18/04/2024 - Edição 540

Poder

Sociedade brasileira desperta e diz basta a Bolsonaro

Publicado em 20/03/2020 12:00 -

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Não foi a oposição política e os militares que entenderam que, como já havia profetizado o decano do Supremo Tribunal do Brasil, Celso de Mello, o presidente Jair Bolsonaro “se tornou indigno de seu cargo”. Foi a sociedade que, sem sair às ruas, das janelas de importantes cidades do país, com o rito dos panelaços noturno, pediu a saída do mandatário brasileiro.

E é emblemático que está sendo, como revelam as pesquisas, a grave epidemia do novo coronavírus, que está assustando o mundo e que Bolsonaro minimiza e até ridiculariza, o que pode fazê-lo perder o cargo.

Instigar nesse momento seus apoiadores para sair às ruas e defender seu Governo e ele próprio participar, saindo ao encontro dos manifestantes e desprezando todas as orientações dadas por seu ministro da Saúde, foi a gota que transbordou o copo da irritação popular. Enquanto são impostas restrições graves à população, o presidente desobedecia a todas as normas impostas por seu Governo.

Pode parecer uma ironia, mas a chuva de pedidos para a saída do presidente, incluindo três pedidos formais de impeachment do presidente ao STF, assim como os protestos populares, estão se multiplicando na velocidade do coronavírus do qual ele faz pouco caso.

Se até o escritor ultradireitista Olavo de Carvalho, o guru de Bolsonaro e família, começa a duvidar de seu pupilo, como afirmou pelo Twitter, é porque a queda de seu mito se acelera a cada dia.

Já antes da tragédia da epidemia que está confinando a sociedade em suas casas e que ameaça esse país com tantos bolsões de pobreza de ser mais mortal do que em outros países, o presidente dava sinais claros de não estar à altura de sua responsabilidade para dirigir a nação.

Agora sua postura arrogante diante dessa guerra que ele continua negando quando três ministros de seu Governo, o presidente do Senado e muitos outros políticos de seu entorno foram contaminados, torna insuportável sua continuação à frente de um país grande e rico como o Brasil que se sente, nesse momento de crise, órfão de liderança política.

Se alguns analistas já não negam que a queda de Bolsonaro está encaminhada e que esse despertar da sociedade que pede sua saída não tem volta, é prudente lembrar que faltam alguns ingredientes para selar seu destino. O primeiro, de ordem prática: para colocar um impeachment em andamento, é preciso que Rodrigo Maia, o poderoso e cordato presidente da Câmara dos Deputados, o autorize. Em segundo lugar, a popularidade de Bolsonaro está em queda livre, mas não há sinais de que perdeu sua base mais fiel, entre 20% e 30% da população – situação diferente de Dilma Rousseff em sua época.

Há outro fator, os militares. A situação anômala do Brasil é que o Governo de Bolsonaro, pela primeira vez após a ditadura militar, é formado em sua maioria por militares da reserva e até da ativa. Com mais de cem militares no Governo e nos cargos importantes da Administração pública, nesse delicado momento de crise política, recai sobre eles uma grande responsabilidade.

Os militares são hoje no Brasil uma das instituições do Estado com maior apoio popular. De que lado estarão os militares, muitos deles com biografias de prestígio, para que não manchem sua provada trajetória democrática e a fidelidade à Constituição da ditadura aos dias de hoje, é uma pergunta crucial. As consequências de uma Presidência que não honra com seus gestos e suas atitudes de hostilidade constante à imprensa e às outras instituições do Estado acabariam caindo sobre a classe militar que hoje mantém a confiança da nação. É um momento em que cada dia que passa se torna mais delicado aos militares, por se verem arrastados nessa corrida louca ao abismo político.

O Brasil está às vésperas de uma mudança histórica. Já não se trata da disputa entre direita e esquerda. Milhões de votos dados nas urnas a Bolsonaro pelos que não queriam que a esquerda voltasse ao poder hoje se dizem arrependidos por votar nele. Isso não significa que desejam o retorno aos Governos do PT, mas sim que a Presidência de Bolsonaro se tornou inviável não só para parte da sociedade, como até para famosos gurus intelectuais e empresariais da direita liberal e democrática.

