26/04/2024 - Edição 540

Saúde

Número de casos de coronavírus no Brasil deve explodir com início do outono

Publicado em 20/03/2020 12:00 -

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O número de casos de coronavírus no Brasil deve explodir nas próximas duas semanas dias. É com esse horizonte de tempo que trabalham infectologistas, hospitais e o próprio Ministério da Saúde para adequar redes pública e privada à demanda de internações por covid-19.

O início do outono, nesta sexta (20), deve intensificar a “progressão geométrica” de casos, conforme assinalam especialistas. Nessa estação do ano, aumentam as doenças respiratórias por conta da redução na temperatura e na umidade relativa do ar.

“A gente espera um aumento de casos no Brasil, nas próximas duas a três semanas, mas a velocidade com que isso vai acontecer, nós não sabemos. Ainda estamos em fase de aprendizagem”, explicou a médica infectologista Nancy Bellei, professora da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), em entrevista concedida na semana de 9 de março.

De acordo com ela, alguns modelos matemáticos, inclusive utilizados pelo governo, dão estimativas da onda de contaminação que está por vir. Na última quinta-feira (12), o governo de São Paulo estimou que ao menos 460 mil pessoas vão contrair coronavírus no estado.

O cenário mais pessimista projetado pelo infectologista David Uip, responsável pelo Centro de Contingência para o Coronavírus de SP, indica que 10% dos paulistas serão infectados — ou seja, quase 4,6 milhões de pessoas somente no estado.

Em análise publicada pela Folha de S.Paulo, o Instituto Pensi, centro de pesquisa clínica em pediatria do Hospital Infantil Sabará, aponta que, a partir do momento em que o Brasil confirma 50 casos da doença covid-19, o País pode chegar a mais de 4.000 casos em 15 dias e a cerca de 30 mil em 21 dias. O 50º caso foi registrado na quarta-feira (11) — ou seja, até do dia 26, saltaria para a casa dos milhares, de acordo com esse modelo.

O coordenador de vigilância em saúde e laboratórios de referência da Fiocruz, Rivaldo Venâncio, estima que a intensificação da doença no País ocorra mesmo a partir de abril.

“Todos os anos, é esse o mês em que as infecções respiratórias começam a se tornar mais comuns. É claro que estamos lidando com um vírus novo, que provoca enfermidades similares a de outros vírus, mas que ainda está rodeado de incertezas sobre o seu comportamento”, analisa.

O Ministério da Saúde já afirmou que vai antecipar a campanha de vacinação da gripe para o fim de março. A ideia é imunizar a população para os outros vírus; assim, o sistema de saúde não será sobrecarregado e poderá atender os pacientes com complicações do covid-19.

“Temos 40 milhões de brasileiros para os quais as espirais [de contaminação] podem ser maiores. A gente quer aumentar de 1,5 mil para 6,7 mil os postos de saúde com horário estendido. Este é um dos motivos pelos quais estou pedindo recurso, pois para fazer isso tenho impacto de quase R$ 1 bilhão”, afirmou o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Apesar da alta capacidade de disseminação do novo coronavírus, em cerca de 80% dos casos de contaminação, os sintomas aparecem de forma leve. Menos de 5% dos casos evoluem para um quadro grave. A principal preocupação é com idosos e pessoas com doenças crônicas. Em infectados com menos de 50 anos, a taxa de mortalidade é de menos de 1%.

O Brasil está preparado para lidar com a pandemia?

Para o infectologista Jamal Suleiman, do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, a principal ação deste momento deve ser atender e proteger os grupos mais vulneráveis.

Quem é mais jovem e pegou coronavírus deve fazer o isolamento domiciliar e não pode ser exposto a idosos e pessoas com doenças crônicas.

“Procurem assistência médica na rede básica de saúde [postos e centros de saúde]. Não vá direto ao hospital, para não deixar mais vulneráveis as pessoas que já estão doentes; a rede deverá indicar se é necessário ou não fazer o teste”, aconselha Suleiman.

Nancy Bellei acrescenta que cuidados com prevenção e higiene pessoal são fundamentais para conter a doença. Os idosos e doentes crônicos também devem evitar aglomeração.

“As medidas que diminuem a interação social do indivíduo infectado com o indivíduo não infectado são úteis. Se a população colaborar muito com isso, nós vamos conseguir achatar a epidemia. Ela vai existir, mas vamos conseguir achatá-la”, avalia.

Os três especialistas ouvidos pelo HuffPost Brasil concordam: nenhum país estava preparado para lidar com o novo coronavírus.

Porém, para Rivaldo Venâncio, da Fiocruz, há um fator que pode estar a favor do Brasil — sobretudo as lições com os casos dos outros países e os exemplos do que fazer ou não para conter a disseminação.

“O Brasil pode atravessar esse período de uma forma equilibrada ou não, vai depender da magnitude e da velocidade de transmissão do vírus. Uma coisa é o País registrar 1 milhão de pessoas contaminadas em 1 mês. Outra coisa é 1 milhão de pessoas em 4 ou 5 meses. É bem diferente. O tempo em que vai ocorrer essa sobrecarga do sistema de saúde, que de certa forma já é sobrecarregado, essa intensidade é que vai fazer toda a diferença”, conclui.

O Brasil precisa parar

O Brasil precisa parar. Você precisa deixar de ir às ruas, seus filhos precisam sair da escola, nós todos precisamos ficar em casa. Eu gostaria de ter notícias melhores, mas não: se continuarmos levando nossa vida normalmente, o Brasil terá milhares de mortos pelo novo coronavírus em um ritmo que você não conseguirá acompanhar o noticiário. Será um massacre. Mas existe esperança, e é sobre ela que eu quero falar.

