20/04/2024 - Edição 540

Saúde

Brasil já registra transmissão comunitária de coronavírus

Publicado em 13/03/2020 12:00 -

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O Ministério da Saúde divulgou nesta sexta-feira (13) novo balanço dos casos confirmados de novo coronavírus (Sars-Cov-2) no Brasil: são 98 casos. Além disso, o balanço tem os seguintes destaques:

98 casos confirmados

1.485 suspeitos

1.344 casos descartados

O Ministério da Saúde informou ainda que já há casos de transmissão comunitária nas cidades de São Paulo (capital) e do Rio de Janeiro (capital). De acordo com a pasta, os casos de transmissão comunitária são aqueles em que não é possível identificar a trajetória de infecção do vírus.

Até então, o governo federal só tinha registro de casos de transmissão local, que é aquele que ocorre quando pessoas que viajaram ao exterior e foram infectadas passam o vírus para parentes e contatos próximos, possibilitando que os agentes localizem a origem da infecção.

Ainda nesta sexta-feira, o Ministério da Saúde recomendou que viajantes internacionais que cheguem ao Brasil fiquem em isolamento domiciliar por 7 dias, mesmo que não tenham sintomas de Covid-19.

As pessoas com sintomas devem ficar em isolamento domiciliar por até 14 dias. Na quinta-feira (12), a pasta anunciou que pessoas que tiverem contato com infectados pelo vírus também devem ser colocadas em isolamento, conforme recomendação médica.

A transmissão sustentada acontece quando não é mais possível rastrear onde o infectado foi contaminado, como atualmente é feito com os recém-chegados de países com registros de casos e pessoas com as quais elas tiveram contato.

“Nenhuma das pessoas do mundo tem imunidade prévia contra esse vírus. Estamos numa semana em que, na semana que vem, a gente já trabalha com o conceito de transmissão sustentada e a gente já começa com pequenos surtos, pequenos inícios de redemoinho”, disse o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Na quinta (15), em sua live semanal, Mandetta e o presidente Jair Bolsonaro apareceram utilizando máscaras e sugerindo que os movimentos de rua suspendam as manifestações marcadas para o próximo domingo, dia 15 de março. Após ter incentivado os atos no último fim de semana, Bolsonaro agora decidiu desestimulá-los com a perspectiva de que o número de contaminados por coronavírus tende a crescer nas próximas semanas no Brasil.

“O que nós devemos fazer agora é evitar que haja uma explosão de pessoas infectadas, porque os hospitais não dariam vazão para atender todo mundo. Se o governo não tomar nenhuma providência, sobe, depois não dá mais e o sistema não suporta”, disse o presidente

Na quinta-feira, o presidente fez o teste para verificar se contraiu coronavírus depois que o chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), Fábio Wajngarten, testou positivo para a doença. Os dois estavam juntos na comitiva que viajou aos Estados Unidos, junto com a primeira-dama Michelle, o filho Eduardo, os ministros Augusto Heleno, Ernesto Araújo, Fernando Azevedo e Silva, entre outros. “Ainda não deu o resultado. Acredito que nas próximas horas eu tenha o resultado meu e de outras pessoas que estavam comigo”, informou Bolsonaro, no vídeo.

O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), médico e ex-ministro da Saúde, traçou um quadro preocupante sobre a pandemia no Brasil, projetando em 600 mil casos em um mês o número de infectados no país, caso siga a dinâmica vista em outros países, como Itália, Irã e Coréia do Sul.

“O Brasil, se fosse repetir a projeção dos países atingidos, no final da semana que vem teríamos 600 casos, em 14 dias teríamos 6.000 casos, 21 dias teriam 60 mil casos, um mês 600 mil casos. É lógico que isso pode não repetir exatamente assim no Brasil, porque temos duas características: a primeira é que nós somos um continente, então o comportamento, a dinâmica tanto das pessoas, da dinâmica urbana e da temperatura, do clima, é muito variada nesse continente”, explicou o médico, complementando que há lugares que não têm inverno e que o deslocamento urbano faz diferença nessa matemática de transmissão.

Alexandre Padilha frisou também que é possível que tenhamos uma crise na saúde a partir do outono e no inverno, posto que, em 2019, já houve um aumento de mortalidade devido doenças respiratórias, dengue, e outras enfermidades como pneumonia.

“É um indicador muito sensível do desmonte da atenção primária de saúde, das unidades básicas de saúde que perderam os médicos do Mais Médicos”, disse ele.

Padilha também trouxe o dado de que a população em situação de rua em São Paulo teria duplicado e lembrou que o Brasil voltou ao mapa da fome, mais fatores agravantes para o sistema de saúde.