Abaixo-assinado pede afastamento do presidente por crimes de responsabilidade

“As avaliações que afirmam que o governo acabou me parecem acertadas”, aponta criador de abaixo-assinado que pressiona a Câmara dos Deputados a dar início ao processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. A petição foi lançada pelo professor universitário Daniel Tourinho Peres depois que o presidente convocou a população a participar de atos que tinham entre suas principais pautas protestos contra o Congresso Nacional e o Judiciário. 

O abaixo-assinado, aberto há três semanas pelo docente na plataforma Change.org, reforça outras mobilizações que surgem pelo afastamento do presidente. Três pedidos de impeachment já foram protocolados por parlamentares na Câmara dos Deputados. O primeiro, feito pelo deputado distrital Leandro Grass (Rede-DF), chegou à Casa na terça-feira (17) e acusa o presidente de ter cometido crime de responsabilidade, entre outras ocasiões, ao convocar manifestantes para os atos do dia 15. 

Já o segundo pedido foi realizado na quarta-feira (18) pelos deputados federais do PSOL David Miranda (RJ), Sâmia Bomfim (SP) e Fernanda Melchionna (RS), que alegam quebra de decoro também pela atuação “irresponsável” e “criminosa” dele durante a crise do coronavírus, conforme pontuou a deputada do Rio Grande do Sul em sua conta oficial no Facebook. Além dos três parlamentares, deputados estaduais, artistas e intelectuais, como Gregorio Duvivier, Zélia Duncan e Vladimir Pinheiro Safatle, também assinaram o documento. 

Na quinta (19), O deputado federal, ex-aliado do presidente, Alexandre Frota (PSDB-SP), protocolou o terceiro pedido de impeachment contra o chefe do Executivo. Frota argumenta que Jair Bolsonaro cometeu seis crimes de responsabilidade, sendo eles; convocação para uma manifestação, que foi negada por Bolsonaro; crime contra a segurança nacional por incitação e chamamento a manifestação contra a Constituição; crime contra a administração pública, por ter excluído o jornal Folha de S. Paulo da cobertura de um evento público; quebra do decoro do cargo; crime contra a administração pública ao atacar as jornalistas Patrícia Campos Mello e Vera Magalhães e crime contra a saúde pública agravado pela pandemia do coronavírus.

Aliados alertam

Em meio a uma situação de crise global, na qual autoridades de todo o mundo mobilizam-se para garantir o isolamento social de populações inteiras, o comportamento de Bolsonaro foi interpretado como além do limite até por ex-aliados. A deputada estadual por São Paulo Janaina Paschoal (PSL) acusou-o de homicídio doloso e crime contra a saúde pública. O jurista Miguel Reale Junior disse que Bolsonaro deveria ser examinado por uma junta médica para atestar sua loucura.

No caso específico desses dois, as afirmações talvez estejam mais para um sinal de constrangimento por terem patrocinado o impeachment de uma presidente da República sob o pretexto de ridículas “pedaladas fiscais”.

Aprisionado em seu entorno político e familiar, o presidente Jair Bolsonaro está perdendo apoio no Congresso e na sociedade. Está a cada dia mais isolado. E assim, se não tomar cuidado, poderá sofrer um impeachment. A advertência é feita por um aliado fiel ao presidente, o líder do PSL no Senado, Major Olimpio (SP).

Em entrevista ao Congresso em Foco, Olimpio diz que segmentos decisivos para a eleição de Bolsonaro em 2018, como o agronegócio, os profissionais de segurança pública e os evangélicos, representados pelas bancadas mais influentes no Congresso, estão se distanciando do presidente por insatisfação com o seu governo. Os investidores, observa ele, também não se sentem seguros em apostar no país, devido à instabilidade política criada quase sempre pelo próprio presidente e seus filhos.

