19/04/2024 - Edição 540

Poder

Maioria de bolsonaristas moderados está arrependida do voto

Publicado em 13/03/2020 12:00 -

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A maioria dos eleitores moderados do presidente Jair Bolsonaro das classes C e D está arrependida de seu voto. É o que constata hoje a socióloga Esther Solano em pesquisas qualitativas que realiza com esse perfil de eleitor desde 2016 para a Fundação Tide Setubal, com a cientista política Camila Rocha. A amostra é composta daqueles que não são radicalmente apoiadores do presidente, “que é a grande maioria de seu eleitorado”, diz, e das classes C e D, que é a grande maioria da população.

Um dos três motivos mais marcantes dessa mudança de comportamento é a postura agressiva de Bolsonaro. Se na época de pré-campanha essa característica verborrágica era vista como adequada, em razão das contingências da disputa, sendo inclusive tratada como qualidade de um candidato honesto, sincero e honrado, hoje é vista como um problema. “Já durante o governo, as pessoas reclamam de que ele continua sendo muito violento e agressivo. Para esse público, o presidente deveria ser mais cauteloso e moderado”, afirma Solano.

O segundo seria uma inabilidade para governar expressa, especialmente, em redes sociais. “Eles reclamam muito de que ele estaria todos os dias nas redes sociais, provocando problemas, que ele deveria focar, trabalhar, ser muito mais sensato. Surge muito essa ideia de que o Brasil já passou por muita instabilidade e que ele agora, em vez de dar uma estabilidade maior para o País, está gerando mais instabilidade ainda”, acrescenta.

Por último está a discordância desses bolsonaristas moderados das classes C e D com as reformas trabalhista e previdenciária. “Já pegamos vários depoimentos de pessoas que votaram no Bolsonaro falando: ‘Eu votei nele, mas agora vejo que ele é antipovo, que as reformas são antitrabalhador’”, destaca. A pesquisadora cita como relevante o temor da amostra com o desemprego, a precarização do trabalho, terceirizações e até com a agenda privatista da equipe econômica do governo, principalmente com a sobrevivência do SUS.

Por outro lado, Bolsonaro é bem avaliado por seu discurso de combate à corrupção e de luta por valores morais, culturais e religiosos. “Uma coisa que se valoriza bastante é essa ideia punitivista, de que para acabar com os problemas da violência tem que ter mais polícia na rua, mais mão dura. Esse populismo penal, digamos assim, aparece bastante nas conversas”, diz.

Solano pondera que essa curva de arrependimento está diretamente associada à classe social pesquisada. “Se você vir as pesquisas, a parcela de arrependidos entre pobres é sempre maior que da classe média e classe média alta. O que eu posso te falar é que nós não procuramos por arrependidos. Procuramos por votantes moderados do Bolsonaro, mas quase todo mundo que a gente conseguiu entrevistar é de arrependidos”, reforça.

Pesquisa mostra que brasileiros rejeitam medidas extremas

Pesquisa inédita da Quaest Consultoria indica que os brasileiros são contra a adoção de medidas extremas como solução para os impasses políticos atuais: 50% dos entrevistados são contra fechar o Congresso Nacional, 33% se disseram a favor da medida radical e 17% não quiseram ou não souberam responder. De acordo com o levantamento, a maioria dos pesquisados, 49%, não apoia um eventual impeachment de Jair Bolsonaro, ante 39% favoráveis à abreviação do mandato do atual presidente; 12% não souberam ou não quiseram responder.

Os brasileiros entrevistados se disseram muito preocupados com o destino do Brasil: 61%. Apenas 20% afirmaram estar otimistas. Isso porque a pesquisa foi feita um pouco antes da turbulência nas bolsas de valores do mundo inteiro, incluindo a de São Paulo.

A percepção quanto ao governo Bolsonaro mudou pouco: 30% o avaliam como positivo, 35% como negativo e 34% consideram a gestão regular (1% não quis ou não soube responder).

“A pesquisa mostra um presidente de gueto, que se descolou da maioria, que fala pra seu fã-clube, mas que não consegue mais empolgar o eleitor mediano”, diz o cientista político Felipe Nunes, da Quaest.

A Quaest fez mil entrevistas entre os dias 2 e 5 deste mês. O método de coleta foi o painel digital de eleitores (questionário com autopreenchimento). A margem de erro máxima estimada é de 3,1 pontos porcentuais considerando os resultados obtidos no total da amostra. Intervalo de confiança: 95%.

 

Maioria apoia políticas conservadoras de Bolsonaro

Apesar dos pesares, uma recente pesquisa encomendada pela revista VEJA ao instituto FSB, mostra que o presidente está em sintonia com boa parte dos eleitores nas chamadas “pautas conservadoras”. Detalhe importante: isso não se restringe apenas a quem votou no capitão nas eleições de 2018. O levantamento foi feito no mês passado, por telefone, com 2 000 eleitores de mais de 16 anos, nas 27 unidades da federação. Os resultados apontam alta rejeição de questões comportamentais como a união civil entre gays e a possibilidade de a mulher decidir sobre um aborto.

