24/04/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro usa GLO como arma política contra governadores

Publicado em 28/02/2020 12:00 -

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Os governadores de ao menos quatro estados já se organizam para enviar forças de segurança ao Ceará caso o presidente Jair Bolsonaro não renove a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que possibilitou a presença do Exército e da Força Nacional no estado, para ajudar a conter o motim dos policiais militares.

De acordo com o governador Flávio Dino (PCdoB-MA), do Maranhão, os governadores do Rio de Janeiro, da Bahia, do Piauí e ele próprio acertaram o envio de tropas ao estado. "Há um movimento para cooperar", afirma ele.

A hesitação do presidente Jair Bolsonaro em manter a operação, caso o Congresso não aprove o excludente de ilicitude em operações deste tipo, causou perplexidade e revolta entre governadores e congressistas.

Para eles, ao ameaçar deixar a população do Ceará desprotegida se o Congresso não aprovar um projeto do Executivo que não tem amparo no Legislativo o presidente usa a população cearense como refém e “empodera” os policiais militares amotinados.

O governador Camilo Santana (PT) tem se recusado a negociar com os amotinados e a lhes conceder anistia ou e reajuste maior que o já aprovado. Sem s GLO a garantir a segurança da população, o governo perde cacife para resistir à chantagem dos amotinados.

Para se contrapor à possibilidade de Bolsonaro ordenar a retirada das tropas do Ceará, governadores e parlamentares já discutem recorrer a uma possibilidade prevista no artigo 142 da Constituição de que o Legislativo ou o Judiciário requisitem uma operação de GLO. O Congresso requisitaria e aprovaria, e o Executivo seria obrigado a mandar a Força ao Estado, sem condicionantes.

Na quinta (27), Bolsonaro sinalizou que pode não atender ao pedido do governador cearense. Disse que a GLO não será renovada e que “espera que o governador do estado, Camilo Santana, resolva a situação com os militares”.

"GLO do Ceará vence amanhã (28) e a gente espera que o governador resolva esse problema da polícia militar do Ceará e bote um ponto final nessa questão, porque GLO não é pra ficar eternamente atendendo um ou mais governadores, é para questão emergencial", afirmou.

Ao governador, Bolsonaro disse: "Resolva esse problema que é do seu estado, negocie e chegue a bom termo nessa questão. Porque a GLO minha, não é ad eternum, com outros presidentes passados era, comigo não é. Espero que o governador, que tem responsabilidade, que pelo que estou sabendo está buscando a solução, mas que se empenhe ao máximo possível para buscar uma solução para esse caso, de modo que os policiais possam voltar a cumprir o seu trabalho normalmente no estado do Ceará", declarou.

Durante o motim dos policiais militares cearenses, já morreram 170 pessoas. Os números contabilizam apenas as mortes que aconteceram entre os dias 19 e 24 de fevereiro, depois disso, a Secretaria de Segurança Pública do Ceará disse que não fará mais divulgações diárias, apenas mensais.

Observem que, em nenhum momento, o presidente critica uma greve inconstitucional, que deixa a população do Ceará à mercê de dois tipos de bandido: com farda e sem ela.

A Carta proíbe explicitamente a sindicalização e a greve de policiais militares. Há uma combinação de disposições que resulta nessa proibição. O Parágrafo 6º do Artigo 144 define as PMs e os bombeiros como forças auxiliares e reservas do Exército. O caput do Artigo 42 estabelece que eles são "militares dos Estados". O parágrafo 1ª reza que se aplica a esses entes o que dispõe o Parágrafo 3º do Artigo 142. O inciso IV é definitivo: "Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve". É indiscutível….

O presidente joga a batata quente no colo do governador e diz um sonoro "vire-se; resolva aí". Isso corresponde a um convite para que policiais militares de outros estados sigam o exemplo de seus homólogos cearenses. Já não resta a menor dúvida, como já apontei neste blog, de que Bolsonaro considera que a bagunça nas PMs dos Estados é útil a seus propósitos.

Os generais que hoje cercam o mandatário — colaborando para, lentamente, corroer a imagem das Forças Armadas — têm mais uma chance de refletir: insuflar, ainda que por palavras oblíquas e ameaças veladas, movimentos grevistas nas PMs corresponde a ameaçar os brasileiros com um banho de sangue, como vem ocorrendo, diga-se, no Ceará.