“O policiais nos estados, as guardas municipais, o sistema prisional, todos esperavam mais, queriam atitudes e investimentos concretos. O distanciamento da bancada da agropecuária é bom sinal de alerta para o presidente. Outro grupo muito forte de apoiamento ao presidente, os evangélicos, já está bastante dividido. É para ligar o alerta”, defende Major Olimpio. “Quem está se isolando é o presidente”, completou.

Para o líder do PSL, Bolsonaro deveria escutar os panelaços dos últimos dias em protesto contra ele como outro alerta. O senador ressalta que o presidente não precisa incorrer em crime de responsabilidade para sofrer um processo de impeachment. Ele diz que a cassação do mandato de Dilma Rousseff, apoiada por ele e Bolsonaro em 2016, foi pelo “conjunto da obra” e não exatamente pelas pedaladas fiscais, como se sustentou à época. “Acaba não sendo descartada solução dessa natureza [impeachment] se avançar com o volume de crises.  Dentro da lei do impeachment ainda não tem requisito para provocar o impedimento do presidente. Mas isso é uma questão de interpretação”, afirma.

Apenas nos últimos três dias foram apresentados três pedidos de impeachment contra o presidente na Câmara. “Temos de ter todo cuidado do mundo para não deixar casca de banana no caminho do presidente e torcer para ele mesmo não jogar casca lá na frente onde vai andar”, destaca. O clima hoje, no entanto, é pelo não andamento dos requerimentos.

Análise

Jair Bolsonaro costuma dizer que foi salvo da facada "por milagre". Grudou no seu governo um selo: "Missão de Deus." Refere-se ao "povo" como se fosse intérprete de sua vontade. O presidente parece dar de barato que todos são obrigados a aceitar as presunções que ele cultiva a seu próprio respeito.

Em matéria de coronavírus, isso inclui concordar que a missão divina de Bolsonaro lhe confere a prerrogativa de subverter a realidade, reduzindo uma pandemia que assombra o mundo à condição de marolinha sanitária. Coisa "superdimensionada" pela "grande mídia", para produzir "pânico" e "histeria."

Por dois dias consecutivos, as panelas foram às janelas para recordar a Bolsonaro que supostos mitos também estão sujeitos à condição humana. Na terça-feira (17), o panelaço soara uma vez. Na quarta (18), ecoou três vezes em diferentes capitais, Ouviram-se também tímidas panelas governistas.

Bolsonaro escora seu governo num slogan —"Brasil cima de tudo, Deus acima de todos"— e num versículo multiuso que extraiu do Evangelho de João —"Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará."

Deus, como se sabe, está em toda parte. Mas Ele parece ter terceirizado ao Tinhoso a modelagem do comportamento de Bolsonaro diante da crise do coronavírus. Infectado pelo "soberbavírus", o capitão ainda não enxergou a única verdade capaz de libertá-lo.

Eis a verdade redentora: 147 milhões de eleitores estavam aptos a votar na sucessão de 2018. Bolsonaro amealhou 57,7 milhões de votos. Ou seja, chegou ao Planalto escorado na vontade de 39% do eleitorado. Isso não lhe confere um salvo-conduto para dizer e fazer o que lhe vier à telha.

Para complicar, parte do eleitorado que optou por Bolsonaro escolheu um vencedor, não um presidente. Por quê? Muita gente votou no capitão para impedir que o triunfo de Fernando Haddad devolvesse o poder ao PT. Prevaleceu a exclusão, não a preferência.

Numa conjuntura assim, marcada pela polarização extrema, caberia ao vitorioso a generosidade da pacificação. Bolsonaro preferiu acentuar as diferenças. Se produzisse um crescimento econômico exuberante, ampliaria sua base eleitoral. Com o pibinho de 1,1% no primeiro ano e o fantasma da recessão a rondar 2020, vive uma fase de encolhimento.

As panelas representam uma amostra do pedaço antipetista da classe média que foge do voluntarismo cristão de Bolsonaro à espera de uma alternativa melhor ao messianismo corrupto representado por Lula e o seu PT. Nesse ambiente, Lula tornou-se o rival de estimação de Bolsonaro. E vice-versa.


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