sintomas que demandem cuidados médicos. Segundo artigo do CDC (Center for Disease Control) com base em dados dos EUA, 20% dos pacientes com Covid-19 internados estavam na faixa dos 20 aos 44 anos. Segundo o epidemiologista da Universidade de Columbia Stephen Morse, ouvido pelo jornal The New York Times, “não serão apenas os idosos. Haverá pessoas com 20 anos ou mais. Eles precisam ter cuidado, mesmo que pensem que são jovens e saudáveis”.

VERDADEIRO

“[A Itália é] um país com grande número de idosos.”

Bolsonaro acerta ao afirmar que a população italiana tem uma porcentagem maior de pessoas idosas do que o Brasil: de acordo com estimativas do Banco Mundial, há atualmente no país europeu 60,4 milhões de habitantes, sendo que 23,2% deles estão acima dos 65 anos. No Brasil, a taxa é bem menor: apenas 9,6% dos 212,5 milhões habitantes são idosos. Autoridades de saúde internacionais, como a OMS, enquadram esse perfil etário entre os grupos de risco de contraírem infecções graves pela Covid-19. Isso não significa, entretanto, que a doença seja letal apenas para idosos.


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