O ridículo assume tais proporções que o valentão diz que, com ele, as operações de GLO não são "ad aeternum", como ocorria com outros presidentes… Ora vejam: o seu chefe da Casa Civil é ninguém menos do que o general Braga Netto, que comandou a operação no Rio entre 6 de fevereiro de 2018, nomeado pelo então presidente Michel Temer, até 28 de março do ano passado, depois das respectivas posses do próprio Bolsonaro e do governador Wilson Witzel.

Passagem de Moro pelo Ceará só contribuiu para fortalecer a greve criminosa

O ministro da Justiça, Sergio Moro, desfilou sobre um tanque de guerra em Brasília. Ele também passou pelo Ceará. Quando deixou o Estado, os delinquentes que comandam a greve da PM no Estado estavam mais radicais do que antes porque se sentiram empoderados pelo governo federal na pessoa de Moro, querepresentava o presidente da República.

O governador Camilo Santana faz um bom trabalho, e a Polícia Militar do Estado está longe de ser a mais mal paga do país. Ocorre que o Estado está sendo vítima da "milicianização" das PMs, fenômeno que se espalha Brasil afora. E, como se nota, com o nada discreto apoio moral do próprio presidente da República.

Afinal, se ele não critica uma greve que fere a Constituição e se ameaça deixar o Estado entregue à própria sorte, com grevistas armados e amotinados, está escolhendo um lado: o dos bandidos de farda — e, por consequência, em aliança com os bandidos sem farda.

É claro que o fato de Camilo ser do PT e aliado local de Ciro Gomes pesa nos juízos de Bolsonaro nestes tempos delinquentes de políticos moralmente delinquentes. Mas que os outros 25 gestores estaduais — a PM do DF é paga pela União e opera em estreita ligação com forças federais — não se enganem: a ameaça do presidente da República e a desídia de Moro afetam a todos.

Sim, senhores! Moro passou pelo Ceará e não deu um miserável pio contra os grevistas, embora todos ali estivessem fraudando a Constituição. Em vez disso, pregou a necessidade de se chegar a um entendimento. É mesmo? Entre quem e quem? Entre as forças da lei e homens armados, que são pagos para proteger a população? Quando as lideranças criminosas perceberam que chegavam de Brasília sinais de assentimento com o movimento, a disposição grevista, que estava em declínio depois dos tiros que colheram Cid Gomes, recrudesceu.

Ora, só uma ordem do governo federal era aceitável: "Ou vocês põem fim imediatamente à greve e desocupam os quarteis, ou serão postos para fora pelas Forças Armadas". Não pode existir negociação com esse tipo de bandidagem. Mas o que se ouviu foi algo bem distinto.

O “incorruptível Moro”, foi lá passar a mão na cabeça de chantagistas armados. Na "live" da semana passada, Bolsonaro preferiu atacar Cid Gomes, e Onyx Lorenzoni, seu ministro da Cidadania, chamou os tiros de atos de "legítima defesa". No patetada de ontem, o presidente exortou o governador a resolver o problema "de modo que os policiais possam voltar a cumprir o seu trabalho normalmente aí no Estado". É um despropósito.

O governo estadual lidera reuniões, a que comparecem representantes do Exército e dos grevistas, para tentar sair do impasse. Em si, já é um descalabro. Mas que alternativa tem Santana quando o presidente da República e o ministro da Justiça flertam com os que tratam a Constituição a tiros, chantageando o governador e a população?

Fiquem atentos: o governo Bolsonaro está forçando a mão em favor da anistia às lideranças grevistas. Quer pôr Camilo Santana contra a parede, obrigando-o a ceder a essa reivindicação, o que corresponderia a entregar a Polícia Militar do Estado à bandidagem chantagista. Afinal, o presidente da República não está de olho apenas no que acontece naquele Estado: seu público-alvo são 500 mil policiais Brasil afora, que toma como parte de sua base de apoio. Se e quando isso acontecer, a bagunça, potencialmente ao menos, toma conta dos demais Estados.


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