A Importância do SUS neste momento

“Ainda bem que temos o Sistema Único de Saúde”. Essa frase tem se repetido nas falas de diversos profissionais de saúde, especialistas e gestores no mesmo ritmo em que o número de casos do coronavírus cresce no Brasil, sendo proferida, inclusive, pelo Ministro Luiz Henrique Mandetta.

Agora que a pandemia demonstra iniciar sua transmissão sustentada no território nacional, a frase deverá ser ainda mais repetida. No entanto, é preciso ir além: o que é necessário para o SUS conseguir responder aos desafios que a Covid-19 apresentará? Os médicos Gastão Wagner, José Cássio de Moraes e Roberto Medronho são unânimes em apontar: sem um financiamento adequado, não há sistema universal que consiga atuar tanto no monitoramento, na assistência e na coordenação das redes.

“Ainda bem que temos o SUS, pois os sistemas nacionais e universais compreendem de maneira mais completa os fenômenos em saúde. Dos seus diversos papéis, destaco dois: o primeiro é na vigilância, pelas ações de monitoramento dos casos suspeitos e confirmação pelos exames feitos na rede de laboratórios públicos, como tem demonstrado sua força nesse momento inicial. Tais ações evitam que a epidemia cresça. O segundo papel é na assistência, cuidando, orientando e atuando por meio das suas redes, tanto nas unidades básicas, pelas equipes de saúde da família, ambulatórios e rede hospitalar”, aponta Gastão Wagner de Sousa Campos, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp) e ex-presidente da Abrasco (2015-2018).

“Nas primeiras coletivas não se falou uma vez no SUS. Falava-se de uma rede sem nome, sem história” avalia Gastão. No entanto, uma vantagem dos sistemas nacionais e públicos está justamente na capacidade de coordenação de uma rede, capilarizada e formada por profissionais que acreditam no que fazem. “Sem um sistema nacional tem de se pedir favor, fazer contrato com cada hospital, um horror” diz, em alusão ao modelo norte-americano, marcado pela oferta de serviços privados.

A rede privada tem sido acionada pelo Ministério para o desenvolvimento de protocolos. No entanto, também houve casos de negligência no atendimento, em Brasília, situação considerada inadmissível pelo secretário-executivo João Gabbardo dos Reis.

O fato do coronavírus ter chegado ao Brasil pelos aeroportos é outro elemento que o professor da FCM/Unicamp aponta para o SUS não ter sido muito falado no primeiro momento. “Os primeiros casos brasileiros são de pessoas da classe média alta, pois tinham viajado para Europa e foram direto aos hospitais da rede privada. Com os casos de contágio ativo, o vírus vai se disseminar para a população geral, o que exigirá condições para o SUS trabalhar. Temos um quadro epidemiológico importante, não dá para minimizar o estrago que pode causar” ressalta Gastão.

A Covid-19 comporta-se como os demais quadros gripais, mas nos casos em que sua expressão é mais intensa pode provocar rapidamente infecção respiratória intersticial, nome oficial das pneumonias. Para a devida assistência à curva de casos, que tende a crescer exponencialmente nas próximas semanas, será necessária uma forte articulação e estruturação da Atenção Básica e Hospitalar.

Atenção Básica necessita de capacitação e equipamentos: Mais de 50% das famílias estão inscritas nos programas de Saúde da Família, podendo e devendo ser atendidas nas unidades básicas. No entanto, sucessivos desmontes na PNAB, a implosão do Programa Mais Médicos e a mudança do cálculo no financiamento minaram a capacidade de resposta. “Os demais 80% dos casos podem ser tratados de maneira satisfatória pela Atenção Básica, mas isso exige profissionais. Nas áreas cobertas pela Saúde da Família ainda é possível fazer visitas domiciliares. No entanto, as casas que apresentarem sorologias mais intensas não será possível oferecer um bom atendimento localizado, pois são os mesmos profissionais que vão nas casas e nas unidades. E, se forem para as casas, fecham-se as portas das unidades e isso não é possível” aponta José Cássio de Moraes, que também ressalta a deficiência nos diagnósticos provocada pela falta dos médicos.

Gastão relembra que os profissionais da Atenção Básica precisam de treinamento e equipamentos adequados para o contato com pacientes, para não sofrerem e serem eles próprios os proliferadores da pandemia. “Cada ano a Atenção Básica tem menos orçamento, o que piorou com a nova política reativa aprovada no final do ano passado. O governo da Itália está investindo mais de 3,6 bilhões de euros. Aqui o discurso segue restritivo. Essa política obsessiva é catastrófica!” denuncia Gastão.

