19/03/2024 - Edição 540

Eles em Nós

De Elizabeth Warren a Ronaldinho Gaúcho

Publicado em 04/03/2020 12:00 - Idelber Avelar

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Gosto de Elizabeth Warren. Sempre gostei. Ela vai terminar a vida com uma biografia limpa, honrada, com realizações que são para poucos e, sobretudo, para poucas.

Foi Republicana, sim, e apoiou Ronald Reagan, mas saiu no momento em que viu que uma mínima regulação do capital, de Wall Street, tinha ficado impossível naquele partido. Em 2003, em seu foro íntimo, sabia que Rumsfeld, Wolfowitz e Bush mentiam, mas não teve a coragem de Bernie, de se opor à Guerra do Iraque. Tudo bem, jogo jogado–sempre foi da natureza de Liz tentar a triangulação. E é fato que havia na população 80% de apoio à guerra.

De lá pra cá, ela tem sido boa em políticas públicas.

Todo estudioso da Revolução Russa está cansado de ouvir (ou imaginar, ou fantasiar) a pergunta QUANDO COMEÇOU A DAR MERDA? As várias correntes do marxismo do século XX se diferenciam segundo a data com que respondem a essa pergunta, ou se a respondem com alguma data, né, tem gente que não percebeu que deu merda até hoje. A Senadora Warren, em todo caso, alimenta em seu foro de interlocutores mais próximos uma pergunta semelhante: "quando foi que passou a não dar?"

E até hoje Liz não respondeu essa pergunta com a coragem que cabe. Começou a não dar, não em algum momento de 2020, mas em 2015, quando Bernie Sanders a visitou em seu gabinete, colocou o seu já robusto movimento à disposição de Liz para que ela se candidatasse. E ele a apoiaria.

Não sabemos por que, muito provavelmente por medo de dinamitar pontes com o clintonismo, Liz não teve a coragem de aceitar.

Tenho para mim, baseado em leituras, que Liz teria derrotado Trump. Eu sei que EU teria viajado à Flórida para fazer campanha por ela, e em Hillary eu sequer aceitei votar. Se Liz tivesse sido eleita aqui em 16, muito provavelmente Bolsonaro não teria sido eleito em 18 no Brasil. Não custa imaginar esse mundo alternativo.

Vai terminar muito limpa e muito bem na fita, Senadora, mas ali, em 2015, quando disse "não" à candidatura de 16, a Sra. perdeu a oportunidade de ser grandiosa mesmo.

MAPA DA SEMANA

Uma bizarrice divertida.

DEVO ….? Qual é o verbo preferido que se segue ao "devo" nas consultas ao Google em cada estado americano?

Como se vê, no Pacífico Noroeste, estado de Washington, as pessoas são lúcidas e fazem ao Google a pergunta correta. Na Flórida, Nova York e Geórgia, pelo jeito, o Google é dominado pelas meninas perguntando "devo mandar um zap pra ele?" Em Illinois, elas perguntam se devem terminar com o namorado. Já texanos e texanas vão ao Google perguntar se devem pedir desculpas. "Devo votar?" ou "Devo fazer dieta?" dominam em alguns estados.

No Novo México, Virgínia Ocidental e Maine, as pessoas vão ao Google e perguntam: SHOULD I CARE? hahaha.

Ri litros com este mapa.

PRIMÁRIAS DEMOCRATAS DE 2020

O BRUXO

O Bruxo, Srs. e Sras., é o único MITO brasileiro vivo. Eu não consigo sequer comentar essa reportagem (fato já confirmado), então deixo-os com as cinco perguntas do André Eler, que resumem a extraordinária singularidade do imbróglio:

"1- por que um brasileiro entraria no Paraguai com passaporte, qualquer que seja, se você pode levar identidade?

2- por que alguém usaria um passaporte do país no próprio país?

3- por que alguém falsificaria um passaporte como naturalizado paraguaio?

4- por que você usaria esse documento no hotel?

5- por que você faria isso sendo O RONALDINHO GAÚCHO, provavelmente uma das cinco pessoas mais conhecidas da América do Sul ainda vivas."

AUTO-AJUDA X MÁXIMAS

Um dos maiores assassinatos que um gênero literário cometeu sobre outro foi o que a literatura de auto-ajuda fez com a literatura das máximas. Sim, gêneros literários assassinam uns aos outros. Esse que todos conhecem, o romance (moderno), nasce com Cervantes assassinando as novelas de cavalaria. Depois do nascimento do romance moderno, com Dom Quixote, só é possível existir novela de cavalaria como piada, paródia.

Sabemos que a literatura das máximas — as frases lapidares que você vê em La Rochefoucauld e Voltaire, tradição que é riquíssima também em língua inglesa — é massacrada, banalizada, mercantilizada e batida no liquidificador por esse grande fenômeno de mercado que é a literatura de auto-ajuda.

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Tudo bem, jogo jogado. Para os fãs da literatura de máximas, então, a pergunta é: quais estratégias retóricas você pode usar para evitar que o gênero seja triturado no liquidificador da auto-ajuda?

Proponho que, de todos os pensadores modernos, de Hannah Arendt a Giorgio Agamben, quem melhor respondeu essa pergunta foi Marcelo Bielsa.

Neste momento em que berniezinhos mimados confundem impotência em atacar com roubo do juiz, volto à frase que considero a mais perfeita já enunciada sobre o futebol, e que foi dita de improviso por Bielsa em uma coletiva na qual ele era questionado por perder um jogo em que atacara demais (ou seja, o contrário do que o time Bernie fez). A frase é de uma perfeição quase insuportável.

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Ei-la:

"A tentação de obturar todos os caminhos de chegada do adversário também significa multiplicar o número de bolas de que ele vai dispor" (BIELSA, Marcelo).

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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