Por outro lado, encontram aceitação na sociedade políticas pensadas pelo governo Bolsonaro que parecem datadas do século passado, como a militarização das escolas, o poder de veto do governo a determinados temas em projetos culturais financiados com dinheiro público e a campanha de abstinência sexual entre adolescentes como forma de evitar a gravidez precoce.

Entre todos os temas abordados na pesquisa, o conservadorismo aflora mais na questão da descriminalização das drogas. Nada menos que 62% dos brasileiros rejeitam liberar o consumo, embora a maioria concorde com a autorização para o uso medicinal da maconha. “Nosso presente está cheio de passado”, afirma a historiadora Lilia Schwarcz, da Universidade de São Paulo. “É preciso considerar que nós sempre fomos conservadores, são dados estruturais. Não tem a ver apenas com pessoas que elegeram Bolsonaro, mas com o perfil da população. O conservadorismo é um traço do brasileiro.”

Nos anos 60, por exemplo, Jânio Quadros foi eleito com votação expressiva graças a um discurso moralizador em que usou uma vassoura como símbolo de que varreria a corrupção. Uma vez empossado, ficou mais conhecido pela série de medidas esdrúxulas que adotou, como a proibição de rinhas de galo, de corridas de cavalo e do uso de biquíni em praias.

A “cara” da onda conservadora atual tem algumas diferenças e peculiaridades. “O fenômeno aflorou no período mais recente, mas isso não significa que não estivesse no submundo da sociedade nem que não estivesse se organizando há muito tempo. Basta ter como referência que as marchas para Jesus reúnem milhares de pessoas todos os anos”, afirma Eduardo Grin, professor da FGV. Bolsonaro conseguiu vocalizar esse sentimento e foi eleito em um cenário de profundo descrédito das instituições democráticas e da elite política. Criou-se em torno do então candidato a imagem de que ele era um “mito”, uma alternativa a “tudo que está aí”. Fato é que, decorrido mais de um ano desde a sua posse, os índices de rejeição ao establishment não se alteraram.

Na visão de Heloisa Starling, professora da Universidade Federal de Minas Gerais, quanto mais esgarçados são os pontos que fazem a sociedade confiar no campo público, mais fortes se tornam os bolsões privados, como a família e a religião. “Não há referência no mundo público, então a referência é a família. Se eu perco a família, qual é a minha referência num país de coisas tão instáveis?” Não por acaso, “família” é uma das palavras mais citadas por Bolsonaro em seus discursos.

O aumento da população evangélica também se explica dentro desse cenário de desamparo. O último levantamento feito pelo Datafolha mostra que os evangélicos superarão os católicos em 2032. “Eles crescem porque prometem a resolução de problemas o tempo todo”, diz Maria das Dores Campos Machado, especialista em sociologia da religião. Outro componente novo no conservadorismo brasileiro é a questão da segurança. “Bolsonaro surfa nesse tema porque as esquerdas se negam a entrar na discussão com ideias claras”, diz Lilia Schwarcz.

Papel do Congresso

Se encontram eco na sociedade, as propostas de cunho conservador fazem espuma no Congresso. Esperava-se que, com a ascensão de Bolsonaro, a pauta do Legislativo fosse inundada de propostas voltadas para o campo moral, mas projetos como a implementação da Escola sem Partido travaram em comissões da Câmara por falta de apoio parlamentar. Formar uma base no Congresso, aliás, algo que é uma das tarefas básicas de um presidente, tem sido um dos muitos pontos negligentes criados pelo atual governo. Em vez disso, Bolsonaro prefere a política do confronto com deputados e senadores, como se viu na forma de seu apoio aos atos do dia 15 e nos ataques a outras instituições, como o STF e, mais recentemente, o TSE — o mesmo tribunal que avalizou sua vitória em 2018 foi posto por ele em dúvida nos últimos dias, com a declaração estapafúrdia e sem provas de que teria havido fraude nas eleições.

Grande parte da agenda do capitão é concentrada em ações diversionistas e populistas, sempre com o objetivo de manter os apoiadores unidos pela causa bolsonarista, em uma campanha eleitoral prematura e permanente para 2022, com enorme energia gasta em confusões de todos os tipos e prejuízos claros aos temas urgentes. Não bastassem as altas taxas de desemprego persistentes e o crescimento econômico pífio, há agora pela frente desafios como o de uma grande encrenca mundial de saúde pública batendo às portas do país. Bolsonaro personificou com sucesso o antipetismo e, como mostra a pesquisa VEJA/FSB, ganhou pontos também por defender ideias e valores que coincidem com os da média da população brasileira. Mas esse capital político dificilmente resistirá caso ele não deixe de lado as lutas desnecessárias e se concentre em governar o país, portando-se à altura do cargo que conquistou democraticamente. Como dizia Churchill, é no enfrentamento das crises que um verdadeiro líder precisa encontrar soluções. Mais do que um conservador de plantão, o Brasil precisa de um presidente.


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