Falta de recursos e unidades despreparadas na Atenção Hospitalar também preocupam Roberto Medronho. “Temos um sistema de saúde público, universal e gratuito. Isso é fundamental para enfrentar uma epidemia. Nossa maior falha está no subfinanciamento crônico do sistema, da carência e baixa remuneração de pessoal, e em problemas de gestão, que tornam o quadro dramático. A maioria de hospitais está sucateada, com leitos fechados. Faltam manutenção, materiais essenciais e equipamentos” disse o abrasquiano em entrevista ao jornal O Globo, nesta segunda semana de março.

José Cássio preocupa-se especialmente no quanto a Covid-19 vai sobrecarregar a já sobrecarregada capacidade assistencial do SUS e o quanto vai dificultar no trato de outras doenças, como a dengue e o sarampo, problemas reais e anteriores. “Uma epidemia dessa dificulta o acesso ao tratamento de outras doenças. Nossa rede de UTI precisa ser aumentada, não atende nem a necessidade atual”.

Apesar das dificuldades apontadas, eles acreditam que o sistema universal de saúde brasileiro tem arcabouço para atravessar o momento de alta no número de casos que virá. Mas condições financeiras dignas do seu tamanho, papel e peso institucional definiram a capacidade de produzir saúde ou registrar óbitos. “Esse regime rigoroso imposto pela EC95 é totalmente inadequado ao momento. Se tivermos 30 mil casos que necessitem de terapia intensiva será o caos. O Ministério tem de ter capacidade de coordenação para ajustar ações e investimentos à medida que a epidemia for avançando e depois reduzindo. Governos e MS precisam de bastante agilidade e, para isso, seu principal instrumento é o SUS” conclui Gastão.

Estudo sobre coronavírus aponta idade e problemas de coagulação como principais fatores de risco para morte

Uma equipe de cientistas chineses publicou o maior estudo sobre os fatores de risco associados às mortes pelo Covid-19 que já infectou mais de 100.000 pessoas em todo o mundo desde sua identificação, em dezembro. A nova pesquisa analisou 191 pacientes internados em dois hospitais de Wuhan, 54 dos quais morreram. Os demais tiveram alta antes de 31 de janeiro. O estudo constata que idade avançada, problemas de coagulação sanguínea e sintomas de septicemia —uma resposta fulminante do organismo para combater uma infecção— são os três principais fatores de risco de morrer com a doença causada pelo vírus.

O trabalho, liderado pelo médico Hua Chen, enfatiza que metade dos pacientes analisados ​​apresentava outras enfermidades, como hipertensão (30%), diabetes (19%) e doença coronariana (8%). Seus cálculos mostram um aumento de 10% no risco de morte no hospital a cada ano a mais de idade que a pessoa infectada tiver. A idade média dos que morreram é de 69 anos, em comparação com os 52 anos dos sobreviventes.

Os autores, que publicaram seus resultados na revista médica The Lancet, acreditam que seus dados poderão em breve ajudar a identificar os pacientes com pior prognóstico. No total, 2% das pessoas que contraíram a doença morreram, segundo dados da Organização Mundial da Saúde. Além da idade avançada, a equipe de Hua Chen destaca dois outros fatores de risco: uma alta pontuação no escore SOFA —um sistema de avaliação da falha de vários órgãos em pacientes internados na unidade de terapia intensiva— e indicadores elevados no teste do dímero D, usado para detectar problemas de coagulação do sangue.

O estudo também sugere que pacientes em estado grave disseminam o vírus por mais tempo do que o esperado. O tempo de excreção do vírus foi de 20 dias em média nos sobreviventes da Covid-19, com variação de 8 a 37 dias. Os autores pedem cautela ao interpretar seus resultados, pois todas as pessoas estudadas estavam hospitalizadas e dois terços delas em estado grave ou crítico. De qualquer forma, recomendam que os pacientes internados não recebam alta enquanto seus testes do vírus não derem negativo.

A revista afirma que o novo estudo é o primeiro retrato completo da progressão do Covid-19. A duração média da febre foi de 12 dias. A dificuldade em respirar durou 13 dias nos sobreviventes. O tempo desde o início dos sintomas até a alta foi de 22 dias. E, no caso dos que morreram, o tempo médio até falecerem foi de 18,5 dias.

“Idade avançada, sintomas de septicemia na internação, doenças subjacentes como hipertensão e diabetes e o uso prolongado da ventilação não invasiva foram fatores importantes na morte desses pacientes”, explica em um comunicado Zhibo Liu, coautor do estudo no Hospital Jinyintan. “Os piores resultados em idosos podem ser devidos, em parte, ao enfraquecimento do sistema imunológico e ao aumento da inflamação, o que pode promover a replicação viral e uma resposta mais prolongada a essa inflamação, causando danos persistentes ao coração, cérebro e outros órgãos”, acrescenta o médico.


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