As experiências de quarentena em países que foram contaminados pelo covid-19 antes do Brasil nos mostram que só o isolamento da população pode evitar o colapso do nosso sistema de saúde. Quantos leitos de hospital existem em sua cidade? Quantas UTIs? Tenha certeza disso: elas não serão suficientes. Nós todos temos a responsabilidade de evitar um caos de consequências imprevisíveis.

O gráfico abaixo mostra como o isolamento da população em casa – fechamento de escolas e do comércio, bloqueio de entrada e saída de turistas, mantendo abertos apenas os serviços essenciais – salvou centenas de vidas na cidade italiana de Lodi. Foi em Lodi que apareceu o 1º caso de covid-19 no país. A cidade impôs quarentena aos cidadãos no dia 23 de fevereiro. Olhe a linha verde e compare com a linha rosa.

A linha rosa é Bergamo, que esperou até 8 de março – duas semanas depois – para começar a quarentena. As duas cidades ficam cerca de uma hora de distância uma da outra. Lodi controlou os casos; Bergamo entrou em colapso. É a cidade com mais casos em todo o país, e o impacto na vida das pessoas jamais será esquecido.

Outras experiências de confinamento trazem mais robustez científica às medidas que o Brasil deveria tomar agora. Também Hong Kong e Cingapura salvaram milhares de vidas com quarentena.

O Brasil teve a primeira morte por covid-19 anunciada no dia 17. A primeira morte na Itália – que só instituiu a quarentena da população depois de muitas mortes – aconteceu no dia 21 de fevereiro. Hoje, menos de um mês depois, já são mais de duas mil vidas perdidas e um país em choque. E essa dramática contagem não vai parar tão cedo.

O medo, agora, é que o vírus, que começou a infectar pessoas no rico norte, se alastre pelo sul e mate ainda mais gente pela situação terrível da saúde pública na região. Em conversas com amigos e jornalistas italianos, muitos imaginam um massacre.

Quanto tempo até vermos cenas de pessoas empilhadas em hospitais no Brasil que ainda insiste em não enxergar a gravidade da situação? Nas previsões mais otimistas, na semana que vem teremos milhares de casos confirmados. Diante da incompetência e dos discursos anti-científicos do governo, poderemos assistir atônitos a um morticínio.

Se o ritmo de contaminação seguisse o mesmo padrão de contágio dos primeiros dias, projeções mostram que em poucos meses o mundo teria um bilhão de infectados fora da China, onde a epidemia começou. Sim, um bilhão. O que está contendo esse desastre terrível? Um rígido sistema de quarentena e de controle de circulação de pessoas.

Este texto é um apelo: fiquem em casa.

Não esperem que o governo diga a vocês o que fazer. O benefício da #autoquarentena e que você pode escolher agora em vez de esperar que o estado use armas para lhe obrigar. E consequentemente vai ter mais liberdade para voltar às ruas quando tudo isso passar.

É socialmente irresponsável dizer “isso não vai me afetar”, “eu não vou mudar a minha vida por causa disso” ou “não faço parte de grupos de alto risco”. Deixe essas frases para quem cultua a morte. O coronavírus é imprevisível, mas pode ser vencido de casa. A frase “fazer a revolução do sofá” nunca fez tanto sentido. Então faça.

Casos

As mortes em razão do novo coronavírus subiram para seis, conforme última atualização divulgada na quinta-feira (19) pelo Ministério da Saúde — pelos cálculos dos estados, sete pessoas já teriam morrido, cinco em São Paulo e duas no Rio de Janeiro. Já os casos confirmados saíram de 428 para 621 entre ontem e hoje.

São Paulo segue como foco da disseminação do vírus, com 286 casos. Em seguida vêm Rio de Janeiro (65), Brasília (42), Bahia (30), Minas Gerais (29) e Rio Grande do Sul e Pernambuco (28). Além desses estados, foram registrados casos no Paraná (23), Santa Catarina e Ceará (20), Goiás (12), Espírito Santo (11), Mato Grosso do Sul (sete), Sergipe (seis), Alagoas (quatro), Acre e Amazonas (três) e Pará, Tocantins, Rio Grande do Norte e Paraíba (um).

O Ministério da Saúde deixará de trabalhar com casos suspeitos, passando a divulgar apenas as situações confirmadas e as mortes decorrentes da doença resultante da infecção pelo vírus.

A transmissão comunitária (quando as autoridades não identificam mais a cadeia de infecção ou esta já possui cinco gerações) foi identificada no estado de São Paulo, no estado do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Santa Catarina, Pernambuco e Porto Alegre. Essa é a modalidade mais preocupante, pois ela implica em uma disseminação maior e menos controlada do vírus.

Segundo o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, os números mostram que o crescimento não está ocorrendo de forma localizada, mas no conjunto do país. “Estamos vendo uma tendência mais nacional. Se levantar em bloco vai ser muito mais difícil de monitorar”, declarou. Com isso, continuou o ministro, o papel dos cidadãos ganha importância nas medidas de prevenção, como higienização, e de contenção, como o isolamento. Isso porque a preocupação é com a sobrecarga do sistema de saúde.

“Quando está gripado, precisa fazer isolamento domiciliar. Está com sintoma, isolamento domiciliar. Não é para descer para o play, fazer uma festinha”, aconselhou.

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite de quarta-feira (18), por votação simbólica, o pedido do governo federal para declaração de estado de calamidade pública no país. O projeto será encaminhado para votação no Senado e precisa de pelo menos 41 votos para ser aprovado.

A declaração de estado de calamidade pública é uma medida inédita em nível federal. Na mensagem, o governo pede a que seja dispensado de atingir a meta fiscal, entre outras medidas, para combater a pandemia do coronavírus.


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